Ao ler, no dia 22 de abril, na coluna da jornalista Miriam Leitão, no jornal O Globo, o artigo intitulado: “Explosão das bets: 15% dos jogadores na América Latina se endividam para apostar”, fiquei curioso com os dados mencionados e resolvi buscar a pesquisa original que serviu de base para o texto.
Apesar de ela ter sido aplicada em cinco países da América Latina — Argentina, Chile, Colômbia, México e Peru — e não incluir o Brasil, acredito que suas conclusões são perfeitamente aplicáveis ao contexto brasileiro, dada a similaridade econômica e social da região.
A íntegra da pesquisa pode ser consultada no seguinte sítio:
https://www.bain.com/contentassets/ab86efa5bf654162851a152aa8c43533/consumerpulse-latam-final.pdf
O texto está redigido em espanhol — ou, conforme a preferência de alguns argentinos, uruguaios e paraguaios, em castelhano, denominação adotada por muitos como forma de evitar uma associação direta ao colonialismo espanhol. Trata-se, contudo, de um conteúdo cuja leitura é perfeitamente acessível aos brasileiros, dada a proximidade linguística entre o português e o espanhol.
A pesquisa e seus achados
Em meio a um cenário de incertezas econômicas, inflação persistente e instabilidade política, o consumidor latino-americano segue ajustando seus hábitos com criatividade, cautela — e um toque de otimismo. É o que revela a pesquisa Consumer Pulse LATAM, realizada em março de 2025 pela consultoria Bain & Company, em parceria com a plataforma de pesquisas Offerwise, com 5.724 entrevistados em cinco países da América Latina: Argentina, Chile, Colômbia, México e Peru. Os dados também são apresentados em forma de média regional sob a categoria Latam.
A Bain & Company é uma das principais empresas globais de consultoria em gestão estratégica, com atuação em mais de 30 países. Já a Offerwise é especializada em inteligência de mercado e tecnologia de pesquisa digital, com foco em consumidores latino-americanos e hispânicos nos Estados Unidos.
Estado de espírito e preocupações
Apesar da inflação e do aperto no orçamento, os latino-americanos demonstram um estado de espírito mais positivo que os consumidores dos Estados Unidos e da Europa. Enquanto o índice NPS (Net Promoter Score de bem-estar) da média regional da América Latina ficou em -8%, o dos EUA foi de -25% e o da Europa de -41%. Contudo, há um declínio perceptível no ânimo em países como Argentina (de 0% para -19%) e México (de 15% para 5%).
As principais preocupações seguem sendo as finanças pessoais (52%), a saúde física (39%), a instabilidade política (29%) e o estresse no trabalho (28%). Há, ainda, uma preocupação 10% maior na América Latina com o custo de vida e a instabilidade política, quando comparada a EUA e Europa.
Consumo com cautela
Com 90% dos entrevistados relatando aumento nos preços, o consumidor latino-americano está repensando onde e como consome. Mais de dois terços já reduziram gastos, e 16% pretendem fazê-lo em breve. Os cortes mais comuns ocorrem em alimentos (42%), roupas (40%) e restaurantes (37%). Na sequência, vêm entrega em domicílio (26%), álcool (20%), transporte (19%) e eletricidade (17%).
Entre as principais estratégias estão:
Substituição por marcas mais baratas (43%);
Redução da quantidade de produtos comprados (38%);
Realização de atividades por conta própria, em vez de contratar serviços (30%);
Adoção de marcas próprias de supermercado (31%);
Compra em lojas mais econômicas (29%);
Uso de cupons e programas de fidelidade, nos quais 60% estão inscritos, com objetivo principal de obter descontos e recompensas (29%).
Em termos de renda, apenas 9% conseguem economizar sem cortar gastos. Já 20% relatam ter dificuldade até para cobrir o essencial, número que chega a 30% na Argentina.
Troca de marcas e perfis geracionais
A fidelidade às marcas caiu: 48% dos consumidores testaram novas marcas nos últimos três meses — principalmente em brinquedos, roupas, eletrônicos, produtos para o lar e férias. O comportamento é mais forte entre Geração Z e Millennials.
Para quem não conhece as definições de Millennials e Geração Z, segue abaixo uma explicação:
Baby Boomers: nascidos entre 1946 e 1964, cresceram em um período de prosperidade econômica e valorizam estabilidade e instituições tradicionais.
Geração X (Gen X): nascidos entre 1965 e 1980, vivenciaram grandes transformações tecnológicas e sociais, são conhecidos por sua independência e pragmatismo.
Xennials: microgeração nascida entre 1977 e 1983, com infância analógica e vida adulta digital. Reúne características da Geração X e dos Millennials.
Millennials (Geração Y): nascidos entre 1981 e 1996, cresceram com a internet e redes sociais. São marcados pela familiaridade com a tecnologia, valorizam propósito no trabalho e têm maior abertura à diversidade.
Geração Z (Gen Z): nascidos entre 1997 e 2010, são os primeiros a crescer totalmente imersos no ambiente digital. São multitarefa, altamente conectados e engajados com causas sociais.
Paradoxo digital e explosão das apostas online
Outro fenômeno é o paradoxo digital: 30% dos consumidores dizem querer reduzir o tempo online, seja por distrações (34%), danos à saúde (25%) ou sentimentos de culpa (13%) — mas as atividades digitais continuam entre as mais praticadas no tempo livre.
Um exemplo disso é o crescimento acelerado das apostas virtuais. A pesquisa estima que o mercado de apostas na América Latina movimentará cerca de 23 bilhões de dólares em 2025, sendo que 30% dessas apostas já ocorrem online.
A adesão é alta: 70% dos peruanos, 50% dos colombianos e mexicanos e 40% dos argentinos disseram já ter apostado online.
O impacto financeiro é preocupante:
26% afirmam estar economizando menos para poder apostar;
26% reduziram gastos com bens e serviços não essenciais;
20% diminuíram até o consumo de itens essenciais;
15% contraíram dívidas ou pediram dinheiro emprestado para continuar apostando.
Saúde, bem-estar e IA
A saúde segue como prioridade: perder peso (37%), dormir melhor (34%), melhorar a forma física (32%), passar mais tempo com os entes queridos (29%) e cuidar da saúde mental (20%) estão entre os principais objetivos. Há também uma mudança na alimentação, com queda no consumo de açúcar (-40%), gorduras (-39%) e glúten (-34%).
A IA (inteligência artificial) já é utilizada por 65% dos entrevistados, e 60% a veem como prioridade para os próximos cinco anos. Os países com maior adoção são Colômbia (59%), Peru (57%) e Argentina (51%), com maior uso entre Gen Z (62%) e Millennials (57%).
A percepção geral é positiva: a IA facilita o aprendizado (52%), automatiza tarefas (45%) e gera novas oportunidades de emprego (44%). Mas há preocupações: desinformação (38%), perda de emprego (35%) e falta de preparo para usá-la (30%).
Concluindo, podemos perceber que a pesquisa sob análise mostra que o consumidor latino-americano está longe de ser passivo diante das adversidades. Ele se adapta, experimenta, prioriza e encontra caminhos para manter seu bem-estar, mesmo que precise cortar aqui e ali. Em 2025, o otimismo latino-americano ainda resiste — mas está cada vez mais seletivo, pragmático e tecnológico.
E, se o Brasil não aparece no campo dos pesquisados, é possível que seja apenas no mapa — porque, no espelho da realidade descrita, lá estamos nós também.