Fecham-se as cortinas da vida do argentino Jorge Mario Bergoglio, mas esse palco nunca será mais o mesmo. Papa Francisco avisara não querer ser sepultado num caixão com pregos de ouro. A derradeira cena só poderia mesmo ser condizente com o seu legado de simplicidade e defesa dos mais pobres e de uma Igreja Católica verdadeiramente democrática e progressista. Predicados louváveis que ganham ainda mais relevância se somados a uma de suas lutas mais contundentes: a defesa do meio ambiente. Sempre com boa dose de humor, Francisco promoveu avanços históricos numa instituição que mobiliza a fé de 1,3 bilhão de pessoas no globo. Há dez anos, em sua encíclica “Laudato Si'”, manifestou a preocupação com a emergência do clima. Nada trivial, diante de tanto negacionismo e avanço da necropolítica cinzenta e anticientificista. Sim, Francisco foi um papa ambientalista.
“Quem transformou o maravilhoso mundo marinho em cemitérios subaquáticos despojados de vida e de cor?”. A pergunta, que constrange a humanidade, emoldura um documento pujante, fundamental e superlativo. O texto critica o consumismo desenfreado, a concentração das áreas verdes nas regiões mais ricas das cidades, as monoculturas que acabam com os solos e dinamitam a biodiversidade, e é extremamente corajoso ao refutar uma “internacionalização” da Amazônia (leia-se a perda da soberania dos países do bioma) – “que só serve aos interesses econômicos das corporações internacionais”.
Ao longo de seu papado de 4.416 dias, Francisco adotou hábitos discretos e uma comunicação direta com os fiéis. Torcedor do San Lorenzo de Almagro, contador de “causos” e piadas, dessacralizou seu cargo e promoveu conexões com o povo comum e simples. A mensagem era evidente: a Igreja precisa ser plural e abraçar diferentes causas. Se reuniu com vítimas de casos de abusos sexuais cometidos por clérigos em Portugal, acolheu pessoas LGBTQIA+ – em 2023 Francisco autorizou a bênção a casais do mesmo sexo, contrariando a doutrina tradicional católica, que condena a união homossexual. Teve papel central na reaproximação entre Estados Unidos e Cuba e fez constantes apelos em defesa dos migrantes e refugiados.
Francisco, primeiro pontífice da América Latina, foi voz ativa ao sublinhar não existem crises separadas, uma ambiental e outra social. A maior homenagem que podemos deixar à memória de Papa Francisco é seguirmos na luta pela superação das desigualdades e por um meio ambiente saudável e equilibrado. Cumpriu sua missão. “Gratias agimus in environmentalist papa”. Amém!