O trem, o Corona vírus e a rotina que não pode mudar

Advertisement
Receba notícias no WhatsApp

Desde 4h da manhã desta segunda-feira (16/03) o trabalhador da Baixada Fluminense e suburbano levantou-se e saiu a luta novamente para enfrentar mais um dia de trabalho. Trem movido a carvão saindo da bitola estreita de Guapimirim, ônibus engarrafado na Avenida Brasil, na Dutra e na Linha Vermelha, motos buzinam anunciando passagem, o camelô entra no vagão anunciando café, o jornal, o canudinho, a revista passa tempo, a bala de hortelã e o sabonete da raspa do juá. Tudo junto, tudo misturado, tudo respirando o mesmo ar.

Estação Gramacho: plataforma lotada, uma jovem tosse e todos se espantam. O camelô aproveita e anuncia o kit corona vírus com mascará e álcool gel por R$ 5,00. Quem mais? O trem que vem de Caxias chega, a multidão se espreme, viaja sentado até a Central quem tiver a sorte da porta da esperança (do vagão) abrir na sua frente e não tropeçar no desnível. Atenção ao esperto que finge estar dormindo: os ambulantes agora sabem que todos os assentos são preferenciais e te acordam pedindo licença do lugar ao idoso, a gestante ou deficiente. Outro trem chega de Saracuruna, todos estavam sentados, agora serão obrigados a viajar em pé. “É melhor pegar esse trem lotado e se arriscar respirando o ar do jovem que tossiu, do que não chegar a tempo de bater cartão” murmurou um senhor cheio de papel no bolso da camisa. O patrão é quem mora logo ali, pensei e emendei: “Imagine quem vem lá de Japeri!”, Em Cima da Hora, carnaval de 1984.

O Corona Vírus chegou em Pindorama, a terra que já foi sem males, sem pedir licença. Aliás, muitas coisas ruins vindas da Europa já entraram no Brasil, desde 1500. Eventos culturais, esportivos, governamentais e políticos são adiados e cancelados,  muitos órgãos e empresas indicam trabalho de “home office” para evitar o contágio e a propagação da pandemia do Corona Vírus. Recomendação que deve ser seguida a risca por quem pode. Menos o trabalhador que pega o trem sujo da Leopoldina (poema de Solano Trindade) diariamente. Esse não tem escolha! Não se cuida de portaria, faz faxina, abre coco, dirige um táxi, uber e ônibus de casa. E nenhum patrão será benevolente em permitir algumas dessas categorias ficarem duas semanas em casa e recebendo.

Portanto, durante todo esse período da pandemia do COVID-19, é o informal quem mais uma vez vai sofrer. A classe média e determinadas profissões poderão seguir seu “home office”, mas e o estudante que se formou em direito, engenharia, arquitetura e agora acha que se dá bem sendo motorista de aplicativo, que não pode ficar nenhum dia parado e não possuí licença médica remunerada? E a diarista que trabalha cada dia da semana em um apartamento da Zona Sul? Vão comentar sobre o MEI, mas o INSS vai dar o benefício se você não tem doença? Então, é necessário uma reflexão muito mais profunda das medidas adotadas atualmente, pois a contenção desse contágio só será possível se todos cumprirem as medidas indicadas, mas o governo também precisa pensar na política fiscal. Ou seja, de nada vai adiantar ter a classe média trabalhando em casa se o trabalhador informal está na rua, dentro do trem, do metrô, do ônibus, do BRT como vetor de transmissão. A janela avisa que estamos chegando na Central do Brasil. Todos descem apressados em direção a rodoviária ou ao metrô. Eu, ouvindo uma música de 1977 do visionário Raul Seixas, que canta “O dia em que a Terra parou”, mas no Rio de Janeiro, essa parada só está acontecendo do Túnel Rebouças pra frente.

Advertisement
Advertisement
Receba notícias no WhatsApp
entrar grupo whatsapp O trem, o Corona vírus e a rotina que não pode mudar
Cidadão Baixada. Filho, neto e bisneto de pernambucanos é caxiense, portelense, tricolor, professor de História e Jornalista. É pesquisador na área da pessoa com deficiência, voluntário do Lions Clube Xérem e no Pré-Vestibular Comunitário da Educafro.
Advertisement

5 COMENTÁRIOS

  1. Não só o trabalho informal continua a Toda poupa, como o formal também CLT, o serviço de Manutenção e segurança de um prédio empresarial, residencial( eletricista, pintor, Bombeiro Hidraulico, faxineira, vigilante, etc…) Tudo para garantir o conforto da classe Alta e o que adianta deixar nossas crianças em casa, se continuamos nas ruas trabalhando ? Ao voltar do trabalho passando por trem, metrô, onibus, etc.. não temos risco de contaminar eles? E nossos pais idosos e nossos avós? Com Toda certeza esse Plano não Vai dar certo enquanto Uma parte trabalhar e outra parar, tem que parar tudo até descobrir ao certo o que é esse virus e cura!

    LZ

  2. Estava procurando uma manifestação desse cunho, sou moradora de Nova Iguaçu, e tenho que sair todo dia cedo, pegar condução cheia e trabalhar numa sala com um monte de gente. E até agora não tivemos nenhum decreto de prevenção quanto a isso. Meu patrão não está nem aí para os funcionários, só quer mesmo é lucrar. O que faremos?

  3. Excelente, Marroni!
    Está sempre de parabéns!
    Muito sucesso no seu caminho!
    E só um detalhe. Mesmo Tribunais, Ministério Público, Procuradorias órgãos públicos e mesmo empresas que parem, tem gente trabalhando duro ali (mesmo que se fale que o tribunal ou o ministério público parou. Não foi totalmente) e dobrado como o pessoal de limpeza – como se não merecessem eles ficar protegidos em casa

Comente

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui