Ode ao Rio de Janeiro por Pablo Neruda

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Rio de Janeiro por LASZLO ILYES

As vezes leio textos sobre o Rio de Janeiro que ainda me surpreendem, por mais antigos que seja. Por exemplo, esta semana descobri um poema do grande poeta chileno Pablo Neruda em homenagem ao Rio de Janeiro, chamado, rufem os tambores, “Ode ao Rio de Janeiro”.

O poema foi escrito em 1956 e deveria ser lido nas escolas cariocas.

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Ode ao Rio de Janeiro

Rio de Janeiro, a água
é a tua bandeira,
agita as suas cores,
sopra e soa no vento,
cidade,
náiade negra,
de claridade sem fim,
de fervente sombra,
de pedra com espuma
é o teu tecido,
o lúcido balanço
da tua rede marinha,
o azul movimento
dos teus pés arenosos,
o aceso ramo
dos teus olhos.
Rio, Rio de Janeiro,
os gigantes
salpicaram a tua estátua
com pontos de pimenta,
deixaram
na tua boca
lombos do mar, nadadeiras
pertubadoramente indolentes,
promontórios
da fertilidade,tetas da água,
declives de granito,
lábios de ouro,
e entre a pedra quebrada
o sol marinho
iluminando
espumas estreladas.

Oh Beleza,
oh cidadela
de pele fosforescente,
romã
de carne azul, oh deusa
tatuada em sucessivas
ondas de ágata negra,
da tua nua estátua
sai um aroma de jasmim molhado
pelo suor, um ácido
sereno
de cafézais e de quitandas
e pouco a pouco sob o teu diadema,
entre a duplicada maravilha
dos teus seios,
entre cúpula e cúpula
da tua natureza
assoma o dente da desventura,
a cancerosa fila
da miséria humana,
nos morros leprosos
o cacho inclemente
das vidas,
vagalume terrível,
esmeralda
extraída
do sangue,
o teu povo para os limites
da selva se estende
e um rumor oprimido,
passos e surdas vozes,
migrações de famintos,
escuros pés com sangue,
o teu povo,
além dos rios,
na densa
amazónia,
esquecido,
no Norte
de espinhos,
esquecido,
com sede nas chapadas,
esquecido,
nos portos mordido
pela febre,
esquecido,
na porta
da casa de onde o expulsaram,
pedindo a ti
um só olhar,
e esquecido.

Em outras terras,
reinos, nações,
ilhas,
a cidade capital,
a coroada,
foi colmeia
de trabalhos humanos,
amostra da desgraça
e do acerto,
fígado da pobre monarquia,
cozinha da pálida república.

Tu és a ofuscante
vitrina
de uma sombria noite,
a garganta
coberta
de águas marinhas
e ouro
de um corpo
abandonado,
és
a porta
delirante
de uma casa vazia,
és
o antigo pecado,
a salamandra
cruel,
intacta
no braseiro
das longas dores do teu povo
és
Sodoma,
sim,
Sodoma,
deslumbrante,
com um fundo sombrio
de veludo verde,
rodeada
de crespa sombra, de águas
ilimitadas, dormes
nos braços
da desconhecida
primavera
de um planeta selvagem.

Rio, Rio de Janeiro,
quantas coisas
devo te dizer. Nomes
que não esqueço,
amores
que amadurecem o seu perfume,
encontro contigo, quando
do teu povo
uma onda
agregue ao teu diadema
a ternura,
quando
à tua bandeira de águas
ascendam as estrelas
do homem,
não do mar,
não do céu,
quando
no esplendor
da tua auréloa
eu veja
o negro, o branco, o filho
da tua terra e do teu sangue,
elevados
até a dignidade da tua formosura,
iguais na tua luz resplandecente,
proprietários
humildes e orgulhosos
do espaço e da alegria,
então , Rio de Janeiro,
quando
alguma vez
para todos os teus filhos,
não só para alguns,
dês o teu sorriso, espuma
de náiade morena,
então
eu serei o teu poeta,
chegarei com a minha lira
para cantar no teu aroma
e dormirei na tua fita
de platina,
na tua areia
incomparável,
na frescura azul do leque
que abrirás no meu sonho
com as asas de uma
gigantesca
mariposa marina.

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