Onde ficava o maior cortiço do Rio, o Cabeça de Porco?

A estalagem que abrigou cerca de 2 mil pessoas em condições insalubres acabou dando origem a um termo que, mais de um século depois, ainda é sinônimo de precariedade urbana

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Rua Barão de São Félix, onde funcionou o mais famoso cortiço do Rio no século XIX

Quem passa hoje pelo Terminal Américo Fontenelle, atrás da Central do Brasil, no Centro do Rio, talvez não imagine que ali funcionou, até o fim do século XIX, o maior cortiço da cidade — e um dos mais simbólicos da história urbana do Brasil. No número 154 da problemática Rua Barão de São Félix, uma estalagem que abrigou cerca de 2 mil pessoas em condições insalubres acabou dando origem a um termo que, mais de um século depois, ainda é sinônimo de precariedade urbana: Cabeça de Porco.

O cortiço Cabeça de Porco foi demolido em 26 de janeiro de 1893, sob aplausos de parte da imprensa e olhares atentos da população, que se acotovelava para assistir à cena. A ação, adotada pelo então prefeito Barata Ribeiro, foi tratada como um espetáculo, já que apontava a necessidade da derrubada para a abertura do Túnel João Ricardo, que liga a Central à Gamboa.

Área do Cortiço Cabeça de Porco

O nome não era ironia

Na entrada do cortiço havia um grande portal ornamentado com uma cabeça de porco em gesso — uma ironia aos tradicionais leões de chácara que enfeitavam a entrada dos antigos casarões do Rio. Arcos com figuras de animais em gesso eram comuns na época, mas ali o porco selava, com sarcasmo, a condição dos que viviam dentro. O Cabeça de Porco funcionou por cerca de 50 anos. Era quase um bairro dentro da cidade: tinha um corredor central, duas alas com mais de cem pequenas casas e outras “ruas” internas, nos fundos, já na encosta do atual Morro da Providência.

Histórias curiosas rondam o Cortiço. Uma delas é que o terreno onde as casas pobres foram erguidas seria de Luís Filipe Maria Fernando Gastão, o conde d’Eu, que era genro de D. Pedro II.

A habitação coletiva surgiu como resposta à enorme demanda por moradia entre trabalhadores livres, ex-escravizados e imigrantes pobres que, diante da necessidade de trabalhar diariamente, se concentravam no centro da capital. Cortiços como o Cabeça de Porco floresceram nas décadas de 1850 e 1860, impulsionados por especuladores que enxergaram oportunidade no aluguel de cômodos baratos. Em 1884, só na freguesia de Santana, onde ficava o cortiço, já havia quase 400 estalagens desse tipo.

Abertura do Túnel João Ricardo

Campanha de ‘higienização’

Mas, a partir da segunda metade do século XIX, os cortiços passaram a ser alvos preferenciais de campanhas de “higienização” urbana. Crescia o temor entre as elites de que essas áreas pudessem se tornar focos de epidemias — e de revoltas. Pressionada por esse discurso e também pela especulação imobiliária, a Intendência Municipal decidiu extinguir o Cabeça de Porco. Ignorou apelos dos donos e de quem vivia lá. De “presente”, os moradores receberam apenas os restos da demolição.

Com pedaços de madeira e escombros, muitos subiram o Morro da Providência e improvisaram novas moradias. Estava lançado o embrião de uma das primeiras favelas do Rio.

A Revista Illustrada, publicação de crítica política e social da época, reagiu com ironia à destruição do cortiço. Chamou o prefeito de “barata que engole um porco pela cabeça” e ironizou o foguetório que acompanhou a demolição. Para além da metáfora, a frase mostrava o contraste entre o espetáculo da remoção e a realidade dura dos despejados.

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