Os anos que nos separam de 1925

Ao celebrar os cem anos da avó Elza, neto reflete com humor e afeto sobre o tempo, a música e as distâncias geracionais entre 1925 e os dias de hoje.

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Imagem gerada por Inteligência Artifcial

Por Té Silva

Minha Vó Elza faz cem anos.

Só por curiosidade, dei uma googlada para saber o que estava rolando pelos idos de 1925, e o que mais chamou minha atenção foi o lançamento, naquele ano, de uma modinha bem conhecida cujo refrão é mais ou menos assim: “e a fonte a cantá/chuá, chuá/ e a água a corrê/ chuê, chuê”.

Se eu pudesse escolher, acho que essa canção seria uma boa trilha sonora para uma geração centenária que já viu muita água passar debaixo da ponte; muito pôr do sol bonito por um lado, mas também muita guerra, infindáveis trincheiras, e agora o tarifaço do Trump e o inglês desajeitado do Bolsonaro.

Não quero fazer graça! Só parabenizar dona Elza – 3 filhos, 4 netos, 3 bisnetos -, que plantou muita castanheira no chão de Portugal, pisou muito cacho de uva para fazer vinho, jogou muita lenha no lume e sofreu todas as dores que um corpo pode sentir, antes e depois da invenção do corticoide e da penicilina.

Para satisfação e gosto meu, minha filha, a mais nova das bisnetas, faz aniversário muito perto, embora a gente saiba que nunca é a mesma ariana que se banha no mesmo rio. Não teria como! Afinal, a superfície dos fatos muda constantemente – e, nela, submerge uma trilha sonora diferente a cada geração.

Quanto a mim, me sinto no meio do caminho. De certa forma, estacionei nos anos 80, numa equidistância prudencial entre os 15 anos da minha avó e os 15 da minha filha…

Daquela época, ainda lembro das minhas idas à Praça da Bandeira para assistir a uma banda de heavy metal que tocava também numa garagem obscura de Botafogo. Era um tempo em que os guitarristas ameaçavam morder o pescoço de morcegos, o que hoje suscitaria a ira das sociedades protetoras dos morcegos.

Existe aí um saudosismo um tanto envergonhado, mas é preciso considerar que, em 1985, após os anos de chumbo e suas reticências, era isso que tínhamos para oferecer a um custo baixo: coturnos e tachas! Sei que, tanto para minha avó de cem anos quanto para minha filha adolescente, é difícil entender meu gosto por aquele tipo de vida (e de música), mas, em minha defesa, posso dizer que também é difícil me encaixar nas expectativas das duas.

Afinal se, para a minha geração, já passou, faz muitas décadas, o tempo de cantar o ingênuo “chuá, chuá, chuê, chuê” da dona Elza aniversariante, definitivamente ainda não está na hora de se unir a essa galera nova do Tik Tok e cantarolar, a plenos pulmões, “senta, senta, senta, senta,” – e, CLARO, “dá uma mamadinha”!

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