Quando abro a primeira gaveta da cozinha, me deparo com quatro canudos de metais. Nós os usamos com frequência. Acho que eles surgiram por aqui desde que a polêmica do uso dos canudinhos descartáveis começou – em junho de 2018 o então prefeito Marcelo Crivella sancionou o projeto de lei que proíbe a distribuição dos itens plásticos em estabelecimentos alimentícios. Seguindo o Rio, outras capitais não tardaram a aplicar medidas semelhantes. O objetivo é reduzir os impactos causados pelos polímeros no meio ambiente. São bastante conhecidos os malefícios desses canudinhos nos mares, por exemplo. Não raro, são encontrados em estômagos e peixes, ou acabam ingeridos por tartarugas.
Agora, Donald Trump escolheu o tema para seguir em sua marcha fúnebre anti-iluminista. Informou que irá revogar o incentivo aos canudos de papel e voltar a apoiar a produção em massa de canudos plásticos. Zero surpresa. Ele tem compromisso com o incentivo aos combustíveis fósseis – e o canudinho é apenas uma expressão bastante visível de sua guerra suja. A ExxonMobil, com sede nos Estados Unidos, é a maior produtora de polímeros para plásticos descartáveis (responsável por 6 milhões de toneladas somente em 2021). A Dow responde por 5,3 milhões de toneladas, e fica em terceiro lugar. Ninguém pode acusá-lo de não seguir um script muito bem desenhado. Business as usual, alguém lembrará: sua agenda é a da continuidade dos negócios que poluem o planeta.
A questão é que dessa vez o tema é bem mais complexo do que simplesmente demonizarmos os canudos plásticos. Uma reportagem de Ally Hirschlag, da BBC Future, traz dados interessantíssimos. Em síntese, descobriu-se que os canudos de papel avaliados por pesquisadores da Universidade da Antuérpia, na Bélgica, contêm mais “produtos químicos eternos” — substâncias per e polifluoroalquil ou PFAS — do que o plástico. Mais: nenhum canudo, seja de plástico ou papel, podem ser reciclados. E há meios muito mais eficazes de contribuição para a sustentabilidade do planeta: evitar uma viagem de carro totalizando 72,4 km é o equivalente [em emissões] a não usar garrafas plásticas de água por quatro anos.
Então, desconfie também dos utensílios de papel ou de outras origens. O drama maior é o uso único, o “usou, descartou”. Um canudo reutilizável bem feito servirá perfeitamente para centenas de reutilizações. Símbolo de uma escolha que um indivíduo pode fazer e deitar-se tranquilo no travesseiro, o canudinho de múltiplos usos é atacado por Trump porque é a antítese do que ele defende. “Perfume, baby, perfure”. Extraia ao máximo o que resta de petróleo. E, claro, entupa rios, aterros sanitários, de canudos e de tudo o mais que te faça ser um feliz consumidor. Essa é a lógica. Se o abandono dos canudos de plástico não resolverá o problema da poluição plástica (longe disso), ao menos serve como um alerta global para a cultura do descarte e da queima de óleo e gás. Trump seguirá, dia sim dia também, a despejar fumaça em nosso futuro. Nos cabe defender, com informações e honestidade, caminhos menos danosos. Não será fácil.
Trump e os atuais republicanos são uma máquina de horrores sem máscara, enquanto que os democratas são a mesma máquina de horrores mas com maquiagem e trejeitos de bons mocinhos. Engana-se (e muito) quem acha que há lado bom e lado ruim no sistema político dos canibais do norte das Américas. Para nós, aqui na periferia do mundo, é tudo psicopata assassino e corrupto. Mas se tem algum tolinho aí escolhendo lado para lamber saco, vai se dar mal de um jeito ou de outro. Eles olham para TODOS nós no sul global como escória, e quem ainda não percebeu isso está precisando exercitar o cérebro.