Os clubes de bairro e o sentimento de pertencimento

Entre fases boas e ruins, o carinho local pelos times persiste

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Foto: Felipe Schmidt, Globo Esporte.com

Dizem que, no futebol, não há clássico maior do que o jogo entre dois times do mesmo bairro. Esse sentimento se dá por conta da proximidade que as pessoas têm com clubes de bairro, vizinhos de suas vidas desde sempre. Contudo, nem sempre a situação dessas agremiações é boa. Como acontece em alguns casos emblemáticos no Rio de Janeiro.

A ideia de clube de bairro é autoexplicativa no nome. São agremiações localizadas em determinadas regiões e que, muitas vezes, levam a alcunha das mesmas. O batismo é o abraço da população local. Na Argentina e na Inglaterra, mais precisamente em Buenos Aires e Londres, o conceito de clube de bairro é enorme.

A cidade de Londres abriga dezenas de times. É a maior concentração de clubes de bairro do mundo. Segundo o site Mapa de Londres, ao todo, há mais de 60 clubes londrinos. “Os moradores da capital que não torcem para os times de Londres, preferindo a dupla mais vitoriosa do norte da Inglaterra (Liverpool e Manchester United), costumam sofrer uma espécie de rejeição por parte dos outros londrinos. Cunhou-se até uma expressão pejorativa para diferenciá-los: são conhecidos como glory hunters, ou caçadores de glórias, por darem mais valor aos títulos do que às raízes locais”, informa a página.

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Na capital Argentina, de acordo com levantamento do Verminosos por Futebol, em um universo de 29 clubes (entre os que têm sede na cidade e os que jogam fora) pra uma cidade de quase 3 milhões de habitantes, há uma média de um time para cada 103 mil pessoas. Para efeito de comparação, São Paulo, com seus pouco mais de 11 milhões de moradores, divide entre si apenas seis clubes profissionais, o que dá uma média de um clube para cada quase 2 milhões de paulistanos.

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Clubes e estadios de Buenos Aires 1 1 1 Os clubes de bairro e o sentimento de pertencimento
Foto: Reprodução Verminosos por Futebol

Na cidade do Rio de Janeiro são 12 clubes de futebol profissional: América, Bangu, Bonsucesso, Botafogo, Campo Grande Atlético Clube, Flamengo, Fluminense, Madureira, Olaria, Portuguesa, São Cristóvão e Vasco da Gama.

Todos os citados acima já foram (alguns ainda são) clubes de bairro na concepção profunda do termo. Dos que mantêm essa certificação apenas três participaram da primeira divisão da última edição do Campeonato Carioca: Bangu, Madureira e Portuguesa da Ilha do Governador. Isso concordando que os quatro grandes do Rio e o America (em dado momento) se tornaram clubes nacionais ou até mesmo internacionais. A situação dos outros, de fato, clubes de bairro da lista carioca não é nada fácil no momento.

O jornal O Dia publicou no início deste mês que o Olaria deve, aproximadamente, R$ 100 mil reais à Ligth. Na mesma reportagem, o Bonsucesso é citado em um débito de mais de R$ 224 mil com a Cedae. Ambos fecharam suas sedes sociais nos últimos meses, por conta da pandemia causada pelo Coronavírus e só reabriram neste mês. Há alguns anos, o Olaria chegou a tentar vender seu estádio para pagar dívidas. Neste ano, o Bonsucesso transformou o hall de entrada do clube em um estacionamento para tentar arrecadar algum dinheiro neste período de crise.

“É muito triste assistir a depreciação dos subúrbios sendo refletida nos clubes e agremiações de nossos bairros. O impacto é direto não só na autoestima, como também na identidade e na memória do local, que vão perdendo vida cada vez que os clubes vão encontrando a falência”, opina o historiador Vitor Almeida, pré-canidato a vereador da cidade do Rio e criador da página Suburbano da Depressão.

O São Cristóvão, campeão carioca de 1926, teve que tombar sua sede para que ela não fosse vendida. O estádio, recentemente, foi usado para treinos do time principal do Vasco.

Estádio Figueira de Melo Os clubes de bairro e o sentimento de pertencimento
Atual estádio Estádio Ronaldo Luis Nazário de Lima. Antigo Figueira de Mello. Casa do São Cristóvão

O Campo Grande, cujo campo já possuiu capacidade para mais de 22 mil pessoas e foi palco de muitos jogos da história do futebol do Rio de Janeiro, não joga a Série A do Carioca desde 1995.

Ítalo del Cima 1 Os clubes de bairro e o sentimento de pertencimento
Estádio ítalo Del Cima, do Campo Grande

“A gente passa aqui, fica olhando para esse estádio e lembra da época boa do time. O pessoal mais novo nem sabe disso. Era muito bom ver o time aqui da área jogando contra os grandes de todo o Brasil. Acho que se voltasse àquela fase, o pessoal aqui abraçaria o time como era naquele tempo. Todo mundo tinha orgulho, meio que se sentia próximo dos jogadores”, conta Hélio, de 70 anos, morador de Campo Grande.

Para Bangu e Madureira, equipes constantes na primeira divisão do futebol carioca, é mais fácil manter os sentimentos de pertencimento e orgulho do bairro vivos. Parte da torcida do clube da Zona Oeste ainda segue o ritual de pegar o trem e ir para o Maracanã, cantando feliz.

Com o Madureira, campeão da Taça Rio de 2006 e 2015, não é diferente. “Aqui no bairro, a maioria das pessoas simpatiza com o time. Mesmo quem torce para algum dos grandes, tem o Madureira como segundo time e quando o time está bem, todo mundo vibra, torcendo para ganhar algum título”, destaca o jornalista Alexandre Lopes, morador e torcedor do Tricolor Suburbano.

Considerado o maior clube de bairro do mundo, o Lanús, da Argentina, região metropolitana de Buenos Aires, foi vice-campeão da Taça Libertadores da América em 2017. Além de ter levantado as taças da Sul-Americana em 2013 e da Conmebol em 1996. Fora os dois Campeonatos Argentinos erguidos por eles.

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Foto: AFP

A última vez que um time de bairro venceu o Campeonato Carioca foi em 1966, com o Bangu, vice-campeão brasileiro em 1985. A derradeira conquista nacional de uma equipe regional da cidade do Rio foi a Série B do Brasileirão de 1982, vencida pelo Campo Grande. Será que veremos isso outra vez?

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“A formação de uma agremiação de bairro mostra a potência de interação social local e o quanto ele é vivo. Isso está diretamente ligado à valorização local, principalmente por parte dos poderes públicos. É importante que esses movimentos sejam notados pela administração pública e iniciativas privadas, pois traz vida aos bairros; consequentemente, aquece a economia e a autoestima. Isso é democratizar a cidade”, finaliza Vitor Almeida.

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3 COMENTÁRIOS

  1. Ótima reportagem! Só esqueceram de citar Ceres e Rio São Paulo, também clubes profissionais, que embora menos conhecidos, possuem suas sedes sociais enraizadas em seus bairros (Bangu e Campinho, respectivamente).

      • Eu não consideraria a maioria destes clubes como “clubes de bairro”, pois eles não possuem uma sede social ou praça de esportes, nem sequer um endereço confiável. Talvez só o 7 de Abril, que possui um campo no sub-bairro de mesmo nome. Mas concordo que eles devam ser relacionados como equipes de futebol da cidade do Rio de Janeiro, que aliás, é a cidade do Brasil com o maior número delas.

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