Pode um Controlador Geral sem registro de contador?

Antônio Sá diz: Fala sério, senhor Prefeito Eduardo Paes. Controlador-Geral sem registro no CRC atende às necessidades do sistema de controle interno?

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No Diário da Câmara do Município do dia 10 de dezembro, foi publicada uma proposta que causa espanto a quem milita na área de Controle das Contas Públicas. Trata-se do Projeto de Lei (PL) nº 3692, de 2024. Veja-o no sítio abaixo:

https://drive.google.com/file/d/1w6rNhup23O1vcVWREcyeK17tvABjqMyo/view?usp=drivesdk

Esse PL, de autoria do Prefeito Eduardo Paes, propõe retirar a exigência de registro no Conselho Regional de Contabilidade (CRC) para o cargo de Controlador-Geral do Município do Rio de Janeiro. Em outras palavras, o Prefeito deseja eliminar o requisito de que o Controlador-Geral seja um contador devidamente habilitado.

Se o Prefeito quiser fazer isso por motivos pessoais, ele deveria, no mínimo, em respeito aos Vereadores, aos cidadãos e à competente classe contábil carioca, apresentar uma justificativa plausível para tal proposta.

Na mensagem que encaminha o PL, só temos a vaga e curta informação de que a lei atual “contém dispositivo a ser atualizado para atender às necessidades do sistema de controle interno”. E ponto.

Que necessidade é essa, “cara pálida”? Desculpe-me, senhor Prefeito, mas essa justificativa, que não diz nada, é um total desrespeito e uma afronta à lógica, à bonita história de nossa Controladoria-Geral e à classe contábil.

A Controladoria-Geral do Município (CGM) do Rio de Janeiro não é apenas mais uma secretaria ou órgão público. Criada pela Lei nº 2.068, de 1993, durante o mandato do então Prefeito César Maia, foi a primeira controladoria pública do Brasil. Inspirada nos moldes da Constituição de 1988, tornou-se referência para o restante do país. Seu primeiro Controlador-Geral, o saudoso e querido professor Doutor Lino Martins da Silva, deixou um legado ímpar para o controle interno, que privilegia a economicidade e a transparência na administração pública.

Doutor Lino, como respeitosa e carinhosamente era chamado, foi um renomado contador, professor de Contabilidade Pública e escritor, que exerceu o cargo com dedicação e competência. Sua visão de controle interno ultrapassava a mera formalidade legal, própria dos formados em Direito, priorizando a eficiência e a responsabilidade no uso dos recursos públicos. Ele acreditava no papel fundamental dos contadores no zelo pela administração pública. Hoje, a proposta do Prefeito Paes desonraria, salvo melhor juízo, esse legado.

Pelo menos, o senhor Prefeito pretende fazer essa mudança via lei e não via decreto. Como tenho escrito em diversos artigos neste Diário do Rio, o Prefeito é useiro e vezeiro, com as inacreditáveis omissões da Câmara Municipal do Rio de Janeiro (CMRJ), do Tribunal de Contas do Município e até do Ministério Público do Rio de Janeiro, em criar e extinguir, inconstitucionalmente, por decreto e não por lei, secretarias municipais.

Provavelmente, em 1º de janeiro do ano que vem, teremos um decreto criando e extinguindo secretarias, para ele usar a estrutura da Prefeitura, que é custeada pelos cidadãos cariocas e não pelo bolso dele, para cumprir seus acordos políticos visando a sua reeleição.

O projeto em questão tramitará em regime de urgência, uma prática corriqueira, mas questionável, utilizada pelo Prefeito para aprovar propostas sem muito debate público.

Tendo em vista as informações da mídia profissional, o objetivo do Prefeito parece claro: nomear, para o importante cargo de Controlador-Geral do Município, uma pessoa de sua inteira confiança. Uma funcionária municipal, Agente de Fazenda, cargo de nível médio, que atualmente exerce o cargo de Subsecretária de Gestão da Casa Civil. Como ela é formada em Direito e não em Contabilidade, não possuindo, portanto, registro no CRC, o senhor Prefeito precisa que a CMRJ aprove logo esse PL.

Destaco que a crítica que faço neste artigo não se dirige à pessoa daquela funcionária, que é uma profissional competente, como confirmei quando estava na ativa.

Minha crítica é ao desrespeito do senhor Prefeito ao encaminhar uma justificativa para esse PL que não explica nada.

Ora, senhor Prefeito, pelo menos uma vez, diga a verdade. Diga seu real motivo para a apresentação desse PL ou esclareça quais são “as necessidades do sistema de controle interno” que precisam ser atendidas.

Além disso, na minha modesta opinião de servidor público, Eduardo Paes, com esse PL, despreza os competentes Contadores concursados da Prefeitura, vários dos quais já exerceram a função de Controlador-Geral com excelência no passado.

Essa tentativa de flexibilizar os requisitos para o cargo é um duro golpe na história da CGM e no reconhecimento da classe contábil. Afinal, qual seria a “necessidade do sistema de controle interno” que justifica retirar a exigência de registro no CRC ? A “justificativa” apresentada pelo Prefeito não explica absolutamente nada e soa como uma cortina de fumaça para encobrir interesses pessoais.

Além disso, fica a pergunta: qual será a posição do ex-Prefeito César Maia, hoje vereador e aliado de Eduardo Paes, sobre esse ataque à lei que ele próprio apresentou e sancionou ? Maia, que outrora destacou a importância de um Controlador-Geral com formação específica, aceitará agora essa mudança ?

Cabe também destacar também o impacto negativo que esse projeto tem para a classe contábil. Qual será a posição do Conselho Regional de Contabilidade do Rio de Janeiro (CRC-RJ) ?

Será que esse respeitável órgão da classe contábil, que sempre defendeu a qualificação dos profissionais contábeis, vai se posicionar sobre essa tentativa de enfraquecer a CGM e de desvalorizar os contadores ?

Qual será a posição sobre esse PL por parte das associações dos servidores Contadores, Técnicos de Controle Interno, Técnicos de Contabilidade e Auxiliares de Controladoria ?

Vale lembrar: a CGM do Rio de Janeiro não é apenas histórica, mas estratégica para a fiscalização do uso dos recursos públicos. Flexibilizar os critérios para o cargo de Controlador-Geral é abrir margem para o enfraquecimento do controle interno, justamente quando o Município mais precisa de transparência e responsabilidade.

Desprestigiar os contadores é desprestigiar o próprio controle interno e, em última análise, o contribuinte carioca.

Vale também lembrar que, com esse PL, teremos um Controlador-Geral que não poderá assinar relatórios de auditoria, assinar balanço e demonstrativos da Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF. Como solucionar essa questão?

Vai assinar as Contas do Prefeito, que incluem auditorias e demonstrativos contábeis e financeiros sem ser Contador ?

Isso equivale a nomear um Contador como Procurador-Geral do Município.

Por fim, tendo em vista a muito comentada subserviência da CMRJ ao Prefeito, destaco que esse PL deverá ser aprovado rapidamente, sem que o senhor Prefeito explique o que ele quis dizer com a seguinte expressão: “as necessidades do sistema de controle interno” que precisam ser atendidas.

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6 COMENTÁRIOS

  1. Parabéns pela matéria e sensatez dos argumentos. Estamos vivendo um mundo “novo”. A inteligência fiscal indesejada por políticos gananciosos e eleitoreiros. Diretamente poder central autorizam Estados e Municípios a se endividar em via títulos de securitização e a população nem se quer foi avisada! O CFC e CRCs carentes de debates sobre o assunto. Agora, vem o alcaide pisotear o pouco de governança que a cidade do Rio de Janeiro conquistou as duras penas, na contra mão dos gastos melhor divulgados, das receitas bem apuradas e do patrimônio líquido da Cidade. Logo nesse momento que precisamos tanto da acontabilty os interesses políticos para não demostrar os grandes investimentos e/ou endividamentos, atacam frontalmente a Contabilidade. O Brasil realmente não é para amadores, e sim armadores!!!

    • Obrigado, Evaristo. Que bom saber que o artigo foi de seu agrado. Perfeitas suas observações. Parabéns. Sim, o interesse político eleitoreiro de se utilizar as Secretarias municipais para os interesses pessoais do Prefeito e não para a defesa dos interesses dos cidadãos já virou rotina na Prefeitura do Rio. Ainda mais com o domínio que o prefeito tem junto à CMRJ e ao TCM. Infelizmente, esse quadro não vai mudar tão cedo. Sim, estamos sendo governados por armadores e não por estadistas. Um abraço. Antônio Sá

  2. O articulista está no século 18. Eu sou Auditor de Estado, concursado, e minha especialidade é Ciências Jurídicas. Quem pensa no controle interno somente como controle contábil está sendo só corporativista.

  3. Excelente artigo.

    Isso indica o nível de “accountability” ou prestação de contas e “compliance” ou conformidade com normas legais que a PMRJ deseja para a coisa publica. Espacialmente SE comparada com o mercado e outros entes públicos. Coaduna com o lançamento de teasers de mídia de projetos que vão alterar o urbanismo da cidade a um custo exorbitante. Já temos comprometimentos desde Pan07, Copa14 e Rio16 por conta de concessões feitas para a Vila olímpica (Ilha Pura) e o Porto Maravilha. É um passivo desconhecido do público, que pode ser expandido em prazo recorde. E com uma controladoria sem contador o resultado é a “contabilidade relativa” que pode ser norma no próximo mandato, a revelia da classe de profissionais.

    A Prefeitura do Rio já contou com grandes quadros da Contabilidade, mas no ritmo atual a estética terá mais relevância do que a técnica.

    Puro devaneio.

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