Prefeitura do Rio desapropria hospital histórico em Cascadura

O Hospital Nossa Senhora das Dores, na Avenida Ernani Cardoso, sedia o programa ''Seguir em Frente'', servindo de moradia e casa de saúde para mais de 700 pessoas em estado de vulnerabilidade

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Fachada do Hospital Nossa Senhora das Dores, em Cascadura - Foto: Daniel Martins/Diário do Rio

A Prefeitura do Rio de Janeiro desapropriou o imóvel que abriga o Hospital Nossa Senhora das Dores, em Cascadura, Zona Norte da cidade. O decreto, número 55.702, foi publicado em Diário Oficial na última segunda-feira (10/02), assinado pelo chefe do Poder Executivo municipal, Eduardo Paes.

O Hospital Nossa Senhora das Dores ocupa o número 21 da Avenida Ernani Cardoso, uma das mais movimentadas de Cascadura. O imóvel em questão é considerado uma joia arquitetônica não só do próprio bairro, mas do Subúrbio carioca como um todo.

Trata-se de um grande edifício com frente para a avenida em questão, com uma entrada que dá acesso a uma colina onde se encontra o prédio do século XIX e o grande complexo hospitalar com pavilhões em formato circular, além da bonita Igreja de Nossa Senhora das Dores.

No grande complexo, avaliado em mais de R$ 26 milhões, de acordo com corretores consultados pelo DIÁRIO DO RIO, funcionam hoje uma casa de repouso com idosos de mais de 80 anos de idade, gerida pela Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, e o bem-sucedido programa ”Seguir em Frente”, uma das principais bandeiras da saúde e assistência social na Prefeitura de Eduardo Paes.

No local, atualmente, residem, além dos idosos, 700 pessoas em situação de vulnerabilidade, que recebem cuidados multidisciplinares para conseguirem sair definitivamente das ruas.

O projeto, gerido pelo secretário de Saúde do Rio, Daniel Soranz, é um plano de ação e monitoramento para efetivação das medidas de proteção à população em situação de rua na cidade. O planejamento estabelece diversas medidas de acolhimento, assistência social e saúde para o cuidado e diagnóstico desse grupo populacional mais vulnerável.

O objetivo é criar condições para a ressocialização, promovendo a reinserção no mercado de trabalho e resgatando a cidadania. Ele implantou um prontuário único de saúde e assistência social e gerou o Ponto de Apoio na Rua (PAR) Carioca, no Centro, que é integrado com o CAPSad III Dona Ivone Lara, que funciona dentro do complexo Nossa Senhora das Dores.

Soranz, inclusive, falou com exclusividade ao DIÁRIO DO RIO sobre a desapropriação: ”Este imóvel, com toda sua importância histórica inegável, está em processo de tombamento. Mas, para além disso, não se pode admitir que o Município possa perder um equipamento médico que salva tantas pessoas todos os meses. O serviço prestado no local é de primeira necessidade, e é onde a sociedade estende a mão às pessoas em situação de vulnerabilidade, tratando da saúde física e mental de quem mais precisa. O programa se provou um sucesso”, explica ele, que também é deputado federal.

O centro de acolhimento é um dos maiores do estado do RJ. Segundo apurou a reportagem junto a fontes do mercado imobiliário, haveria riscos de o imóvel ser vendido a uma construtora e perdido para sempre.

Vale ressaltar que um projeto de lei de tombamento, proposto pela vereadora Tainá de Paula (PT), corre na Câmara Municipal do Rio, mas encontra-se estagnado no momento, embora todos reconheçam a importância histórica do complexo hospitalar, que além de ter características arquitetônicas preservadas – algo considerado raro no Subúrbio – é um exemplar completamente íntegro de um hospital do início do século XX.

História

O Hospital de Cascadura – nome abreviado – pertence à Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, que, por sua vez, foi fundada em 1582 pelo padre – e santo – José de Anchieta.

Em 1884, João Maurício Wanderley, mais conhecido como Barão de Cotegipe, considerado um dos principais políticos conservadores do 2º reinado brasileiro, adquiriu uma chácara em Cascadura, na época tida como uma zona rural com sítios e propriedades para descanso. A velha mansão, que viria a se tornar o Hospital Nossa Senhora das Dores, foi depois adaptada e aparelhada para atender tuberculosos carentes.

Irmãs de caridade – Vicentinas, que atuavam também no Hospital Geral da rua Santa Luzia – foram trazidas para compor o quadro do hospital, junto com médicos e enfermeiros. O estabelecimento contava ainda com especialidades em cirurgia, ginecologia, obstetrícia, otorrinolaringologia, odontologia e hidroterapia. Os métodos de diagnóstico que surgiam eram prontamente introduzidos no nosocômio, como o raio-x e a abreugrafia, reduzindo drasticamente o índice de mortalidade.

De acordo com o Instituto Rio Antigo, ”nessa época, a tuberculose era a maior causadora de mortes do Rio de Janeiro, então capital do Império, e o Hospital Nossa Senhora das Dores foi o primeiro estabelecimento hospitalar do Brasil destinado exclusivamente a essa doença que tanto afligia a nossa população”.

Em 1910, com o sanitarista Oswaldo Cruz na supervisão, a Santa Casa de Misericórdia do Rio promoveu a ampliação do Hospital de Cascadura. Desde 1884, o local funcionava no antigo casarão da Chácara do Ferraz, sempre com capacidade máxima.

Quatro anos mais tarde, isto é, em 1914, um renovado hospital foi inaugurado e passou a ser destinado apenas a mulheres portadoras de tuberculose. A grande inauguração contou com a presença do então presidente Marechal Hermes, da primeira-dama Nair de Tefé e do Cardeal Arcoverde.

Programa ”Seguir em Frente”

No fim de 2023, a Prefeitura do Rio inaugurou, no complexo de oito prédios que abrange o Hospital de Cascadura, a Rua Sonho Meu (Residência e Unidade de Acolhimento). A inauguração integra o programa ”Seguir em Frente”, que tem como objetivo atender, de diversas formas, as pessoas em situação de rua da cidade.

Foi a primeira unidade de acolhimento da Secretaria Municipal de Saúde neste molde e conta com dormitórios, banheiros, lavanderia, armários com cadeados e refeitório. E ainda é a maior delas, e a cujos resultados são mais significativos, segundo depoimento de uma das assistentes sociais que atua no programa.

”O local é um centro médico com equipes multiprofissionais e oferece atividades físicas, de lazer e culturais, programas de capacitação ocupacional e geração de trabalho e renda. Tem áreas abertas de convivência, sala de informática, serviço para emissão de documentos. Os abrigados recebem kits de higiene e vestuário e poderão ter apoio para inclusão em programas de educação para adultos. O complexo terá horta comunitária, onde os próprios abrigados poderão trabalhar e receber um pagamento proporcional pelas horas de execução das atividades. Eles também poderão executar outros serviços de interesse público, recebendo remuneração para isso”, informou a Prefeitura na ocasião.

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5 COMENTÁRIOS

  1. Linda postagem do jornalista., enriquecedora e ao mesmo tempo triste ao saber da desapropriação de local que favorece ao menos favorecidoe que deveria ser tombado.

  2. Por não conhecermos a importância histórica e atual do Hospital Nossa Senhora das Dores, onde idosos e pessoas em situação de vulnerabilidade encontram assistência é que esse oportunista, Sr. Eduardo Paes, quer vendê-lo para uma construtora.

  3. O que esse prefeito tem na cabeça, ano passado/retratado “PONHOU” abaixo o Hospital da Universidade Gama Filho, um hospital inteiro que, ele podia ter remodelado para servir à população do entorno e fora dele. Agora desapropria um prédio onde funcionava outro hospital e, pior com a manutenção de centros de acolhimentos e cuidados com pessoas em situação de risco das ruas. Alguém tem que parar esse espírito traiçoeiro Re-encarnado nele, o PP. Muito doida essa resolução. @danielsoranz faça alguma coisa, esse pedaço é seu!!!! Não deixe!!!!!

  4. PARABÉNS AO JORNALISTA RAPHAEL FERNANDES PELA EXCELENTE MATÉRIA. COM CERTEZA QUEM PASSA PELA ERNANI CARDOSO E VÊ AQUELA BELA FACHADA, NÃO TEM CONHECIMENTO DO SEU HISTÓRICO E MUITO MENOS SABE DE TÃO IMPORTANTE TRABALHO SOCIAL SE REALIZA EM SUAS DEPENDÊNCIAS. ME INCLUO.

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