Se há algo que todos já sabem é que o Rio de Janeiro é um cenário cinematográfico por excelência. Desde a década de 60, a cidade tem sido o palco de inúmeras produções, especialmente nas telenovelas que encantam o Brasil. Para as maiores emissoras de televisão do país, escolher o Rio como locação é mais do que uma conveniência; é um privilégio. A geografia deslumbrante e as belezas naturais da cidade tornam qualquer produção ainda mais atraente.
Além disso, o sotaque carioca, frequentemente usado como uma linguagem neutra, é um dos símbolos da autenticidade dos personagens. No entanto, o que realmente distingue algumas produções é a forma como elas integram o Rio de Janeiro na trama, transformando a cidade em um verdadeiro personagem, rivalizando até mesmo com os protagonistas.
Em uma pesquisa realizada pelo DIÁRIO DO RIO, mais de 150 novelas da TV Globo tiveram o Rio como cenário principal. Enquanto muitas dessas histórias se concentram nos icônicos bairros da Zona Sul, alguns autores ousaram levar as tramas além, “pegando o trem da Central” e explorando os subúrbios da cidade. Essa abordagem trouxe uma nova perspectiva, revelando uma realidade carioca que, muitas vezes, estava “escondida” dos olhos dos telespectadores.
Por isso, o DIÁRIO DO RIO fez a seleção das novelas de sucesso que tiveram o Rio de Janeiro como “protagonista” de suas tramas:
Lado a Lado (2012)
Passada no Rio de Janeiro do início do século XX, a novela é amplamente considerada uma das melhores tramas já exibidas na televisão brasileira. Vencedora do Emmy Internacional em 2013, a produção escrita por João Ximenes Braga e Claudia Lage superou a então favorita “Avenida Brasil”.
Com um elenco estrelado por Marjorie Estiano e Camila Pitanga, a novela das seis apresentou um retrato vívido das duas realidades da cidade durante uma das épocas mais turbulentas da sua história política e urbana. Ambientada no Centro do Rio, a trama explorou as mudanças urbanísticas propostas na antiga capital do Brasil durante o mandato do presidente Rodrigues Alves e do prefeito Pereira Passos, entre 1902 e 1906. O contexto fornece uma base essencial para entender a “fuga” forçada de muitos cariocas da Região Central do Rio.
O processo de favelização do Morro da Providência, considerado a primeira favela do Brasil, foi lindamente integrado à narrativa, assim como outros eventos históricos marcantes da época, como o surgimento do samba, a censura dos primeiros terreiros afro-brasileiros, a criminalização da capoeira, o início das partidas de futebol pela elite carioca, a Revolta da Vacina e da Chibata, e a chegada da iluminação pública no município.
Locais icônicos como a Confeitaria Colombo e o Cortiço Cabeça de Porco foram recriados com precisão, assim como bairros da elite carioca, como Botafogo e Cosme Velho. Nos Estúdios Globo foi projetada uma “sucursal” da Rua do Ouvidor, onde boa parte das cenas eram gravadas. A abertura encantava o público com o famoso samba da Imperatriz Leopoldinense de 1989, “Liberdade, Liberdade, Abre as Asas sobre Nós!”. A novela fez enorme sucesso na época na cidade, frequentemente ultrapassando os 30 pontos de audiência aqui no Rio.
Avenida Brasil (2012)
Ambientada no subúrbio do Rio de Janeiro, “Avenida Brasil” é considerada um dos maiores fenômenos da televisão brasileira e soube capturar perfeitamente a essência carioca. A novela criou um bairro fictício que espelhava na Zona Norte da cidade, muitas vezes negligenciados em outras produções. A trama foi protagonizada por Débora Falabella, Adriana Esteves e Murilo Benício.
O Divino foi inspirado por bairros suburbanos reais como Madureira, Quintino e Méier. Cada detalhe foi cuidadosamente recriado, desde o calçadão e as lojas até os botequins e as casas antigas com seus quintais típicos. Locais sagrados para os moradores dos subúrbios, como os estádios de futebol e clubes locais, foram minuciosamente representados, incluindo o fictício Divino Futebol Clube. A abertura da novela foi inspirada nas coreografias do Baile Charme, patrimônio cultural de Madureira.
Com roteiro de João Emanuel Carneiro e direção de Ricardo Waddington, Amora Mautner e José Luiz Villamarim, a novela foi um sucesso de audiência, especialmente no Rio de Janeiro, onde seus números chegaram perto dos 70 pontos no último capítulo.
Laços de Família (2000)
Lembrada com saudosismo, especialmente pelos admiradores das obras de Manoel Carlos, “Laços de Família” teve o bairro do Leblon, na Zona Sul, como cenário principal e endereço das suas icônicas protagonistas, todas chamadas Helena. O autor retratou com maestria a essência do bairro, desde a música escolhida, sempre bossa nova, até os prédios dos personagens, que eram edifícios emblemáticos da região, e os estabelecimentos onde as cenas eram gravadas. A novela é um exemplo clássico de produção para se sentar, assistir e relaxar.
É inegável que a fama do Leblon foi amplamente impulsionada pelo sucesso de “Laços de Família”, o que, por sua vez, contribuiu para a valorização dos imóveis e estimulou a especulação imobiliária na área. O Leblon foi um dos últimos bairros da cidade a passar por uma renovação construtiva, muito desse impulso se deve à vitrine que a novela proporcionou.
O autor mencionou em uma entrevista a Pedro Bial que “as pessoas se incorporaram à ficção, batiam na porta como em ‘Laços de Família’ para saber se havia apartamento à venda, querendo morar no apartamento da Helena.” O apartamento em questão é a cobertura do Edifício Simoger, localizado na Rua Aristides Espínola. Atualmente, o imóvel está à venda por R$ 11 milhões. Na trama, ele servia como endereço da Helena interpretada por Vera Fischer.
Até hoje, a fama de “Helena do Leblon” é lembrada com carinho e bom humor pelos cariocas. Ela é associada a uma imagem de elegância e sofisticação, retratando alguém com dinheiro que sabe viver a vida de maneira leve e sofisticada. “Ainda vou ter uma vida de Helena!”
Boogie Oogie (2014)
Apesar de não ter alcançado grandes índices de audiência, a novela Boogie Oogie, ambientada no Rio de Janeiro do final da década de 70, ofereceu uma verdadeira viagem no tempo para muitos dos seus espectadores. Exibida no horário das 18h, a trama abordou temas em alta na época, como a febre das discotecas no Rio, o início da urbanização da Barra da Tijuca, a efervescência do surfe em Ipanema, a vida noturna das boates cariocas, a chegada da culinária japonesa à cidade e a especulação imobiliária que fez com que grandes estabelecimentos tradicionais da Zona Sul fechassem as portas.
A novela, protagonizada por Isis Valverde e Marco Pigossi, teve boa parte de sua história ambientada em Copacabana, recriada nos Estúdios Globo. Além disso, algumas cenas foram gravadas em uma mansão dos anos 60 no Alto da Boa Vista, um reduto da alta sociedade na época. Entre os momentos retratados estavam a chuva de papéis picados no Centro do Rio, as primeiras manifestações dos cultos afro no Réveillon de Copacabana e o trágico incêndio da Boate Vogue. O bairro de Marechal Hermes também foi escolhido para boa parte das gravações, onde ruas do bairro que ainda estão intactas ao tempo, retratavam a cidade em 1978.
Para intensificar a imersão dos espectadores, a equipe da novela incorporou vídeos reais da cidade na década de 70 e uma trilha sonora cuidadosamente selecionada.
Salve Jorge (2012)
Escrita pela fera Glória Perez, Salve Jorge foi um grande sucesso durante sua exibição. Ambientada em uma das maiores favelas do Rio de Janeiro, o Complexo do Alemão, a novela foi pioneira ao ter uma comunidade como cenário principal. Protagonizada por Nanda Costa, a trama abordava temas como o tráfico de pessoas e desempenhou um papel crucial ao expor e desmantelar várias quadrilhas envolvidas nesse crime, até então pouco conhecido por grande parte da população.
Com o nome inspirado no padroeiro do subúrbio carioca, São Jorge, a novela fazia alusão às diversas batalhas que a sociedade enfrenta diariamente. A ocupação do Morro do Alemão foi retratada nas cenas iniciais da novela, utilizando a icônica imagem da fuga de traficantes que foi amplamente coberta pelos telejornais locais do Rio. Uma “mini favela” foi construída nos estúdios da TV Globo, em Jacarepaguá, para as gravações.
Glória Perez se inspirou no próprio morro para criar seus personagens e incluiu figuras icônicas do Complexo na trama. Um exemplo memorável é Adriana da Empadinha, uma vendedora popular na Penha, que encantou tanto seus clientes quanto a autora com seus quitutes e seu jeito único de vender, cantando paródias de funk. Além disso, os personagens foram elaborados para capturar a verdadeira energia do carioca, trazendo uma representação autêntica e vibrante da vida na comunidade.
Fina Estampa (2011)
Escrita por Aguinaldo Silva, a novela Fina Estampa se destacou como uma das mais cômicas e bem-humoradas da faixa das 21h. Ambientada na “Miami Brasileira”, a Barra da Tijuca, a trama fez uso do cenário para refletir as características e conflitos sociais dos personagens. A novela abordava a diferença de classes de maneira marcante, destacando a vida extravagante e superficial de Tereza Cristina, uma típica “perua barrense” que personificava o estereótipo popular dos moradores do bairro.
Tereza Cristina era retratada como uma mulher soberba, sem classe e elegância, onde o dinheiro muitas vezes falava mais alto do que o capital cultural. Ela vivia em uma mansão luxuosa em um dos condomínios de alto padrão da Barra. Em contraste, a vida simples e despretensiosa de Griselda, uma moradora de uma colônia de pescadores na Praia do Pepê, era amplamente explorada. A trama dividia o bairro em dois núcleos distintos: os “ricos” moradores dos condomínios e os “naturalistas”, ligados à natureza e ao mar.
Grande parte das gravações ocorreu entre a Praia do Pepê e o Quebra-Mar, e a casa de Griselda, localizada próxima à Praia dos Amores, tornou-se um ponto turístico popular durante a exibição da novela. Fina Estampa foi um grande sucesso de audiência, em parte por sua trama leve e divertida, sem grandes debates sociais ou ativismos, conquistando o gosto de muitos telespectadores.
Paraíso Tropical (2007)
A novela se desenrolava nas ruas de Copacabana, na Zona Sul do Rio de Janeiro, e trouxe à tona uma realidade muitas vezes escondida da Praia de Copacabana. Embora o bairro seja amplamente conhecido como uma vitrine do Brasil no exterior, com suas famosas praias e status icônico, também é um reduto de prostituição de luxo na cidade. Essa faceta menos visível da vida carioca foi retratada com sensibilidade na trama, revelando a dualidade de Copacabana — seu glamour e as realidades sombrias que coexistem na “Princesinha do Mar”.
A trama girava em torno das irmãs gêmeas Paula e Taís, interpretadas por Alessandra Negrini, que viviam vidas completamente diferentes e não se conheciam. Enquanto uma residia no Rio de Janeiro, a outra vivia na Bahia. O encontro das irmãs acontece quando Paula viaja ao Rio em busca de Daniel, interpretado por Fábio Assunção. Daniel é alvo da inveja de Olavo, vivido por Wagner Moura, devido ao seu prestígio com o presidente da empresa onde trabalhavam, o empresário Antenor Cavalcante, interpretado por Tony Ramos.
Outro destaque da novela foi Bebel, interpretada por Camila Pitanga. Ela era uma prostituta baiana que trabalhava no calçadão de Copacabana e vivia um romance intenso e tumultuado com Olavo.
Exibida em 2007, a novela foi escrita por Gilberto Braga e Ricardo Linhares, com direção de Dennis Carvalho e José Luiz Villamarim.
protagonista secundário não existe