Revivendo a Arte Colonial no Rio de Janeiro: a primeira que veio do povo

Em tempo de “decolonização”, o museólogo Rafael Azevedo fala da importância desta arte para a formação da arte Brasileira, e da necessidade de buscarmos o que está desaparecido num Estado que bateu recorde de bens recuperados em 2024

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Objeto de prata da Igreja Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores recuperarado

Recentemente, uma amiga e renomada professora ao me encontrar perguntou se o termo “barroco mineiro” voltou a circular nas academias e conversas entre curiosos e os ditos “experts” das artes. Ao que respondi: “Professora, na boca miúda, ele nunca saiu de moda.

Ela concluiu: “Ahhhh, barroco mineiro! Que não é barroco, nem mineiro.

Rimos brevemente e mudamos de assunto.

De fato, há um estado de mistificação, imprecisão e conceitos congelados no tempo quando falamos da Arte Colonial Brasileira. Em parte, isso se deve ao imperativo da busca pelo eminentemente nacional, iniciado pelos modernistas há cerca de cem anos e materializado na consagração do “gênio” dos grandes expoentes da arte seiscentista e setecentista. Não faltam mitos e estórias (algumas documentadas) sobre a vida dos mestres Antônio Francisco Lisboa – o Aleijdadinho (1738-1814), Valentim da Fonseca e Silva – Mestre Valentim (1745-1813) e Francisco Manoel das Chagas – o Cabra (17??-17??), só para fixarmos em três exemplos entre tantos outros. Há até o debate se alguns artífices foram realmente uma pessoa ou – como nas guildas medievais – uma oficina, regulada pelo estatuto das bandeiras de ofício em vigor nos tempos da Colônia. Na sua maioria, entretanto, a realidade do artista colonial brasileiro era basicamente viver no anonimato, geralmente marginalizado (muitos eram mestiços) e com escassos recursos materiais.

O termo “colonial” por sua vez, tem recebido outro tipo de abordagem. Em tempos de necessária ressignificação de marcos históricos e civilizatórios, de valorização da memória e cultura dos povos tradicionais e das minorias sociais, parece que falar de maneirismo, barroco e rococó – civil ou religioso – está ficando, por assimetria, cada vez mais fora da ordem do dia. Há de se destacar, porém, que essa mesma arte produzida na Colônia foi um dos primeiros fenômenos culturais a incluir e valorizar os artistas que vinham do povo.

A anomia da Arte Colonial não é mera sensação sem prognóstico: há um déficit cada vez maior de pesquisas sobre tais temas nas universidades – onde a teoria está apartada do estudo do objeto – e poucos são os técnicos especialistas no assunto ainda atuantes nos órgãos de patrimônio, como no Iphan, onde trabalho há quase vinte anos.

Esse esvaziamento, além de concorrer para a mistificação e disseminação de informações inprecisas, obras falsificadas ou cuja procedência é equivocada, tem dificultado o dever público e da sociedade civil de esmerar, salvaguardar e concorrer para a fruição do patrimônio cultural brasileiro, cuja maior fatia – na ordem de grandeza dos milhões – corresponde a acervos coloniais tombados. Além disso, acaba por favorecer o tráfico dos bens culturais, tendo em vista que esses objetos são frutos de grande interesse e valorização pelo mercado das artes, mesmo com a restrição de circulação e saída do país imposta a muitas dessas peças.

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Ainda há tempo de recuperar ao menos parte do que foi perdido. O Rio de Janeiro, por exemplo, foi o Estado com maior número de bens procurados identificados e restituídos em 2024 – com destaque para os objetos em prata devolvidos para as igrejas da Lapa dos Mercadores e da Ordem Terceira do Carmo, entre outros. Tal conquista só foi possível devido ao interesse genuíno em proteger o patrimônio colonial manifestado pelo Iphan, Polícia Federal, Arquidiocese do Rio de Janeiro e por mantenedores de acervos, como o Comissário Administrativo da Irmandade de Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores – Claudio André de Castro.

Hoje, a tecnologia auxilia na busca dos bens procurados e também na salvaguarda dos remanescentes. A maioria dos leilões é feita on-line em portais como leilões.br e iarremate, possibilitando o escrutínio público (por lei, todos esses certames devem ser informados ao Iphan). Contudo, sabemos que só se ama o que se conhece, e, se não se ensina, não se conhece.

Esperamos, portanto, que essas boas novas estimulem as academias e os estudantes nas áreas da cultura, memória e patrimônio a desenvolverem novas pesquisas e projetos de salvaguarda das nossas coleções coloniais. Muitas delas ligadas às origens de diversas comunidades e territórios populares de todo o Brasil. Como vimos atrás, temas, objetos, ferramentas tecnológicas e fontes de pesquisa não faltam.

É tempo de Arte Colonial Brasileira.

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