Nas últimas semanas, o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), formalizou um pedido ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para que a cidade seja reconhecida como capital honorária do Brasil e cidade federal.
Conforme noticiado pelo jornal O Globo, o intuito da proposta é conferir um status simbólico ao Rio, reforçando sua posição como representante do Brasil no exterior. Isso se reflete na constante escolha da cidade para sediar grandes eventos, tanto nacionais quanto internacionais. Exemplos disso incluem os Jogos Pan-Americanos (2007), a Jornada Mundial da Juventude (2013), os Jogos Mundiais Militares (2011), a final da Copa do Mundo Masculina (2014), os Jogos Olímpicos (2016), a final da Copa do Mundo Feminina (2027), o encontro do G20 (2024), a cúpula do Brics (2025) e a candidatura para uma nova edição dos Jogos Pan-Americanos (2031), entre outros.
Paes sugere que o decreto seja assinado em julho, aproveitando a realização da cúpula do Brics, que ocorrerá no Rio, provavelmente no Palácio Gustavo Capanema. A restauração do edifício está prevista para ser concluída pelo Iphan/MinC no primeiro semestre de 2025.
Apesar de muitos críticos zombarem da ideia, tratando-a como uma “ação lacrimosa do Rio-Capital”, é necessário ter cautela ao fazer julgamentos rasos e espúrios. Essas reações podem, além de refletirem um possível desconhecimento histórico, esconderem sentimentos de revanchismo provinciano ou o receio de que mudanças institucionais, que não pretendem mexer diretamente no orçamento – é bom deixar claro, possam afetar privilégios conquistados desde a transferência da capital em 1960.
Para iniciar nossa reflexão, vamos separar as coisas: independente de quem está na prefeitura – Eduardo Paes (com seus defensores e críticos) ou outro qualquer – esse pleito é de todo interesse para o Rio de Janeiro. A mudança de capital para Brasília é um fato consumado, não está em questão.
Porém, o Rio de Janeiro, por ter sido sede do país, conservou muitos entes federais. Além do mais, por tudo que o Rio de Janeiro representou e representa para o Brasil em vários campos – político, cultural, de beleza natural única – existe uma espécie de consciência coletiva – eu diria do mundo em geral – de que esta cidade é a capital do país.
Por fim, um outro dado: existem vários países no mundo que têm duas capitais, isso não é nenhuma invenção de brasileiro. Podemos citar como exemplo os Países Baixos (Amsterdã e Haia), África do Sul (Pretória, Cidade do Cabo e Bloemfontein) e Bolívia (Sucre e La Paz).
No que tange à já citada permanência de diversas representações federais no Rio de Janeiro, o modelo de gestão pública aqui adotado seguiu um caminho distinto, influenciado por fatores históricos, em comparação a estados como São Paulo. Enquanto este último estruturou uma robusta administração estadual, com instituições de ponta como a USP, a Unicamp e o Instituto Butantan, o Rio de Janeiro cresceu amparado por órgãos federais. Contudo, com a transferência da capital para Brasília, muitos desses equipamentos sofreram enfraquecimento devido ao deslocamento de recursos e da estrutura estatal, sem que houvesse uma compensação planejada. O impacto dessa redução da presença federal ainda hoje se faz sentir, agravando desafios da cidade. Inúmeras instituições, incluindo universidades, autarquias e institutos estratégicos, enfrentam dificuldades financeiras e esvaziamento, afetando diretamente áreas vitais como saúde, educação e cultura.
Essa questão carrega um paradoxo: apesar de ser um dos principais símbolos do Brasil no exterior, funcionando estrategicamente como uma espécie de porta voz e cartão postal do país, o Rio de Janeiro nem sempre recebe a devida atenção interna na parte administrativa. Esse fator– embora não tenha sido a única causa – contribuiu para a ascensão de organizações criminosas e grupos políticos e econômicos movidos por interesses questionáveis (para usar um eufemismo), muitos dos quais hoje estão profundamente integrados à estrutura do Estado.
Além de sua paisagem natural e riqueza cultural, um dos grandes trunfos do Rio de Janeiro – com potencial para atrair ainda mais visitantes, eventos e receitas ao Brasil – reside em seu patrimônio histórico, na identidade de seus bairros antigos e nas tradições de suas comunidades. No entanto, sem uma estratégia eficaz que fortaleça os órgãos nacionais responsáveis pela preservação e valorização dessa memória, os quais, embora permaneçam sediados na cidade, vêm perdendo força e prestígio, torna-se muito mais desafiador atingir o patamar de excelência necessário para que tanto o Rio quanto o Brasil capitalizem esse soft power e consolidem sua relevância no cenário global multipolar.
Até mesmo o reconhecimento do filme Ainda Estou Aquicarrega, em sua atmosfera visual e emocional, uma amostra da diversidade que o Rio de Janeiro oferece – e não se limita à icônica praia do Leblon ou ao Morro Dois Irmãos. O longa traz cenários como a casa neocolonial localizada na Urca, que serve de lar para a família Paiva e que, futuramente, pode se transformar em um espaço cultural. Além disso, destacam-se a confeitaria Manon, com seu deslumbrante interior Art Déco, e a histórica ponte da Ilha do Governador, entre outros marcos da cidade.
O Rio de Janeiro está profundamente entrelaçado à identidade do Brasil, tanto para seus habitantes quanto para o público internacional. Chegou o momento de a cidade receber dos governantes e responsáveis pela política nacional o devido reconhecimento. Isso significa investir em novas iniciativas – que impulsionem a economia, gerem empregos e tragam benefícios concretos ao país – para que tenhamos novas produções cinematográficas premiadas, grandes eventos esportivos e culturais, celebrações de Ano Novo em Copacabana, finais de campeonatos no Maracanã e muito mais.
O Rio de Janeiro teve outra grande perda quando deixou de ser estado da Guanabara em 1975, a revelia de seus habitantes, que sequer foram consultados, sendo anexado ao antigo estado do Rio de Janeiro. E a cidade de Niterói também perdeu, deixando de ser a capital do antigo estado do Rio de Janeiro.
A verdade é que o Rio de Janeiro continua sendo a capital de fato do Brasil. Foi e ainda é o espelho da nação, seu rosto e coração. Mas como podemos alcançar nosso máximo potencial se esse “rosto” está desfigurado? Mesmo sendo o mais belo, como influenciaremos o mundo se está malcuidado, negligenciado e abandonado?
Fica evidente que o Rio de Janeiro é uma capital federal transformada à força em uma capital estadual, criando um verdadeiro minotauro administrativo. Já passou da hora de o Rio exigir uma reparação histórica e econômica pela transferência da capital para Brasília. É necessário entrar com um processo no STF para que a cidade seja devidamente ressarcida por décadas de prejuízos.
Um estudo que vi há algum tempo mostrava que, em 1958, o Rio representava 13,75% do PIB nacional; hoje, essa participação não chega a 5%. Além disso, 90% das novas favelas surgidas após a transferência da capital se estabeleceram em terras da União. A Maré, por exemplo, está sobre terrenos da Marinha, ou seja, pertencentes ao governo federal. Se há um culpado pelo caos que se instalou no Rio, esse culpado é a União.
Se eu fosse prefeito, encomendaria um estudo detalhado demonstrando como a transferência da capital contribuiu para a formação e fortalecimento de grupos criminosos, para o aumento da pobreza e para o enfraquecimento de universidades e institutos de pesquisa. E, com base nesses dados, entraria imediatamente com uma ação no STF para exigir a devida compensação ao Rio de Janeiro.
Com a falta de segurança do Rio só louco pra fazer isso, mas esse pessoal vive em outro universo mesmo, tudo é possível.
Acrescento ainda na lista:
– A Alemanha, com Berlim e Bonn (a qual ainda mantém vários órgãos federais).
– E a Rússia, com Moscou e São Petersburgo (a qual mantém vários órgãos de governo, e divide alguns protagonismos com Moscou).
Conforme bem lembrado:
O Rio de Janeiro cresceu e firmou-se como una cidade federal, umbilicalmente ligada à esfera do poder nacional.
Porém quando ela deixou de ser a Capital nacional, ela também já não era mais o principal centro econômico-financeiro do Pais. Ou seja, o Rio ficou à pé, ficou “na roça”.
Planejou-se Brasília (ainda que mal planejado), porém não planejou-se o futuro pós-Capital do Rio em coisa alguma.
O correto teria sido projetar Brasília como uma segunda capital, para ser a sede oficial e primeira-sede dos poderes governamentais. E manter-se no Rio as demais atribuições e também as autarquias federais.
Vamos aproveitar a chance que agora surge!
Há tempos que o Rio precisa acertar essa fatura, e corrigir ao menos una parte dos muitos prejuízos decorrentes de tantos equívocos e negligências históricas.