Roberto Anderson: A cidade encolheu

A população brasileira cresceu menos do que se esperava, a população do Estado do Rio de Janeiro quase não cresceu (0,03%), e a cidade do Rio de Janeiro perdeu 109 mil moradores (-1,7%), figurando entre as nove capitais que também encolheram

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Dois anos após o momento em que deveria ter sido feito, o censo finalmente foi finalizado e seus surpreendentes resultados começam a ser liberados. A população brasileira cresceu menos do que se esperava, a população do Estado do Rio de Janeiro quase não cresceu (0,03%), e a cidade do Rio de Janeiro perdeu 109 mil moradores (-1,7%), figurando entre as nove capitais que também encolheram. Se, entre os dois censos anteriores, o crescimento populacional da cidade foi de apenas 0,079, agora houve redução.

O Rio não esteve sozinho. São Gonçalo perdeu 103 mil moradores, o que representou uma redução de 10,3% de sua população. Nilópolis vem em seguida, com uma redução de 6,8%. Petrópolis perdeu 5,8%, Duque de Caxias perdeu 5,5% e São João de Meriti perdeu 3,9%. Todos esses municípios estão na Região Metropolitana e a eles se juntam Niterói e Mesquita, também com perdas populacionais. Entre as diversas consequências das notícias trazidas pelo censo, está a redução do valor a ser repassado pelo Fundo de Participação dos Municípios, já que a população total de cada um deles interfere no valor a ser recebido. No caso das capitais, 10% desse fundo é destinado às mesmas, variando também em função da população.

Fora da Região Metropolitana, houve perdas significativas em Paracambi, Barra do Piraí, Valença e Barra Mansa. Em sentido inverso, ocorreram crescimentos significativos nas populações de Maricá (+54,8%) e Rio das Ostras (+48,1%). Cresceram todas as cidades da Região dos Lagos e, entre outras, Nova Friburgo, Macaé, Carapebus, Seropédica, Resende, Porto Real e Parati.

Muito ainda terá que ser estudado para uma melhor compreensão dos movimentos populacionais que estão ocorrendo. Mas, alguns fatores parecem estar presentes, como a busca por locais com melhor qualidade de vida, maior empregabilidade e menos violência, tudo isso acelerado pelas possibilidades do trabalho remoto.

Há muito se discute o fenômeno do encolhimento das cidades, ou shrinking cities. Essa seria a tendência de perda de população de certas cidades, especialmente aquelas onde ocorreram processos de desindustrialização, ou choques trazidos por mudanças bruscas, como ocorrido no Leste europeu após o fim dos regimes ditos socialistas. Regiões com baixas taxas de natalidade e pouca capacidade de geração de empregos também têm visto esse encolhimento. Mas, o censo nos informa que ocorreram processos em sentidos inversos no Brasil, tendo havido crescimento de cidades do Centro-Oeste. Isto indica a força da atratividade daquela região, inaugurada com a mudança da capital. Brasília teve um crescimento de 9,6%, Goiânia cresceu 10,4%, e Campo Grande 14,1%. São variações importantes entre os municípios mais populosos do país, somente ultrapassados pelos 15,3% de João Pessoa,

Já a cidade de São Paulo não teve redução populacional. Ao contrário, cresceu 1,8%. No entorno de São Paulo, também cresceram Campinas e Guarulhos, por exemplo. Muitíssimos cariocas conhecem alguém que tenha se mudado para São Paulo, especialmente se for da área financeira ou da economia criativa. Esse é um problema real. Se a cidade perde atratividade, pode estar formando mão de obra especializada que irá trabalhar em outros lugares, sem ganhar o correspondente em novos moradores.

O ritmo do crescimento populacional brasileiro vem se reduzindo, tendo sido de 6,5% nos últimos 12 anos. É uma tendência, e vem ocorrendo de forma relativamente suave. Mas uma perda, como a ocorrida na cidade do Rio de Janeiro e em cidades vizinhas é um sobressalto, cujas causas e efeitos precisam ser cuidadosamente analisados. Que setores da população saíram das cidades? São pessoas em idade produtiva? Qual o seu nível de escolaridade e de renda? O impacto desse acontecimento no desenvolvimento futuro do Rio depende das respostas a essas e outras questões. Há que se adaptar também o planejamento da cidade, e da metrópole, a essa nova realidade, que pode ser permanente. Será preciso abandonar uma ótica voltada para a expansão, por outra mais preocupada com a contenção e a qualidade.

As gestões do Estado do Rio de Janeiro têm sido desastrosas e as gestões municipais, em geral, não têm sido melhores. Houve desindustrialização, perda de instituições financeiras, perda de empresas e empregos, aumento assustador da violência, e a consequente perda de poder político em Brasília. Um círculo vicioso parece ter se instalado, com a eleição de representantes políticos cada vez piores. É preciso encontrar um caminho para fora da espiral de decadência.

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Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.

2 COMENTÁRIOS

  1. A interiorização do país é bem vinda, pois várias capitais e regiões metropolitanas estão entupidas de gente. Obviamente, esta mudança deve ser com qualidade, de modo que as pessoas tenham estímulos para sair dos grandes centros. Que seja uma opção, e não uma imposição.

    É um absurdo que municípios dependam de repasse de verba de entes superiores (governos estaduais ou federal) para ‘fechar as contas’; toda cidade deveria ser capaz de gerar sua própria receita através de impostos. Entretanto, historicamente, a grande maioria dos municípios arrecada pouco (são poucos e baixos os impostos municipais), cabendo à União a maior fatia do bolo. Esse mecanismo cria o perverso joguete político do “ou me apoia ou não tem repasse”, alimentando essa doença da política do país chamada “base aliada” e a constante peregrinação de prefeitos e secretários à Brasília para “beijar a mão” do presidente. Quem faz oposição frontal ao governo federal (ou estadual) corre o risco de ter suas finanças estranguladas, inviabilizando uma administração verdadeiramente voltada para a cidade. A atual proposta de reforma fiscal trata um pouco desse mal, mas ainda acho uma iniciativa tímida. É necessária uma real municipalização da administração pública, com maior responsabilidade e autonomia dos municípios, acompanhada de um aumento de sua arrecadação. Mais cidades e menos Brasília!

    Tendo o Rio pouco mais de 6 milhões de habitantes, uma redução de menos de 2% não me parece alarmante. Em Estatística, dizem que 2% é margem de erro. O importante é como está a qualidade de vida da cidade e das outras no entorno. Isso sim é alarmante, e há décadas.

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