Roberto Anderson: A mobilidade ativa é o futuro

'O Brasil, que já foi um ator importante nessas negociações, chegou a Glasgow sem a presença de seu presidente e de seu Ministro do Meio Ambiente'

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Foto: Roberto Anderson

Enfim, começou a COP26 em Glasgow, que deveria ter acontecido um ano antes, mas foi adiada em função da pandemia. Ela representa um momento decisivo na luta contra o aquecimento global, já que os países deverão ampliar as suas metas de reduções de emissões dos gases do efeito estufa (NDC), tanto em termos de prazos, quanto em quantidades.

O Brasil, que já foi um ator importante nessas negociações, chegou a Glasgow sem a presença de seu presidente e de seu Ministro do Meio Ambiente. Muito provavelmente isso se deve à dificuldade de encarar a comunidade internacional. Resultado das ações dos últimos anos de desmonte dos órgãos ambientais e de incentivo a invasões de áreas florestadas para o desmatamento e a realização de queimadas, além do garimpo, tudo à margem da lei. Para culminar, o governo brasileiro havia revisado as bases de cálculo das emissões de gases, aumentando a sua capacidade de emissão, o que contrariava o Acordo de Paris. Essa revisão resultaria em uma permissão para emissão adicional de 400 milhões de toneladas de gás carbônico equivalente (CO2e – métrica que representa todos os gases do efeito estufa em uma única unidade) em relação à meta anunciada em 2015, no que vem sendo chamado de “pedalada de carbono”.

Na abertura da COP26, o governo brasileiro apresentou uma nova meta climática, mais ambiciosa na aparência, passando a redução da emissão de carbono dos prometidos 43% para 50% até 2030, e de neutralidade de carbono até 2050. Mesmo não tendo ficado claro qual será a base de cálculo utilizada para essa atualização, a nova meta apenas deverá reduzir à metade, ou até eliminar, a “pedalada de carbono” que o governo brasileiro vinha buscando.

E como entra a Cidade do Rio de Janeiro nesse programa de redução de emissões? Sim, é fundamental o envolvimento das cidades, onde mora a maioria da população brasileira, e onde se dá boa parte das emissões danosas ao clima. A Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, assim como o governo federal, tem como meta para 2050 atingir a neutralidade das emissões de carbono. É o que consta do seu Plano de Desenvolvimento Sustentável. O Plano estabelece também a meta de reduzir em 20% as emissões de gases de efeito estufa até 2030, em relação ao ano de 2017.

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Segundo o Inventário das emissões dos gases do efeito estufa de 2010, o setor energia correspondia a 64% das emissões totais da Cidade do Rio de Janeiro. Por sua vez, o setor transportes correspondia a outros 64% das emissões do setor de energia. Esse é, portanto, um setor chave para se alcançar reduções das emissões. A boa notícia é que, de 2012 a 2019, o setor de transportes puxou a queda de 14% das emissões de dióxido de carbono-equivalente na cidade, com decréscimo de 24 % nos 7 anos. A alta do preço dos combustíveis pode estar por trás dessa redução, já que desincentiva o uso de automóveis.

Mas não podemos depender da alta dos combustíveis para reduzirmos as emissões de gases pelo setor de transportes. São necessárias ações concretas, como a eletrificação dos veículos, inclusive os coletivos. O Plano da Prefeitura propõe eletrificar 100% da frota de ônibus municipal até 2050, ou seja, em 30 anos. A Prefeitura de Niterói já deu início a esse processo, e planeja a eletrificação de 10% da frota de coletivos até 2024.

É fundamental, ainda, um maior incentivo ao emprego de mobilidade ativa ou não motorizada, o que inclui melhores condições para a caminhabilidade. Item fundamental na redução das emissões é a facilitação do saudável hábito de caminhar. Para tanto, nossas calçadas precisam ser muitíssimo melhoradas. Em geral, elas são estreitas, mal pavimentadas, com buracos e excesso de obstáculos, como bancas de jornais que ocupam mais da metade da sua largura.

O Planejamento de Desenvolvimento Sustentável e Ação Climática da Cidade do Rio de Janeiro propõe quadruplicar as viagens por bicicleta até 2030. É um objetivo importante, mas que necessita de ações imediatas, já que 2030 está logo ali. Para iniciar, seria fundamental uma revisão da situação das atuais ciclovias, ciclofaixas e ciclorotas da cidade Em geral, a pavimentação das mesmas está muito deteriorada. Pedalar nas ciclovias cariocas, às vezes, é como estar numa pista de mountain bike. Se já é difícil ocorrer a manutenção das pistas de rolamento de automóveis, cujos usuários pagam IPVA, muito menor, ou quase inexistente, é a manutenção da pavimentação e dos limites das ciclovias. Outro problema recorrente é o uso das ciclorotas como área de estacionamento em fila dupla. Somos indisciplinados, mas se o poder público não fiscalizar a contento, a coisa só piora.

Muitas ciclovias cariocas são, na verdade, pistas em que os ciclistas competem com os pedestres pelo mesmo espaço. Se no início da implantação do programa isso era compreensível, hoje em dia, com o aumento do número de ciclistas, essa é uma situação indesejável. Há também ciclovias ou ciclofaixas que ocupam 100% do que um dia foi uma calçada. Essa não é uma boa competição. Não é correto que o transporte cicloviário cresça pela redução da qualidade dos espaços destinados aos pedestres.

Nova Iorque planeja alcançar 2.200 Km de vias cicláveis. A Prefeitura de Paris, apenas em 2020, construiu 170 km de novas ciclovias na cidade, o que fez o deslocamento sobre bicicletas aumentar 62% em dois anos. A Rue de Rivoli, que já contava com calçadas generosas, foi quase que inteiramente tomada por ciclovias. Em Milão, um plano de 2020 propõe transformar 35 km de ruas em espaços para pedestres e ciclistas. Barcelona, que já contava com 300 km de ciclovias, após a pandemia ganhou mais 21 km de espaços para bicicletas. As principais cidades do mundo caminham nessa direção. Não queremos ficar para trás. É preciso radicalidade na priorização da mobilidade ativa, o que ainda não temos visto por aqui. O futuro vai ser assim.

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Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.
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