A prostituição é um fato urbano normal e já ocorreu na Cidade do Rio de Janeiro em diversos lugares. Existiu, por exemplo, na Lapa, em casas e sobrados, na Praça Onze, onde foram famosas as polacas, e na Rua Alice. A Praça Onze foi arrasada para a abertura da avenida Presidente Vargas. A Lapa sofreu uma forte repressão contra a boemia no Estado Novo e o casarão da Rua Alice não resistiu às mudanças de hábitos da classe alta que o frequentava. Já o Mangue era uma área de prostituição mais aberta e popular, nas ruas, formada a partir da década de 1920. Há cálculos que contabilizam oito mil mulheres ali trabalhando no seu auge, nos anos 1940. Durante a ditadura militar, já em processo de redução, a zona de prostituição foi cercada por tapumes, com entradas disfarçadas entre os mesmos, por onde os clientes se esgueiravam.
O último reduto da prostituição no Mangue foi a Vila Mimosa, uma vila que se situava onde hoje se encontra o Teleporto, na Cidade Nova. Para a reurbanização do local, que incluía a construção da atual sede da Prefeitura, buscou-se realocar aquele núcleo resistente de prostituição num galpão em Gramacho, Duque de Caxias. Mas, com a oposição da prefeitura local, a Prefeitura do Rio acabou transferindo as cerca de 1.800 mulheres para um antigo galpão de um frigorífico na rua Sotero dos Reis. Essa transferência produziu a renomeação do local para Vila Mimosa, assim como o prédio da Prefeitura ganhou a alcunha de Piranhão.
Junto à Rua Sotero dos Reis há ruas com galpões industriais, sobrados e vilas residenciais, clubes de motos e oficinas. A rua Ceará é a rua onde é maior o comércio. Em outros tempos, em certos dias da semana, a rua onde fica a Vila Mimosa se tornava uma via intransitável, tal a quantidade de pessoas que por lá circulavam. Elas buscavam encontros, ou apenas bebiam do lado de fora dos bares e boates. Isso mudou muito. Hoje o movimento é bem menor do que já foi e concentra-se nos locais fechados. Uma das razões é o advento de aplicativos, disponíveis em celulares de qualquer um, o que reduz a busca por um local onde conhecer profissionais do sexo.
Um estabelecimento típico da Vila Mimosa são os mini-centros comerciais, onde o possível cliente circula por corredores estreitos, em forma de U, desembocando novamente na rua. Esses corredores são ladeados de pequenos bares e boates, onde a música alta e variada tenta demarcar diferentes territórios. Nas portas, mulheres em colantes cavados convidam o passante a entrar. Lá dentro, outras dançam ou bebem, à espera de quem tope um programa. Combinado o preço, sobe-se para cabines no primeiro pavimento, pagando algo como 20 reais a meia hora pelo aluguel do local. Mais barato do que a cerveja embaixo. Esse mesmo esquema ocorre nas boates ao longo da rua.
É da venda de bebidas, a preços salgados, e do aluguel de quartos e cabines que vivem os que exploram esse comércio. Autodenominam-se rufiões, em oposição aos cafetões, que seriam aqueles, hoje mal-vistos, que explorariam a renda das profissionais. Essa seria uma nova acepção da palavra rufião, já que os dicionários mais tradicionais não diferenciam as duas expressões.
A Vila Mimosa conta com uma associação e as profissionais são acompanhadas regularmente por um médico voluntário e por assistentes sociais, mantendo seus exames de AIDS e outras DSTs em dia. Algumas são também beneficiadas com bolsas-família. Ao contrário do que se pensa, elas não moram nos locais de trabalho, tendo suas vidas e famílias longe dali.
Não só o movimento de clientes anda menor. Também as profissionais já estão em menor número. Algumas optaram por outras profissões, após cursos de capacitação promovidos por governos anteriores ao interregno da extrema-direita. Para piorar, paira a ameaça da concorrência com a prostituição das travestis e trans, que fazem ponto perto da Quinta da Boa Vista. Quando essas se aproximam, são rechaçadas pelas meninas da vila, que acreditam que boa parte da clientela masculina anda preferindo as outras. A pós-modernidade não é simples…
Apesar de tudo, a rua Sotero dos Reis e sua Vila Mimosa resistem. Os comerciantes reclamam dos valores do IPTU, do abastecimento de água e da limpeza urbana. Recentemente, a Prefeitura do Rio conseguiu a cessão da antiga Estação Leopoldina e do terreno a ela adjacente. Segundo divulgado pela própria Prefeitura, a estação será restaurada e serão edificados um centro de convenções, instalações para uma Cidade do Samba 2, e um conjunto habitacional do Minha Casa Minha Vida. Nada foi dito sobre melhorias na área residencial junto à Vila Mimosa e na própria Sotero dos Reis. É importante que se tenha um olhar generoso e não preconceituoso para aquela área. Os moradores que lá estão resistem a anos de abandono. E uma rua do sexo bem cuidada é algo que existe em diversas cidades do mundo.
Nada contra o sexo, mas lamento que muitas pessoas encontrem APENAS no sexo o seu meio de vida, particularmente a população trans. Quanto às condições físicas do local, não é de espantar ninguém, pois a cidade toda é um grande lixão e um grande esgoto a céu aberto. Não seria ali, num local de trabalho estigmatizado feito por uma população para lá de negligenciada, que tudo seria limpinho e moderninho.
Fui lá uma vez. O lugar fede. A prefeitura deveria passar o trator e destruir tudo.