Havana é um desejo, especialmente para quem é de esquerda. E tem qualidades para encantar pessoas de qualquer orientação política. É uma das cidades mais interessantes das Américas. Não só os carros antigos foram preservados, como a sua riquíssima arquitetura, com exemplares do século XVI ao XX. Mas, o visitante é confrontado com difíceis questões da realidade atual.
O povo é simpático, disposto a conversar e a fazer amizades. Cidade de largas avenidas projetadas por Forestier, que preservou a cidade velha. Nessa mesma época, Agache fazia o seu plano para o Rio de Janeiro, não completamente implementado, que aprofundava a destruição do tecido antigo iniciada com a abertura da avenida Central e o arrasamento do Morro do Castelo.
Com grande esforço, uma parte de Havana Velha já está recuperada. Restaurados, sobrados e edifícios deslumbrantes rivalizam em qualidade arquitetônica com os das mais belas cidades do mundo. Recebem galerias e bons restaurantes. Duas quadras adiante, está a cidade real, de edifícios e sobrados ainda caindo aos pedaços, habitados por uma população que se vira como pode.
A cada pavimento térreo, uma venda improvisada. Em cada porta, uma mesinha para vender três saquinhos disso, quatro pacotes daquilo.
Em Vedado e Miramar, casas e mansões restauradas sediam embaixadas e centros de cultura. O Centro Fidel Castro ocupa uma das mais belas casas. Nas demais, roupas penduradas nas janelas indicam a sua ocupação por pessoas simples. Ou famílias apadrinhadas nos tempos mais heróicos. Casas e prédios de apartamentos estão depauperados, as calçadas estragadas, os jardins privados pouco cuidados.
No Malecon, famílias passeiam e pescadores jogam suas linhas para garantir o peixe do dia. Alguns edifícios e conjuntos habitacionais, de frente para o mar, mostram a argamassa rompida e armações de ferro expostas. Risco de desabamento em prédios ocupados e presença de ruínas na vizinhança.
Em Havana Velha, músicos nos bares e restaurantes tocam a boa música caribenha. A abordagem ao turista é frequente. Depois da pergunta sobre a procedência, pode vir a oferta de um suposto convite gratuito para um suposto show de salsa à noite. Como sinal de gratidão, o turista já pode ir pagando uma bebida ao generoso sujeito. Com boa conversa, logo se pede que o turista pague um trago, ou que compre leite para os filhos. Por necessidade, pede-se muito em Havana Velha.
Na ausência de um bom sistema de transporte público, ladas, chevrolets e todo tipo de carro velho fazem lotação. Há também o transporte por vans, tuc-tucs, alguns com carrocerias, e triciclos. Ônibus, que custam trinta vezes menos, demoram a vir. Quando chegam, muitas vezes estão lotados. O cobrador se desdobra para fechar a porta atrás do grupo que não coube, e se pendura para fora. Muita gente andando longas distâncias para se deslocar pela cidade. Porém, há pouca presença de bicicletas, que foram muitíssimo usadas no período especial, uma etapa econômica difícil que o país atravessou.
Há problemas, como empoçamentos pontuais de esgoto, e na coleta de lixo, que pode ser visto acumulado nos pontos de descarte. Problemas que não são encontrados em outras cidades do país.
Pouca iluminação pública nas ruas mais locais e cortes quase diários de energia nos bairros. Mesmo assim, as ruas são seguras. Nelas, as pessoas andam consultando seus celulares. Os inúmeros monumentos da cidade não tiveram suas partes em metal roubadas (cariocas entenderão). Mas, é possível presenciar a tentativa de roubo de um cordão do pescoço do gringo.
Longas filas de carros nos postos de combustíveis, e filas e aglomerações nos caixas eletrônicos dos bancos e nas bodegas estatais, onde os preços são mais baixos, mas faltam produtos.
Grandes hotéis, de redes internacionais, com poucas luzes acesas nos andares. Após a Covid, o turismo caiu e a economia do país não se recuperou.
Muitos relatos sobre a difícil situação econômica de Cuba e de como o embargo de mais de meio século não explica tudo. A necessidade de importar açúcar para um país que era grande produtor diz muito sobre a situação atual. A transição para a nova geração de dirigentes revolucionários não está sendo fácil.
É comum encontrar quem relate dificuldades para ter renda e critique o sistema. Queixam-se da perda de qualidade do ensino e dos atendimentos médicos. Os protestos massivos de três anos atrás resultaram em muitas prisões e condenações, desencorajando novas manifestações. Mas, a bandeira cubana é muito presente pela cidade e há, também, quem acredite que as coisas irão melhorar.
Desiludidos, ex-seguidores da Revolução vão se tornando pequenos capitalistas e contratam empregados. A auxiliar de uma hospedaria caseira consegue ganhar mais do que um médico, que trabalha na rede pública. A emigração é vista como solução, e muitos jovens o fazem, ou planejam fazer. Médicos, engenheiros e professores estão abandonando a profissão para trabalhar em coisas mais rentáveis, como atendente no comércio.
Já se vê diferenças de posses entre quem tem parentes no exterior, ou está nos ramos de turismo e negócios, e os demais. Para estes, a subida dos preços tem tornado até a alimentação algo difícil. O jantar de um turista num restaurante comum pode valer quase a metade do salário de um médico, que só pode trabalhar para o Estado. Há pessoas revirando lixeiras. E há as que pedem dinheiro, dizendo ter fome.
Todos estão vestidos e calçados, ainda que de forma simples. Além dos desejados tênis, usam muito chinelos e botas de plástico, que são mais baratos. Boa parte dos jovens segue a moda básica internacional.
Pessoas de Yoruba (santeria, um nome depreciativo) se vestem de branco e com colares. As mulheres com saias ou calças, batas brancas rendadas e turbantes igualmente brancos. Muitas delas, jovens, cumprindo seus deveres de um ano após a raspagem dos cabelos, quando também devem usar uma sombrinha branca, resguardando-se do sol e do sereno.
As ruas de Havana Velha fervilham de gente. Crianças brincam nas ruas em seus uniformes de escola. Pessoas se sentam nos bancos, ou nas soleiras dos edifícios, para ver o movimento e conversar. Uma população de maioria negra vivendo em condições simples. Igualdade na vida apertada.
Apesar dos problemas, parece haver energia entre os jovens, vontade de viver a vida e se alegrar com o que ela oferece. Sentar-se ao fim do dia à beira-mar, tocar um violão, encontrar os amigos para ouvir música num bar, namorar num lugar deserto sem ser assaltado, tudo isso se vê em Havana.
O melhor de Cuba é o seu povo. Não se deve duvidar da capacidade de um povo que já fez uma revolução e sobrevive às dificuldades do embargo. Enfrentam tempos difíceis, mas o país é maior do que os problemas conjunturais. Vale muito a visita.
Que sejam suspensos imediatamente TODOS os embargos que asfixiam a economia cubana. Deixem que eles façam as coisas do jeito deles, sem interferências ou sabotagens externas. Se não der certo, o mesmo povo que fez a revolução vai exigir mudanças. Do jeito que está, não se pode ter parâmetros justos de crítica. Acusar o regime de ser um fracasso quando ele é atacado ferozmente há décadas, é jogar fumaça na cara das pessoas, método típico dos liberalóides sociopatas. Deixem Cuba caminhar com suas próprias pernas, e depois façam o julgamento.