Roberto Anderson: Censo 2022 Rio, para onde vão os que ficam?

O último Censo revelou que, desde 2010, a Cidade do Rio de Janeiro perdeu um total de 110.123 pessoas, ou 1,77% de sua população. Somos agora 6.211.223 habitantes

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O último Censo revelou que, desde 2010, a Cidade do Rio de Janeiro perdeu um total de 110.123 pessoas, ou 1,77% de sua população. Somos agora 6.211.223 habitantes. Além da inédita perda de população da Cidade do Rio de Janeiro, observou-se a continuação do movimento iniciado décadas atrás de transferência de população entre bairros e regiões da cidade. Manteve-se a redução dos moradores das zonas Norte, Sul e Centro, em detrimento de toda a Zona Oeste. Por razões diversas, a população remanescente na cidade se muda para uma zona com pouca tradição urbana e pouca infraestrutura, obrigando o poder público a realizar obras e a construir equipamentos públicos. Enquanto isso, ao contrário do que seria desejável, áreas já com infraestrutura seguem perdendo população.

Ainda segundo o Censo 2022, a perda de população no Rio de Janeiro não foi um processo isolado, já que outras capitais, como Salvador, Natal, Belém, Porto Alegre, Belo Horizonte, Recife e Fortaleza também tiveram reduções populacionais. Nas quatro primeiras a redução populacional foi acima de 5% nos últimos 12 anos. Da mesma forma, cidades próximas à capital fluminense tiveram redução de população. São Gonçalo teve uma redução de 10,3%, enquanto a perda de população em Nilópolis foi de 6,8%, em Petrópolis de 5,8%, em Duque de Caxias de 5,5% e em São João de Meriti de 3,9%. Em sentido contrário, houve crescimento populacional em Maricá, que mais que dobrou a sua população (+54,8%), Rio das Ostras, que quase dobrou (+48,1%), além de Nova Friburgo, Macaé, Carapebus, Seropédica, Resende, Porto Real e Parati.

A análise dos dados do Censo de 2022 na Cidade do Rio de Janeiro por bairros, realizada pela Prefeitura, suscita diversos questionamentos e possibilidades de estudos para entender a dinâmica populacional carioca. Entre 2010 e 2022, Jacarepaguá teve um aumento de 66.685 pessoas, o maior crescimento populacional absoluto, equivalente a um aumento de 42,39% de sua população, seguido por Recreio dos Bandeirantes, com aumento de 59.076 habitantes (71,83%), Guaratiba (46.756) e Santa Cruz (31.797). Também cresceram Camorim (137,01%) e Itanhangá (76,93%). Já a Tijuca teve o maior decréscimo populacional absoluto, com uma perda de 21.479 pes­soas (-13.11%). Perderam população também os bairros de Vila Isabel, Penha, Copacabana, Com­plexo do Alemão e Realengo. Uma exceção curiosa na Zona Norte foi o crescimento de 81,38% do Rocha.

Toda essa movimentação populacional no território carioca é um fenômeno de grandes proporções, com implicações gigantescas para a dinâmica urbana da cidade. 73% dos bairros cariocas tiveram queda em sua população, enquanto somente aproximadamente 27% dos bairros tiveram aumento populacional. No entanto, esses 27% que tiveram aumento de população representam um território com uma área bem maior do que a área daqueles que perderam população, podendo indicar uma maior dispersão dos moradores, ou seja, uma menor densidade populacional. Por várias razões, mas especialmente do ponto de vista do meio ambiente, esta não seria uma boa notícia.

Perguntas precisam ser feitas pelos pesquisadores sobre esses movimentos de população. O que teria ocorrido na Tijuca e em Vila Isabel que, com respectivamente menos 21.479 e menos 20.228 habitantes, tiveram as maiores quedas populacionais entre os bairros da cidade? Copacabana com uma redução de 17.473 habitantes estaria sendo atingida por uma alta taxa de mortalidade, em razão da sabida concentração de moradores de mais alta idade, ou estaria sendo esvaziada para dar lugar a aluguéis de curto prazo, como o fenômeno Airbnb?

A Área Portuária, objeto de uma Operação Urbana Consorciada, o Porto Maravilha, cuja lei já tem quinze anos, seguiu perdendo população nos 12 anos entre os dois últimos censos. A Saúde perdeu 873 moradores, representando uma perda de 31,76% da sua população. A Gamboa perdeu 1.692 moradores e o Santo Cristo 2.394. É bem provável que no próximo censo esses bairros já mostrem aumento populacional, um reflexo dos tardios empreendimentos habitacionais que lá vêm ocorrendo. Mas, essa perda até aqui registrada denota um imenso fracasso das intenções inicialmente divulgadas. 

Em conjunto, projetos como o Porto Maravilha e o Reviver Centro partem de premissas corretas, ou seja, é preciso incentivar a vinda de novos moradores para essas áreas. Mas, há problemas na execução desses projetos. Como a continuação de perda de população na Área Portuária demonstrou, o projeto Porto Maravilha não privilegiou moradias, não reservou áreas prioritárias para essa função. O resultado é que na primeira década do projeto só foram construídos prédios de escritórios e hotéis. E houve expulsão dos que lá já moravam, um efeito perverso, comprovado pelos números do Censo 2022. Da mesma forma, o projeto Reviver Centro parece privilegiar unidades para locação temporária, o que não tem capacidade de mudar a dinâmica populacional.

Um importante questionamento a ser feito é sobre a dinâmica populacional nas favelas cariocas. Segundo o IPP, entre 2010 e 2022 a área do município do Rio ocupada por favelas cresceu em 1.730.105,25 m2, uma variação de 3,51%. Esse crescimento territorial, relativamente pequeno, não espelha a realidade, já que as favelas estão se verticalizando a olhos vistos. Mas, favelas importantes da Zona Norte parecem ter seguido a tendência de decréscimo populacional daquela região. No Complexo do Alemão a redução foi de impressionantes 14.941 moradores, a quinta maior perda do município. Em Manguinhos foram menos 7.305, na Maré foram menos 4.938 e no Jacarezinho foram menos 2.491. A Mangueira, com aumento de 412 moradores, ficou fora dessa tendência. 

Favelas da Zona Sul, como a Rocinha, a mais populosa do Brasil, e Vidigal tiveram aumento de população com respectivamente mais 1.538 e mais 2.315 moradores. Rio das Pedras está inserida em Jacarepaguá, na Zona Oeste, o bairro que teve o maior aumento popula­cional da cidade. O mais provável é que também tenha tido crescimento de sua população. Já a Cidade de Deus perdeu 5.939 moradores, enquanto a Vila Kennedy perdeu 3.457. A paralisação do projeto Favela Bairro é um dos grandes equívocos da administração municipal, ocorrida ainda na primeira administração do atual prefeito.

A perda de população da Cidade do Rio de Janeiro deve ser vista no quadro de crise das grandes cidades brasileiras, mas também da perda de pujança econômica da cidade. Tal processo, naturalmente, drena energias da cidade. Mas, se como visto, a cidade ainda despende investimentos na sua reconstrução em novos territórios, estabelece-se um padrão de grande ineficiência e de perda de recursos. Recursos esses que seriam valiosos para melhorar as condições de vida da população que ainda aqui permanece. Falta planejamento urbano e vontade política de implementá-lo. Mas, sobram iniciativas pontuais voltadas para agradar um mercado imobiliário imediatista.

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Roberto Anderson
Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.

2 COMENTÁRIOS

  1. Excelente análise. A questão demográfica é central para o planejamento urbano da Cidade. Infelizmente, o governo do Rio não crê no planejamento urbano. Nem mesmo tem um Conselho, já que o COMPUR já não mais existe há mais de 2 anos! Um retrocesso enorme!!!

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