Roberto Anderson: Cidade Integrada ou ação política?

Colunista do DIÁRIO DO RIO fala sobre o projeto Cidade Integrada, do Governo do Estado

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Sem anúncio prévio e, aparentemente, também sem muito planejamento, o Governo do Estado do Rio de Janeiro deu início ao programa Cidade Integrada, nas comunidades do Jacarezinho e da Muzema. Salomonicamente, foram escolhidos um território dominado pela milícia e outro pelo tráfico de drogas. Aliás, essa é uma distinção que está cada vez mais esmaecida, sendo ambos grupos que dominam territórios pela força das armas e impõem regras à margem das leis. O que se tem certeza é que ações de ocupação de favelas não são novidade, especialmente quando se está próximo a períodos eleitorais. Qual a garantia de que o programa se torne uma política pública duradoura se o governador for derrotado em outubro?

Não à toa, os moradores dessas comunidades demonstram estar descrentes. Vale lembrar que a última incursão da Polícia Civil no Jacarezinho, em maio de 2021, resultou em 28 mortes, tornando-se a maior matança da história do Rio de Janeiro. Para essa comunidade o governo promete outras ações, além da ocupação policial, como a limpeza do Rio Jacaré, a canalização do Rio Salgado, a instalação de um mercado do produtor, uma unidade de saúde e vila olímpica na antiga fábrica da GE, a reforma de habitações e a construção de novas unidades, além de auxílio financeiro a mulheres chefes de famílias.

Para além da eventual motivação política, o Jacarezinho é uma área que necessita desesperadamente de maior atenção do poder público. Sua deterioração produz ondas de depreciação que atingem os bairros vizinhos. Ele está situado no coração de uma área que vem se depreciando continuamente, sendo um retrato mais agudo da depreciação de partes significativas da Zona Norte, que perderam investimentos públicos em décadas passadas. Meier e Jacarezinho compõem uma microrregião da Área de Planejamento 3 (AP3), tendo se desenvolvido ao longo da Estrada de Ferro Central do Brasil. Contrariamente ao pequeno crescimento populacional ocorrido na AP 3, de 3,2% entre os anos 1991 e 2010, no mesmo período esses dois bairros tiveram perda de população. O Jacarezinho teve uma perda de 7,9% (-11,2% entre 1991 e 2000) e o Meier teve uma perda ainda maior, 11,2% de sua população.

Como medida de comparação, vale observar que na Maré houve um crescimento populacional de 36,3% no mesmo período. É possível levantar diversas hipóteses para essa enorme diferença em termos de dinâmica populacional entre o Jacarezinho e a Maré, ambas áreas favelizadas. Entre elas, a diferença na capacidade de organização interna e de atração de investimentos públicos e privados. Com todos os seus problemas, a Maré atraiu a atenção do Poder Público que lá realizou um campus escolar digno de nota. Enquanto isso, o Jacarezinho perdeu indústrias e órgãos públicos, como o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), que saiu vinte anos atrás.   

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A violência, fruto da falta de ação correta do Poder Público, levou à perda de empregos formais na favela e à perda de qualidade de vida. No ano 2000, o Jacarezinho apresentava o penúltimo valor de renda média da AP-3 (R$ 177,98) e a antepenúltima média de anos de estudo da AP3 (4,7 anos). Em 2020, a favela apresentou também o baixíssimo índice de progresso social (IPS), de 45,15, o quinto pior da cidade. Como se vê, o Jacarezinho é um território importantíssimo na dinâmica de deterioração da Zona Norte. Não se sabe se a sua inclusão no programa Cidade Integrada considerou essas questões, mas mudar a comunidade para melhor é importante para a cidade como um todo. Independentemente de projetos eleitorais, é fundamental que se resgate o Jacarezinho.

Mas, é preocupante que o que se ofereça sejam apenas auxílios às mães, algumas obras e transformação do imóvel da antiga indústria em equipamento de comércio e serviços. A presença da antiga indústria de lâmpadas, assim como outras que existiam nas proximidades, era a garantia de renda digna, de possibilidade de pensar o futuro. É triste ver que o Rio de Janeiro perdeu boa parte de suas indústrias e que o Jacarezinho perdeu todas as que lá haviam. Imaginar que não se deve buscar a recuperação desse setor na cidade é um equívoco. De qualquer forma, seja no setor da transformação, seja no de serviços avançados, a redenção do Jacarezinho, e dos bairros vizinhos a ele, precisa se dar pela oferta de postos de trabalho. Bolsas ajudam a atravessar a tormenta, mas há que se pensar o futuro.

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Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.
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