Roberto Anderson: Como irão administrar a nossa casa?

No artigo, entre outros pontos, é destacado que 47% dos brasileiros não têm acesso a sistemas de esgotamento sanitário e somente 46% dos esgotos recolhidos no país são tratados

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De acordo com o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, atualmente, 16% da população brasileira não tem acesso à água tratada. E mais, 47% dos brasileiros não têm acesso a sistemas de esgotamento sanitário e somente 46% dos esgotos recolhidos no país são tratados.

Na Cidade do Rio de Janeiro, o Instituto Trata Brasil informa que nem aqueles que vivem em áreas formais têm total acesso a recolhimento de esgotos, já que somente 85,1% dessa população tem esse serviço. Desse esgoto recolhido, apenas 42,9% são tratados, o que é menos que a média nacional. Como, aproximadamente um terço da população carioca vive em favelas, que, em geral, sequer têm o recolhimento do esgoto, a situação é bem catastrófica. Estamos falando da segunda cidade do país e a proximidade das eleições municipais é um bom momento para se discutir nossos problemas ambientais.

O Rio de Janeiro sediou dois encontros internacionais sobre o meio ambiente e tem tudo para basear seu desenvolvimento na economia verde, na cultura e no turismo. Mas antes é preciso resolver o urgente problema do saneamento. Buscar soluções criativas para se estender a rede coletora de esgotos a todos os domicílios da cidade, sem exceção. Uma vez coletado, é preciso que se busque alternativas de tratamento menos problemáticas. A solução para o problema do esgoto não pode ser nem o seu lançamento in natura no mar, como no emissário de Ipanema, nem a construção de gigantescas estações de tratamento, como a de Alegria. A concentração dos esgotos em larga escala não é uma boa ideia. Soluções locais, se possível com métodos naturais, são mais adequadas.

O marco legal que regulamenta a questão do saneamento inclui a coleta de lixo. Mas no país inteiro, e mesmo no Rio e arredores, continuam a existir lixões, com depósito de lixo a céu aberto, contaminando lençóis freáticos e o ar. O Município do Rio de Janeiro, maior produtor de resíduos, transporta seu lixo até o município vizinho de Seropédica, pagando pela disposição final e por esse transporte. Uma grande economia com a redução do volume a ser transportado, além de empregos e sustentabilidade, poderia advir da separação do lixo orgânico, para ser usado em compostagens ou geração de biomassa, e a coleta seletiva de recicláveis. No entanto, a coleta de resíduos orgânicos é apenas marginal, fruto de iniciativas pontuais como a microempresa Ciclo Orgânico, e a coleta seletiva só atinge aproximadamente 2% desses resíduos. A Comlurb é um orgulho dos cariocas e pode vir a ser uma bela empresa ambiental.

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A ocupação e o uso do solo na Cidade do Rio de Janeiro se deu de forma desordenada, com enormes custos socioambientais. A visão desenvolvimentista de curto prazo da administração pública e da iniciativa privada provoca impactos inaceitáveis sobre as florestas, parques e áreas verdes, assim como em rios e lagoas, que se encontram poluídos e assoreados. A falta de sistemas de áreas verdes e de arborização urbana de qualidade, em bairros localizados nas áreas mais pobres, especialmente nas Zonas Norte e Oeste, onde se concentra grande parte da população, contribui para torna-las mais quentes, vulneráveis a enchentes e a deslizamentos. Recentemente, com a proposta do Autódromo na Floresta do Camboatá, passamos a correr o risco de perder mais uma área florestada.

É preciso realizar um amplo programa de arborização da cidade, especialmente dos espaços mais degradados, e retomar o projeto Mutirão de Reflorestamento. Esse programa deve se orientar para a criação de “corredores ecológicos”, conectando unidades de conservação, parques florestais e grandes parques públicos, com passagens para animais silvestres. Além dos benefícios locais, esse projeto de arborização em larga escala seria uma contribuição importante da cidade para a mitigação dos efeitos do aquecimento global.

Outra questão importante, de alguma forma ligada à anterior, é a produção de alimentos, especialmente aqueles orgânicos, dentro do território do Município do Rio de Janeiro. Hortas comunitárias têm sido vistas como uma ideia bacana. Mas há um ponto bastante sensível que é a pressão imobiliária sobre as áreas agrícolas da Zona Oeste historicamente consolidadas. Mudanças na legislação as transformaram em áreas urbanas, ou seja, passíveis de loteamento e edificação. Mas não é desejável que a cidade se expanda indefinidamente, suprimindo áreas verdes e cultiváveis. A revisão do Plano Diretor, a ser realizada em 2021, será um momento oportuno para se rediscutir o status dessas áreas.

A paisagem carioca é marcada por encostas, de onde nascem diversos rios, e planícies, por onde os mesmos correm. No entanto, pelo menos 22 deles se encontram canalizados, deslizando poluídos sob as ruas. É o caso dos rios Banana Podre e Berquó, de Botafogo, e mesmo do rio que dá nome aos nascidos na cidade, o Carioca. Em momentos de chuvas torrenciais eles dão sinal de vida, extravasando de suas galerias e inundando a cidade. Nos faria bem um programa de revitalização desses rios, com a sua despoluição e, onde fosse possível, a abertura do seu leito para a luz solar.

Por falar em enchentes, esse é um problema secular de nossa cidade, que cresceu impermeabilizando solos, drenando e ocupando áreas alagáveis, estreitando os rios, e aterrando as margens das lagoas remanescentes, já que muitas simplesmente desapareceram. As técnicas utilizadas até aqui para lidar com esse problema não têm surtido efeito, gerando a necessidade de custosas obras de engenharia, como os piscinões, que são soluções paliativas. O conhecimento já acumulado sobre soluções baseadas na natureza nos indica o caminho da construção de cidades resilientes. Não mais lutar contra um problema, mas saber conviver com o mesmo, contornando seus efeitos danosos. Assim, deve-se buscar a ampliação das áreas permeáveis, onde a água da chuva penetre no solo, e a retenção dessas águas com tetos verdes, bacias de contenção, jardins de chuva, entre outras soluções. E aí entram as ampliações das calhas dos rios, captores naturais das águas excedentes nos solos.    

É difícil falar em sustentabilidade e meio ambiente sem tratar da questão da mobilidade. E esta está diretamente ligada à distribuição das oportunidades de trabalho na cidade, muito concentradas no Centro e em alguns subcentros. O fortalecimento das muitas centralidades da cidade poderia contribuir para a redução dos deslocamentos a longas distância para se alcançar o trabalho, os chamados deslocamentos pendulares, entre trabalho e casa. Mesmo assim é preciso haver uma boa disponibilidade de meios de transportes, base para uma cidade mais democrática, com todas as áreas acessáveis e em diferentes horários do dia e da noite. E para tanto, a integração dos sistemas de transportes e das tarifas é fundamental.

Que meios de transportes seriam esses? Preferencialmente público, sobre trilhos, não poluente, como trem, metrô e VLT. Sistemas de BRT também contribuem para uma boa mobilidade. Se utilizarem motor elétrico ou combustíveis renováveis, melhor ainda. E bicicletas, muitas bicicletas e ciclovias! E também patins e patinetes. E calçadas agradáveis de se caminhar. Prioridade máxima na cidade aos pedestres! A necessidade do transporte individual motorizado pode ser, a médio prazo, drasticamente reduzida e atendida, em parte, por carros de aluguel.   

Muitos desses problemas são comuns a vários municípios da Região Metropolitana e não há como resolve-los isoladamente. O Município do Rio de Janeiro é o maior deles e deve liderar a adoção de um planejamento metropolitano, buscando resolver pendências urgentes, como a despoluição das bacias da Baía de Guanabara e de Sepetiba. O Rio de Janeiro é lindo, é a nossa casa, mas ela anda meio desarrumada. É hora de escolher bem quem a administrará.

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Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.
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