Roberto Anderson: É a habitação, estúpido!

Colunista do DIÁRIO DO RIO fala sobre mudanças no Centro do Rio

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Na semana que passou, houve o lançamento de um prédio residencial na Avenida Presidente Vargas. Um marco, em se considerando que o último edifício residencial construído ali foi o ”Balança, mas não cai”. O nome já dá conta das suspeitas que rondavam aquele edifício. Esse lançamento é também um marco para o projeto Reviver Centro, já que se dá numa das avenidas mais voltadas para a atividade de serviços daquela área. Marco maior que esse só quando sair um lançamento de edifício habitacional na Avenida Rio Branco. 

O projeto Reviver Centro tem certos exageros na oferta de vantagens para os incorporadores. Tudo bem, é do jogo. Faz parte do capitalismo selvagem que se pratica no Brasil. A Prefeitura poderia ter usado dispositivos mais civilizados, como reduzir a oferta de licenciamentos em outras áreas da cidade, direcionando a construção civil para a área central. Mas ela optou por oferecer vantagens aos investidores, que os façam trocar o lucro certo e usual de lançamentos imobiliários em bairros como a Barra, para realizá-los no Centro, ajudando a cidade a reverter o abandono daquela região.

Alguns licenciamentos de projetos residenciais já vêm ocorrendo na Prefeitura, no âmbito do projeto Reviver Centro. Eles representam possibilidades de futuras obras. Quatro são para transformação de uso de imóvel já existente e três são para novas construções. Se realizados, estarão situados na Cidade Nova, na Lapa, na Cinelândia, e em ruas acima da avenida Presidente Vargas, como Acre e Visconde de Inhaúma. Nesses locais, áreas periféricas ao setor financeiro do Centro, os projetos se beneficiam da vizinhança de alguma moradia que ali vem resistindo. Mas, eles ainda apenas rodeiam o setor financeiro, que contém a avenida Rio Branco e algumas ruas adjacentes à mesma.

Com esse lançamento na avenida Presidente Vargas, o mercado imobiliário voltado para a habitação se aproxima um pouco mais do coração do Centro, o seu setor financeiro. E por que seria importante um edifício residencial ali?  Primeiramente, pelo aspecto simbólico de quebrar uma predominância de uso, que vem excluindo a habitação por mais de um século. Essa exclusão foi originalmente baseada na expulsão de moradores pobres pela Reforma Passos. Depois, adveio a criação de uma legislação que impedia a moradia no Centro. Tal legislação foi revogada na administração Luís Paulo Conde. Outra importante consequência, seria a presença de moradores naquela área, com suas idas ao mercado, seus passeios com filhos e animais de estimação e seus olhares para os espaços públicos. Sem moradia, o Centro permanece deserto e perigoso à noite.  

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Somando-se as unidades já licenciadas até o momento, o Centro poderá ganhar 1416 novas unidades habitacionais, o que não é mau para um projeto com menos de um ano de existência. O aparente sucesso do projeto Reviver Centro deixa mais visível os equívocos cometidos na concepção do Porto Maravilha. Ali, a crença na autorregulação do mercado reinou, e o resultado é que, passados mais de dez anos, há uma total ausência de edifícios voltados para a habitação entre aqueles já construídos. Mesmo aqueles projetados para serviços e hotelaria são poucos e estão subaproveitados. Parafraseando o estrategista da campanha de Bill Clinton em 1992, “É a habitação, estúpido” a chave para a revitalização de qualquer área urbana. Se o prefeito quiser corrigir equívocos do seu projeto na Área Portuária, precisa correr, o tempo está passando.

É até possível haver uma área vibrante em certos períodos do dia, seja com negócios e serviços no período diurno, seja com bares e restaurantes abrindo à noite. Mas, como nos ensinou Jane Jacobs, sem moradores no local, e sem a conjugação de diversas atividades, não haverá vitalidade permanente. É a mistura de funções nos diversos bairros da cidade que os torna atraentes, vivos e seguros. Se o projeto Reviver Centro tiver fôlego para avançar com habitações para o coração do Centro, poderemos ver ali mudanças significativas que nos devolverão um importante pedaço da cidade. Que a memória dos antigos moradores expulsos no início do século XX nos inspire!

Este é um artigo de Opinião e não reflete, necessariamente, a opinião do DIÁRIO DO RIO.

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Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.
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