Roberto Anderson: Habitar o Centro

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A ampliação da moradia no centro do Rio de Janeiro já era algo desejável, muito antes da atual pandemia. No entanto, os efeitos advindos da necessidade de manutenção do isolamento social, aliados à percepção das facilidades do teletrabalho (home office), estão anunciando uma drástica redução da atividade comercial no Centro. Isso deve acarretar a ociosidade de uma enorme quantidade de espaços voltados para escritórios e empresas. Sua transformação em moradias pode ser uma solução para esse novo problema e para a qualidade de vida na cidade.

Ter mais pessoas morando na área central é algo que deve ser buscado com afinco pela administração municipal, uma vez que traria um benefício enorme à cidade. Já estão superadas as teses funcionalistas de que o Centro não é adequado à habitação, e a absurda legislação municipal que a impedia foi alterada na administração Luiz Paulo Conde. No entanto, ainda não se viu ali uma mudança significativa em termos de novos empreendimentos com esse propósito. A existência de moradia permanece apenas em alguns setores onde ela é mais resistente, como a Cruz Vermelha, o Bairro de Fátima e a Avenida Beira Mar. O último grande lançamento habitacional na área foi o Cores da Lapa, finalizado em 2008.

Há muitas oportunidades para se ocupar com residências o coração do Centro, como o Quadrilátero Financeiro, entre a Praça Pio X e a Avenida Nilo Peçanha, a própria Avenida Rio Branco, além de áreas próximas, como o Castelo, a Saara, a Cinelândia, a Lapa, e o entorno do Campo de Santana. Se a estas áreas acrescentássemos o potencial, até aqui não realizado, da Área Portuária, do Caju e de São Cristóvão, teríamos um volume de oferta de moradias capaz de provocar uma verdadeira revolução na ocupação do território da Cidade do Rio de Janeiro. Não mais a atual fuga em direção às bordas do tecido urbano, num indesejável crescimento espraiado, mas a realização do ideal de cidade compacta. Diferentes estratos sociais poderiam encontrar na área central respostas a suas demandas por habitação.

Morar no Centro teria diversas vantagens. Para a futura população há o fato de deixar a dependência excessiva de meios de transportes já sobrecarregados, com baixa qualidade de conforto e pontualidade. Eles são caros e sugadores de suas horas de lazer. Além disso, passariam a habitar uma região com boa infraestrutura, parques, excelentes equipamentos culturais, escolas e hospitais. Para a cidade, haveria a extensão das horas de utilização do Centro, com ganhos efetivos em termos de segurança e investimentos, como comércio e serviço para os novos habitantes. Um ganho extra seria a reforma e melhoria na manutenção do conjunto de edificações já antigas ali existente.

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Algumas propostas podem contribuir para a conquista desses objetivos:

–          Aplicação de incentivos fiscais para a criação de unidades habitacionais no Centro. Tais incentivos deveriam ser capazes de levar os proprietários de diversos imóveis fechados, e de sobrados subocupados, como na Saara, a colocarem-nos à disposição para o uso habitacional.

–          Utilização de imóveis públicos, especialmente os grandes imóveis federais presentes no Centro, para, através da reciclagem ou edificação, passarem a servir como habitação.

–          Retomada do programa Novas Alternativas, da SMH, de adaptação de sobrados e demais edificações antigas para o uso habitacional.

–          Desapropriação e colocação no mercado de imóveis em processo de deterioração. Há no Centro do Rio uma quantidade fabulosa de imóveis pertencentes a proprietários desconhecidos, famílias empobrecidas e entidades religiosas, que vêm se deteriorando ao longo de décadas, sem uso, e sem que os proprietários consigam mantê-los. Só a intervenção decisiva do poder público poderia mudar tal situação.

–          Aplicação do IPTU progressivo e da edificação compulsória a terrenos vazios, instrumentos previstos no Estatuto das Cidades, porém não regulamentados na Cidade do Rio de Janeiro. São constrangimentos aos proprietários que mantêm vagos esses terrenos para efeito de especulação, entre eles o próprio poder público. Pode parecer inusitado, mas há um imenso estoque de terras na área central do Rio, seja na Av. Presidente Vargas e adjacências, na área da Praça da Cruz Vermelha ou na Área Portuária.

O Centro do Rio, apesar dos investimentos em cultura e lazer ali realizados, à noite, é um local inóspito, abandonado à própria sorte, e submetido à ação de predadores. Esse é o resultado de um modelo de urbanismo já ultrapassado, que separava as funções na cidade. Apesar de superado, seus efeitos danosos permanecem e precisamos encarar o fato de que são necessárias políticas públicas voltadas para a reversão desse quadro. É preciso visão e coragem para aplica-las, o que até o momento tem faltado a nossos administradores. Se bem conduzido, esse seria um programa digno da Cidade Maravilhosa.

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Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.
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10 COMENTÁRIOS

  1. Para se fazer isso, mais do que somente vontade, há que se planejar e pensar em um projeto de logo prazo ; o que significa romper com paradigmas e se deixar de pensar em projetos de 4 anos, executáveis somente dentro dos intervalos a cada eleição.

  2. A revitalização seria de um todo o fim de prédios abandonados e se deteriorando com o tempo, e poderiam ser repassado por valor mensal irrisório, pois ainda assim mudaria o cenário cruel do nosso maravilhoso RJ!

  3. Bom dia, acho essa ideia maravilhosa a rehumanizaca no centro carioca , tbm daria a oportunidade de mudar o cenário caótico e feio dentro do contexto de abando que o RJ carrega a décadas por falta de gestão governamental, parabéns pela ideia

  4. O centro do Rio precisa muito de uma ação que valorize e restaure o casario antigo e lhes dêem, se não um fim social, que seja habitacional e que os governantes apoem e der suporte aos movimentos sociais bem intencionados, que fazem desses casarões abandonados moradias e cuidam, zelam pelo patrimônio da cidade, como faz a ação livre por moradia-ALMOR do qual eu faço parte dessa ocupação desde Dezembro de 1997.

  5. Bom dia
    Os governantes do Rio de Janeiro, precisam pensar na cidade do Rio para o futuro, se nao pensar desta forma, o futuro do Rio de janeiro, vai se transformar numa cidade dormitorio sem, comercio, sem moradia e com problemas sociais grande e sem soluçoes de resolver exemplo cracolandias e diversas feiras de vendas de drogas, O Estado e Prefeituras e alerj, camara dos vereadores, fazer uma reformulaçao nas secretaria da habitaçao do estado e municipal do Rio de janeiro, porque ninguem sabe que administra quem, e o pessoal inscrito para habitaçao nao sabe de quem pertecem as inscriçoes habitacionais, as favelas e outros tipos de moradiss inregular so sai se houver uma mao dos administradores do estado, desenvolver o estado do rio de janeiro nao e dificil e so criar planos de mudanças e projetos no rio de janeiro em conjunto com a populaçao, ter estrategia de mudanças de orgaos publicos estaduais e municipal e tambem criar a secretaria de transportes municipal rio de janeiro e a a secretaria de transportes metropolitano do rio de janeiro, com terminais de onibus para atender a populaçao dos municipios do rio de janeiro, este sao chamados de planos pilotos

  6. Penso que, com a redução do trânsito de veículos no Centro do Rio, o aumento da segurança na localidade e um incentivo da Prefeitura à manutenção dos prédios antigos, a ideia tem tudo para ir adiante e, com isso revitalizar a cidade, ajudando na conservação do patrimônio histórico e na preservação da memória carioca.

  7. Excelente análise quanto a um possível cenário p/ o Centro do futuro. Alguns movimentos (ainda tímidos) dão conta dessa tendência, com algumas áreas na região portuária sendo comercializadas p/ finalidade residencial e a mudança da convenção de uma série de edifícios antes comerciais e agora de ocupação mista na região central. Talvez seja por aí a única reversão possível a um crescente da evasão do centro e sua inevitável deterioração. Esse processo, no meu entendimento, pode ser abreviado, como sugeriu o Dr. Roberto, com incentivos públicos e um reordenamento das prioridades dos programas habitacionais geridos nos diversos níveis da administração pública! Cabe a nós, principalmente em um ano eleitoral, cobrar programas de governo que contemplem o pensamento urbanístico da cidade, pensando em soluções p/ essa região tão abastada e promissora que é o nosso amado centro, que na minha leitura vai do Estácio, São Cristóvão e parte do Caju até a avenida Beira Mar.

  8. Estou esperando até hoje o lançamento dos condomínios de alto padrão no Porto Maravilha com varandas e coberturas que tenham visão para a Baía de Guanabara. O centro do Rio de Janeiro é uma das poucas regiões centrais de capitais do mundo que não possuem residências. Nova York, Paris, Londres, Toronto, etc, o centro destas cidades é vibrante e possui muitos imóveis. Seria legal também a implementação de um shopping center de grande porte nas adjacências daqueles terrenos abandonados na altura da Avenida Dom Pedro II em São Cristóvão e na Avenida Francisco Bicalho. Iria valorizar em muito a região central do Rio, porta de entrada para quem desce da ponte Rio-Niterói vindo à capital, que atualmente está abandonada, degradada, suja, sem cor, cinza, sem vida. Aquela área ali da Avenida Dom Pedro II devia ter um Polo Gastronômico até a Quinta da Boa Vista para movimentar a área e toda a região da Francisco Bicalho até pegar a Avenida Presidente Vargas devia ter mais prédios sofisticados, mais arquitetura, shoppings, regiões de área verde, parques urbanos, etc. Infelizmente esse governo atual não tem VISÃO

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