Roberto Anderson: Mudanças casuísticas na legislação urbana e a insatisfação dos moradores

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Foto: Roberto Anderson

Em 2012 o Prefeito Eduardo Paes encaminhou à Câmara de Vereadores dois projetos de lei alterando a legislação urbana da cidade. Eles permitiam a elevação do gabarito de terrenos, um na Zona Portuária, atendendo a interesses do Banco Central (BC), e outro em Botafogo, que beneficiava o produtor de cinema Luiz Carlos Barreto. Com relação a este último, se tratava de um imóvel preservado, portanto só poderia passar por reformas que não alterassem sua volumetria, com a autorização do órgão de preservação municipal. No entanto, o projeto de lei permitia passar a altura do imóvel de Botafogo de três para quatro pavimentos. Urbanistas e vereadores de oposição muito criticaram tais projetos de lei por se tratarem de alterações pontuais na legislação, por iniciativa da prefeitura, contrariando o Plano Diretor da cidade, e não considerando os impactos que poderiam produzir.

Essas foram apenas algumas das várias intervenções pontuais do então prefeito. E, infelizmente, esse hábito foi seguido por seu sucessor. Em maio desse ano, Crivella usou os legítimos anseios dos professores por moradia, para arrancar da Câmara de Vereadores uma alteração na legislação incidente no entorno da Pedra da Panela, bem tombado estadual. Da mesma forma, em 2018, usando o meritório propósito de construir habitações sociais, Crivella autorizou, por decreto, esse tipo de construção na Área de Especial Interesse ambiental – AEIA das Vargens.  Assim a legislação urbana do Rio de Janeiro vai sendo alterada de forma casuística, sem estudos aprofundados, com a aceitação de uma Câmara de Vereadores dócil ou comprometida, pouco interessada em fazer valer a sua autoridade.

Essas estranhas alterações na legislação provocam situações como a que se viu na semana passada, quando os moradores do Recreio se mobilizaram e fizeram carreata contra a construção de um projeto Minha Casa Minha Vida na Rua Teixeira Heizer 350, no Recreio. A Prefeitura argumenta que, de acordo com a legislação, a obra é permitida. Sim, ela alterou casuisticamente a legislação. O que poderia ser um jogo de ganha-ganha para a cidade, termina sendo um de perde-perde.

Ao se mobilizarem, os moradores alegaram a incapacidade da infraestrutura local de receber o impacto de novos moradores, que eles avaliam sendo de mais 700 pessoas. Como a alteração da legislação se deu sem tais estudos de impacto, ficamos sem saber até que ponto esse argumento procede. Muito provavelmente esta discussão está mal posta. É possível que as centenas de novos moradores impactem negativamente a infraestrutura local. Mas pode estar havendo também, por parte dos moradores, uma reação motivada pela rejeição à futura vizinhança popular, cujos apartamentos estarão avaliados em R$ 200 mil, contra os R$ 800 mil do entorno.

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Além de alterar a legislação urbanística a seu bel prazer, sem considerar o Plano Diretor, o prefeito falha em fiscalizar as muitíssimas construções ilegais na cidade, os parcelamentos irregulares de lotes, especialmente nas Vargens, e os gigantescos condomínios verticais construídos pela milícia na Zona Oeste. Após edificadas, apenas uma parcela ínfima dessas construções irregulares é demolida, por causar algum escândalo nos jornais e nas tvs.

Os moradores, em geral, têm motivos de sobra para reclamar dos efeitos das mudanças na legislação urbana produzidas pela Prefeitura sem maiores estudos. Mas a ideia de construir habitação social em um bairro já servido por infraestrutura, ao invés de construí-la nos confins da cidade, é em si uma ideia a ser considerada.  Deve haver a possibilidade de construção de habitação social em todos os bairros da cidade, incentivando-se a mistura social no território. Mas essa ideia, para dar certo, precisa ser implementada com seriedade pela Prefeitura, sem recurso a mudanças bruscas na legislação urbana da cidade.

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Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.
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