Roberto Anderson: O meu MAM

Arquiteto escreve sobre a importância do Museu de Arte Moderna para o Rio de Janeiro

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Foto: Roberto Anderson

Boa parte dos moradores do Rio de Janeiro tem alguma boa lembrança do MAM. Meu primeiro contato com o museu foi através da sua Cinemateca. Já ouviu falar no Festival de Oberhausen? Nunca tinha ouvido falar, mas lá fomos nós, alunos cabeça do Pedro II de São Cristóvão, assistir ao festival de curtas. Curtas? É, uns filminhos inteligentes, às vezes espirituosos, que prendiam a gente tardes inteiras. Havia curtas dos lugares mais remotos do planeta, onde nem sabíamos se um dia iríamos visitar. Uma aragem na secura de atrações culturais para quem não tinha grana.

Depois, já no início da década de 1970, foram as Domingos de Criação. Todo mundo aparecia por lá para brincar de ser artista nos jardins. Havia temas, como o barbante, o corpo, etc. Era maravilhoso ver o fazer artístico ali, de repente, brotando em crianças e velhos, intelectuais e malucos. O MAM se firmava como o único centro cultural da cidade, o que aceitava as pessoas comuns, sem ser apenas em visitas escolares ou um percurso para turistas.

A seguir vieram as visitas, um pouco tímidas, ao bloco escola, onde artistas trabalhavam e ensinavam. A oficina de gravuras era das mais famosas. E a cantina era o local de encontro daquelas figuras meio estranhas, atraentes por sua singularidade. Eu, que já havia começado a ter aulas de arte na casa da artista plástica Helena Townsend, com o professor Valter Marques, também professor no MAM, me sentia autorizado a, de vez em quando, dar uma passada pelo local.

Curioso é que o contato com o espaço expositivo propriamente dito só veio depois. Até então, o MAM para mim era seu espaço público e o bloco escola, recanto dos iniciados nos cursos de arte. Adentrar o Museu, subir a sua escada escultural, passear pelos andares de exposições foi uma experiência de vida. Era ser um adulto, capaz de valorizar uma obra de Waltércio Caldas. Andar devagar, usando um tempo sem contagem numérica, por entre obras que desafiavam a sua capacidade de aceitação. Se a obra fosse muito hermética, havia sempre a possibilidade de espiar a paisagem do Parque do Flamengo e da Baía de Guanabara.

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Mais tarde vieram as reuniões no IAB-RJ, numa salinha do MAM. Dona Margarida, a secretária, Olga Verjovsky, a arquiteta com jeito de durona, mas simpática com os jovens, Jorge Moreira, sempre de roupa cinza e cabelo brilhantinado, Conde… As conversas eram sobre a cidade, suas mazelas, a arquitetura, e algum manifesto contra a ditadura militar. Eu já era quase um deles, o IAB aceitava os aspirantes e me representava.

Um dia li que uma bailarina uruguaia, Graciela Figueroa, estava ensaiando uns trabalhos curiosos por lá. Fui dar uma checada e acabei me demorando um bom tempo. Era de tarde e, pela vidraça, vi um mundo fascinante de pessoas se movendo com liberdade e alegria, mundo que depois iria me absorver por tantos anos.

E veio o incêndio. E foi uma tristeza. E tudo ficou fechado por um tempo imenso. Só restavam os jardins, agora sem o povo dos domingos da criação, sem os artistas. Acho que até os mendigos se afastaram. O cinema fechou, responsabilizado pela catástrofe. Desapareceram telas de Picasso, Miró, Magritte, Di Cavalcanti e Portinari, além de 90% da obra do artista plástico uruguaio Torres García. Demorou para o museu ser recuperado, demorou para reabrir.

Um marco após a reabertura foi o trabalho Divina Comédia, da coreógrafa Regina Miranda, que, por muitas noites, ocupou todos os espaços do MAM com centenas de bailarinos. Sob o seu comando, participei, já nos anos 1990, de uma mostra de dança, apresentando meu trabalho, ao lado de Lia Rodrigues e outros, no pavilhão do que um dia seria os pilotis do teatro. Lia afirmava que era importante discutir a linguagem e eu mais apegado à forma e à mensagem.

O MAM, projeto do grande arquiteto Affonso Eduardo Reidy, continua sendo um dos mais belos edifícios da cidade. Toca o chão com seus pilares em V, que sustentam sua caixa de vidro, e cria um espaço bojudo no térreo, onde o vento faz a festa. Ganhou a companhia do teatro previsto no projeto original, mas realizado com um que de fake. Às vezes, em seus jardins há ciclistas, mendigos e skatistas. Mas na maior parte do tempo parece isolado. Desafia seus gestores, e seu novo diretor, Fábio Szwarcwald, a reencontrarem sua alma, a lhe tornarem outra vez popular.

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Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.
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