Roberto Anderson: O Rio precisa de banheiros públicos?

Aqui simplesmente não há banheiros públicos. O transeunte que se vire, peça um favor ao bar da esquina, implore para usar o do posto de combustíveis, ou consuma algo num restaurante para ter direito ao uso do banheiro

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Quem assistiu ao filme Dias Perfeitos, do diretor Wim Wenders, pôde se encantar com o modo como o personagem central experimenta com delicadeza e prazer os vários acontecimentos banais de cada dia. Ele aprecia a luz da manhã ao sair de casa, a luz do sol filtrada entre as folhas das árvores, o rendilhado das mesmas contra a claridade do céu, a presença de um maluco num parque e o adeusinho de uma criança.

Foi possível também conhecer a excelência de alguns banheiros públicos de Tóquio, nos quais o personagem do filme realiza o trabalho de limpeza. Aparecem vários banheiros, que impressionam por sua arquitetura, pela tecnologia incorporada e, graças a trabalhadores dedicados como o personagem do filme, de uma limpeza impecável. Os banheiros de Dias Perfeitos são do projeto Tokyo Toilet, que convidou 16 arquitetos e designers para construir 17 instalações sanitárias no bairro de Shibuya.

Se o espectador carioca, e brasileiro em geral, não sentiu uma pontinha de inveja, ele não vive nessas terras. Aqui simplesmente não há banheiros públicos. O transeunte que se vire, peça um favor ao bar da esquina, implore para usar o do posto de combustíveis, ou consuma algo num restaurante para ter direito ao uso do banheiro. Mas nem sempre foi assim. Na Praça Tiradentes, por exemplo, havia um banheiro público subterrâneo que, por falta de cuidados, deteriorou, depois de ser usado por muitos anos também como local de encontros sexuais. Na última reforma da praça, na década de 1990, a sua entrada foi coberta com terra.

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No Campo de Santana havia dois banheiros públicos. Atualmente, um deles é usado como área de guarda de material pela Comlurb e o outro foi ocupado pelas gateiras do parque. Cuidam de gatos que nem deviam estar naquele parque, lar tradicional de cotias, patos e pavões. Na Quinta da Boa Vista um dos dois banheiros existentes está sempre fechado. No Parque do Flamengo os banheiros também estão fechados. E nas ruas simplesmente não há banheiros públicos.

No entanto, na gestão Conde, a licitação da Prefeitura do Rio de Janeiro para a exploração de mobiliário urbano na cidade, ou seja, abrigos de ônibus, relógios de rua e tótens de propaganda, previu a instalação de banheiros públicos. Seriam equipamentos dotados de tecnologia, com sistemas autolimpantes.

Pouquíssimos foram instalados e estes já não funcionam. Até mesmo sanitários instalados foram removidos. Exemplo disso é o acordo de 2018, entre a Prefeitura e a Cemusa, empresa responsável pelo mobiliário urbano de duas das áreas em que a Prefeitura dividiu a cidade para efeito de exploração do mobiliário urbano. Foi assinado um Termo Aditivo ao contrato então vigente estendendo o prazo de concessão à empresa. Nesse Termo, ela se comprometeu a implantar mais 120 novos abrigos e a retirar os sanitários já instalados como forma de compensação pelo aumento no número de abrigos. Muito provavelmente esse expediente se estendeu a outras áreas da cidade.

Em 2014, o atual prefeito se encantou com um projeto de mictório bem simples, as Unidades Fornecedoras de Alívio, ou UFAs, desenhadas pelo saudoso cartunista Ziraldo. Mas o genial desenhista não mandou tão bem nessa empreitada. Recursos que deveriam ir para os banheiros de qualidade previstos na licitação foram direcionados para um projeto que produziu mal cheiro em praças, até também ser descontinuado.

Permanecemos numa situação em que os dirigentes municipais continuam a ignorar as necessidades fisiológicas dos habitantes. Sofrem os muros das casas, os troncos das árvores, os cantos das edificações e demais locais que os homens encontram para se aliviar. Que o digam o granito da fachada do Theatro Municipal e suas portas laterais, alvos constantes do alívio irresponsável de passantes. Mulheres e idosos, uma parte crescente da população, não têm como se aliviar. Só lhes resta sonhar com os lindos banheiros públicos do filme de Wim Wenders.

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entrar grupo whatsapp Roberto Anderson: O Rio precisa de banheiros públicos?
Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.
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2 COMENTÁRIOS

  1. Precisa muito mais de banheiros públicos do que hospitais veterinários públicos, que, aliás, são uma aberração a existência para trato de animais de pessoas que, se possuem “pets”, o mínimo é que tivessem condições de mantê-los.

  2. Seria útil ter esses banheiros, mas a falta de educação e o desleixo crônicos do nosso povo não permitem a implantação desse serviço, pelo menos por enquanto. Primeiro é preciso que as pessoas aprendam o que significa o espaço público e a responsabilidade de cada indivíduo (e não só dos governantes) com esse espaço. Esse aprendizado só vai ocorrer quando as pessoas se sentirem verdadeiramente parte desta esfera pública. Por hora, metade da população está mais preocupada em sobreviver, e a outra metade só consegue sentir raiva ou desânimo por todo esse inferno urbano que vivemos. Quem vai ter bom senso e paciência para fazer bom uso do que é público? Nosso caminho é muito longo!

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