Roberto Anderson: Obra em casa

Arquiteto e colunista do DIÁRIO DO RIO fala sobre obra em casa

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Foto: Roberto Anderson

A gente se sente insatisfeito. Os azulejos do banheiro não são bonitos, a combinação de cores entre piso e paredes não é das mais inspiradas. Foram feitos por outro morador, outro padrão de gostos. Mas mexer para que, não é mesmo? Obra dá trabalho, melhor adiar.

Com o tempo a umidade condensada no teto começa a escurecer. Está ficando bem feio esse negócio, mas a gente segue no propósito de adiar. Obra boa é na casa dos outros. Para engenheiros, arquitetos e aficionados, é tão bom visitar uma obra, ver o progresso da mesma, as coisas se transformando E depois, ir embora.

A potência da saída da água das torneiras começa a diminuir. A do chuveiro, nem se fala. Mas o processo é lento, a gente se acostuma, adapta o banho ao filete mirrado de água. O que não se suporta para fugir de uma obra na própria casa!

Mas chega um dia em que a realidade se impõe, passa da hora de fazer essa obra. O momento no trabalho não é o ideal, nem as finanças recomendam, mas uma decisão dessas é no impulso, de forma a evitar qualquer passo atrás. 

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Feitos os orçamentos, se surpreendido com a realidade de que está tudo pela hora da morte, e se conformado com o inevitável vermelho na conta, fecha-se a empreitada com o mestre de obras. Ele rapidamente traz equipamentos, sacos, e roupas de serviço. Um canteiro de obras se instala na sua sala. Ele deve saber que se não agir rápido, o cliente periga voltar atrás. 

Tomada a decisão, manda a educação que a gente avise os vizinhos. Obra em casa é um desastre que afeta todos à nossa volta. Dá pena as marteladas que virão sobre as suas cabeças, a trepidação que vai infernizar os seus dias. Mas o consolo é que já se aturou o ruído de outras obras vindas de lá. É a vida em condomínio.

Plásticos pretos são estendidos sobre os móveis. Formas imprecisas dão conta de ali era o sofá onde até outro dia se assistia aos telejornais e às séries preferidas. A quebradeira começa e a poeira se espalha por todos os cômodos. Aquele quarto de serviço, um dia transformado em escritório, mas depois abandonado para se transformar no espaço dos entulhos, é o refúgio que resta. 

O banheiro já está no osso, os tijolos até aparecem aqui e ali. Mas a sua transformação no belo cisne ainda está distante. O momento é de viver com as poucas peças de roupa acessáveis e os utensílios recolhidos aleatoriamente. A vida não para, é necessário continuar a trabalhar no espaço exíguo entre as tralhas acumuladas no quartinho. O rombo nas finanças já está em curso, com tendência de alta, mas a esperança é a última que morre.

Em breve um belo banheiro, de visual clean, estará pronto, assim é esperado. A gente já se vê contente com a obra realizada. Mas que diabos, já se começa a perceber que pintura da sala e dos quartos está meio gasta, a pedir uma renovação. Será? Melhor adiar…

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Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.
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