Roberto Anderson: Repensando o Porto Maravilha

'O Porto Maravilha é uma operação consorciada. Diferentemente do que ocorreu na urbanização da Barra da Tijuca, quando o poder público arcou com os investimentos em infraestrutura'

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O Estatuto das Cidades, de 2001, reuniu legislações anteriormente existentes a novas propostas, longamente defendidas por arquitetos e urbanistas. Entre elas estão a outorga onerosa e as operações consorciadas. A primeira se refere à possibilidade de a municipalidade estabelecer um índice mínimo de aproveitamento do terreno, ou seja, quantas vezes a medida da sua área pode servir de parâmetro para o direito líquido e certo de se edificar. Assim o índice 1 permitiria ao proprietário edificar o correspondente a uma vez a área do terreno. Tudo o que passasse desse índice seria mediante pagamento à municipalidade. Já a operação consorciada permite estabelecer por lei um perímetro onde essa outorga onerosa se dará e a exigência de que os recursos auferidos serão investidos na área definida pela operação.

O Porto Maravilha é uma operação consorciada. Diferentemente do que ocorreu na urbanização da Barra da Tijuca, quando o poder público arcou com os investimentos em infraestrutura, e o capital imobiliário capturou os ganhos com a enorme valorização dos terrenos, o projeto buscou, acertadamente, recuperar os investimentos públicos. Através do leilão das Cepacs, os Certificados de Potencial Construtivo, ou seja, o potencial de construção acima do índice 1, a Prefeitura intencionou levantar recursos para pagar os investimentos, como a demolição da Perimetral, a construção do Túnel Marcelo Alencar, as novas galerias de águas pluviais, etc.

Essas obras, por terem  sido extremamente custosas, obrigaram a emissão de um volume alto de Cepacs, obtido com a elevação dos gabaritos da área, que variam de 30 a 50 pavimentos. Na falta de compradores no momento do seu lançamento, a Prefeitura foi socorrida pela Caixa Econômica Federal que, de uma vez, arrematou a totalidade dos certificados disponíveis.

O tempo mostrou que esse não foi um bom negócio para a Caixa. A sua entrada no negócio teve, obviamente, uma interferência política. Na sequência advieram a crise econômica do governo Dilma, a do governo Bolsonaro e a pandemia. Sem liquidez, a Caixa deixou de fazer repasses ao consórcio de empresas privadas responsável pelos investimentos e pela manutenção da área do projeto, o que levou a Prefeitura a reassumir ali os serviços públicos.    

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A situação atual é de aguda crise econômica, sem perspectivas de saída a curto prazo, baixos investimentos da construção civil, uma Área Portuária que ainda não conseguiu entregar as suas maravilhas e um grande volume de certificados parados, em posse da Caixa Econômica. É necessário pensar saídas.

A relação entre o volume de Cepacs e o estoque de terrenos para sua aplicação se encontra estática. Se o valor delas fosse reduzido, a Caixa arcaria com o prejuízo, pela diferença de preço que pagou pelas mesmas. Mas e se o estoque de terrenos fosse ampliado? Talvez houvesse um aumento da demanda pelos certificados, facilitando a sua saída. Isso poderia se dar com a incorporação de bairros vizinhos à Área Portuária à Operação Consorciada do Porto Maravilha. O Caju e São Cristóvão, com enormes possibilidades de edificação, seriam bons candidatos a integrarem a Operação.

Como a Operação do Porto Maravilha é fruto de uma lei, a ampliação da sua base territorial teria que se dar por nova lei a ser votada na Câmara de Vereadores. Seria também uma oportunidade para se corrigir dois graves problemas do projeto: a ausência de um Estudo de Massa, que defina que imagem urbana se deseja alcançar, e a reserva de terrenos para a habitação, especialmente a habitação social, a grande ausente do projeto.

A paralisação do projeto Porto Maravilha não é boa para a cidade, nem para a construção civil. Decisões que rompam a atual inércia precisam ser tomadas. É hora de se buscar propostas e soluções. 

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Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.
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