Roberto Anderson: Reviver o Centro

A necessidade de ver a região central da cidade revigorada

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E novamente o centro do Rio de Janeiro se encontra numa situação difícil, ameaçado de decadência, e objeto de um projeto de revitalização. Ao longo de sua história foram inúmeras as idas e vindas, os ciclos de esvaziamento e retomada do Centro. Essa “decadência”, no entanto, está sempre associada à maior presença das classes mais desfavorecidas, sejam os moradores dos cortiços do fim do século XIX, sejam os ambulantes dos anos 1980, sejam agora os moradores de rua, os sem teto, cada vez mais numerosos ali.

O primeiro esvaziamento da área, quando ainda não era o centro, mas sim a quase totalidade da cidade, se deu com a chegada da família real, no início do século XIX. Com a ida desta última para São Cristóvão, a área se tornou o centro de uma cidade expandida, e perdeu a moradia das famílias abastadas. Foi então ocupada por trabalhadores, imigrantes e, após o fim da escravatura, por negros libertos, muitos vindos da Bahia. As reformas urbanas do período Pereira Passos expulsaram essa população através da demolição de suas moradias e do que hoje chamaríamos de um processo de gentrificação. As moradias dos pobres foram substituídas por escritórios, lojas e sedes bancárias. Mais tarde, o Decreto Municipal 322, de 1976, chegou a proibir a edificação de moradias na área, proibição essa só alterada pela Lei do Centro, a Lei nº 2236/1994.

O Centro retomado pelas classes dominantes se tornou uma vitrine da cidade, com suas lojas de moda e cafés. Depois, por volta de década de 1950, o Centro passou a sofrer a concorrência de outros bairros, como Copacabana, Tijuca, Méier, Madureira, Botafogo e Ipanema, que passaram a receber funções antes restritas àquela área. Mas ele se manteve como centro principal, lugar de chegada de vários sistemas de transportes, como os trens, as barcas e até mesmo aviões, e lugar de maior concentração de postos de trabalho.

A mudança da capital para Brasília, na década de 1960, o Plano de Lucio Costa para a Barra da Tijuca e Jacarepaguá na década de 1970, e a crise da Bolsa do Rio, com a consequente transferência do setor financeiro para São Paulo foram baques importantes que, na década de 1980, se refletiram numa decadência física dos espaços públicos do Centro, na fuga das grandes empresas e na afluência do comércio ambulante, que tomou todos os espaços disponíveis.

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Segundo Villaça, a decadência do centro do Rio de Janeiro naquele período, quando comparada às de outros centros de metrópoles brasileiras, era menos acentuada, já que foi menos abandonado como local de emprego das classes de mais alta renda. Segundo o autor, a longa tradição de uso pela burguesia ajudou “…a manter a vida no centro e a nele reter os empregos de classe média para cima, conservando a vitalidade imobiliária.”[1] A grande oferta de equipamentos culturais e o comércio qualificado também ajudaram a manter a vitalidade do centro do Rio de janeiro, mesmo com todos os problemas que vinha enfrentando.

A reação do poder público na década de 1990, com intensa participação da Subprefeitura do Centro, se deu através das ações de controle urbano, que disciplinaram a atividade de comércio ambulante, e a requalificação dos espaços públicos, por investimentos públicos, ou por parcerias público-privadas. Tais ações foram suficientes para o retorno do comércio de luxo, a abertura de universidades privadas, e o retorno de empresas.

A crise atual se mostra mais preocupante. O esvaziamento provocado pela pandemia e agravado pela má administração anterior parece dizer que já não basta uma intervenção de ordenamento urbano ou de embelezamento. As condições descritas por Vilaça talvez já não existam. O trabalho presencial nos escritórios está esvaziado desde o início da pandemia e não deverá retornar aos patamares anteriores. Assim, o Centro que só conta com moradias nas suas áreas periféricas, como a Lapa e o Bairro de Fátima, perdeu a atividade que pelo menos lhe dava vida em uma parte do dia.

Como dito acima, desde 1994 é permitido a construção de habitações no Centro. Mas o mercado imobiliário não reagiu. A contínua concessão de licenças para edificação em outros bairros, especialmente na Barra da Tijuca e no Recreio, e a sinalização efetiva do poder público de que esses eram locais favorecidos para investimentos públicos, talvez ajude a explicar a inércia da função habitacional no Centro. Assim, só uma demonstração clara do poder público de que deseja incentivar moradias naquela área, inclusive com isenções fiscais, como se anuncia no projeto Reviver Centro, poderá alterar o quadro atual.    

Acertadamente o projeto também dá isenções fiscais à reconversão de edifícios de escritórios em prédios habitacionais. Essa é uma excelente oportunidade para o mercado imobiliário, já que boa parte dos edifícios do Centro padecem de decadência tecnológica. Um número altíssimo desses edifícios, construídos entre as décadas de 1920 e 1970, têm espaços internos pequenos, que não mais condizem com as necessidades das empresas, mesmo antes da pandemia. Faltam-lhes recursos tecnológicos e conforto, demandados pelas mesmas, como ar-condicionado central, serviços avançados de telefonia, saídas para equipamentos de informática, elevadores inteligentes, segurança, administração monitorada por circuitos internos de TV, etc. Assim, é bem possível que o mercado imobiliário abrace essa oportunidade de ouro. Mas atenção, o risco de se deixar os pobres de fora é sempre tentador.

Há ainda um fato que, na nossa tradição de planejamento frouxo, precisaria ser modificado. Trata-se da liberalidade na concessão de licenças para edificação. Apesar do atual Plano Diretor sinalizar prioridades, elas não se manifestam no efetivo direcionamento pelo poder público da concessão de licenças para edificação. Esse modelo tornou inócua a oferta de espaços para edificação na Área Portuária e poderá sabotar o Reviver Centro. Estaremos dispostos a exercer um planejamento mais impositivo ou permitiremos que o mercado imobiliário defina suas próprias prioridades? A saber…    

  

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Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.
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