Roberto Anderson: Revolução solar

A Revolusolar, associação sem fins lucrativos, formada por lideranças da comunidade da Babilônia se propõe a levar energia solar a comunidades do Rio de Janeiro

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A crise climática já é uma realidade. Esta é uma afirmação que até os negacionistas têm dificuldades em refutar. A situação atual do Paquistão, em que um terço do país se encontra debaixo d’água, é um exemplo dos riscos a que diversos países estão sujeitos. Uma característica da crise é a ocorrência de eventos extremos, seja na forma de chuvas e tempestades além do usual, seja a ocorrência de secas, como a que atualmente castiga a China. Infelizmente, nos últimos anos o Brasil passou a contribuir fortemente para essa crise, ao incendiar a Floresta Amazônica.

Uma das formas de combater o aquecimento global é a transição para uma economia descarbonizada, que não mais lance na atmosfera gases que provocam o efeito estufa. Por essa razão, é fundamental a busca pela ampliação do uso de energias renováveis, entre elas a solar.

Além de ser uma fonte renovável, a energia solar não tem custos na sua origem, já que, até o momento, a luz solar é de todos. No entanto, a captação dessa energia exige equipamentos que não são facilmente acessíveis por famílias de baixa renda. A Revolusolar, associação sem fins lucrativos, formada em 2015 pela união dos esforços de lideranças da comunidade da Babilônia com empreendedores sociais de fora da favela, se propõe a levar energia solar a comunidades do Rio de Janeiro. É uma iniciativa interessantíssima, e revolucionária, como o seu nome indica. É a construção da sustentabilidade ambiental na prática.

Os primeiros imóveis a receberem as placas de captação de energia solar do projeto foram dois estabelecimentos comerciais situados nas favelas Babilônia-Chapéu Mangueira. Nesse início foi usado um financiamento da AgeRio, que diluiu os custos no tempo. Em seguida, foi feita a instalação numa escola comunitária local, financiada através de captação num fundo sócio-ambiental. A instalação dos equipamentos foi feita sem custos para a escola, que passou a ter uma economia da ordem de milhares de reais por ano. O projeto ainda capacita moradores, para que eles instalem as placas e façam a sua manutenção, o que gera empregos locais. Aliado a isso, o projeto realiza oficinas com crianças para sensibilizá-las para as questões da sustentabilidade e da energia renovável.

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Nessas comunidades, onde o projeto teve início, verificou-se que, ao contrário do que comumente se acredita, a maioria da população paga pela energia. E paga caro, já que a porcentagem do seu orçamento gasta com energia é maior do que em residências de maior poder aquisitivo. A cobrança da energia tradicional é feita por uma estimativa de consumo, através da divisão do consumo total da comunidade pelas unidades conectadas. Se uma família se ausenta, a cobrança ocorre da mesma forma. Além disso, no morro a energia costuma cair com mais frequência do que em outras áreas. E quando cai, o reparo tarda mais a acontecer, uma demora que pode ser de dias. Tais circunstâncias tornaram a possibilidade de uso da energia solar bastante atrativa.

Outro aspecto a ser ressaltado é o progressivo barateamento dos equipamentos de energia solar, o que, a médio prazo, a torna competitiva. Na última década, a tarifa de energia residencial teve um aumento de 105%, enquanto os custos dos equipamentos de energia solar tiveram uma queda de 85%. Nesse quadro de aumento do valor da energia tradicional e queda do valor da energia solar é que se encontra a oportunidade de popularizar o seu uso.

Com o apoio de duas empresas chinesas, fabricantes de equipamentos de energia solar, a Revolusolar deu início também a um projeto piloto de cooperativa para a geração compartilhada de energia solar. É a primeira cooperativa de energia solar em favelas no Brasil. Os equipamentos ficam centralizados no telhado da sede da associação de moradores, imóvel com mais condições de suportá-los. A energia gerada propicia créditos, que são apropriados cooperativamente pelas 34 famílias atualmente envolvidas. Esses créditos significam uma economia de cerca de 40% nas contas de luz das mesmas, economia essa que, em parte, é utilizada para remunerar os trabalhadores locais do projeto e a sua expansão. A meta é alcançar 60 famílias ainda em 2022.

O desenvolvimento do projeto para mais áreas da Babilônia-Chapéu Mangueira, bem como para outras comunidades, traz a possibilidade de, a longo prazo, as favelas não só gerarem toda a energia que consomem, como também gerarem excedentes que poderão ser comercializados externamente. Assim, a energia solar permitiria não só a ampliação de atividades econômicas nas comunidades, como também uma possível renda extra com a venda de excedentes.

Mais recentemente, a Revolusolar expandiu sua atuação para duas novas áreas: o Circo Crescer e Viver, na Cidade Nova, e uma comunidade indígena da Amazônia. Nesses dois locais está sendo repetido o tripé de ações do projeto, constituído pela instalação da energia solar, a capacitação de moradores para realizarem a instalação e manutenção, e oficinas de educação ambiental com crianças. Na Cidade Nova e no Estácio, há a ambição de criar os primeiros “bairros solares” do Brasil, com a instalação de placas em condomínios populares e equipamentos de cultura, em parceria com a Prefeitura.

O uso da energia solar, apesar de ainda pouco desenvolvido no Brasil, tem enormes possibilidades de crescimento. Segundo Eduardo Ávila, economista diretor executivo da Revolusolar, as condições de insolação aqui são excepcionais, o que inclui o Rio de Janeiro. O estado com menor potencial de insolação, Santa Catarina, recebe 40% mais insolação do que a Alemanha, líder mundial na área. Além disso, as maiores reservas mundiais de quartzo, mineral utilizado na fabricação das placas solares, estão no Brasil.

O dinamismo e inventividade de uma associação como a Revolusolar é fundamental para se dar início ao processo de transição energética que precisamos fazer. Iniciativas semelhantes vêm ocorrendo em outras cidades do Brasil. Mas a sua capacidade de ação é limitada pela carência de recursos. O poder público poderia ter um papel importante no fomento a essas ações. Os próximos governantes a serem eleitos precisam ser sensibilizados para a urgência da crise climática e da ação dos governos para a transição energética.

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Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.
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