A Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro é uma das mais antigas instituições do país. Teve gloriosa existência até a perda da administração cemiterial na cidade, em 2014, em meio aos escândalos protagonizados pelo ex-provedor Dahas Zarur e sua quadrilha, que falsificavam papéis para vender irregularmente imóveis da instituição, além de nos próprios cemitérios. Defenestrados definitivamente, a instituição passou a lidar com os reflexos da criminosa administração do falecido dirigente, condenado criminalmente, e de seus antigos comparsas, que ainda hoje exercem ilegalmente a posse de algumas propriedades, e tentam cobrar judicialmente valores aos quais, mediante fraudes e golpes, acabaram por se tornar credores. Desde o final de 2023, a instituição, através da nova administração do juiz Francisco Horta, começou a se recuperar, reestruturando-se, recuperando ativos, anulando decisões judiciais baseadas em fraudes e documentos forjados, como já tratamos aqui.

A irmandade católica, dona do mais antigo hospital do estado, também vem retomando imóveis, regularizando ocupações, despejando invasores e inadimplentes, e trabalhando para conseguir quitar suas dívidas fiscais e trabalhistas, através de um Plano de Amortização de Dívidas que vem colocando suas finanças aos poucos, em ordem. Mas ainda alguns reflexos do passado ainda assombram a instituição: em julho de 2024 a entidade recebeu do Ministério Público do Trabalho uma impressionante multa no valor de R$ 1.972.392.072,75, por conta de questões trabalhistas relacionadas com antigos funcionários de um Educandário que mantinha no bairro do Flamengo. O procurador do trabalho Marco Antônio Sevidanes da Matta pediu ao juízo da 58a. Vara do Trabalho a homologação da exorbitante quantia, que era resultado da multiplicação hiper-geométrica de uma multa diária de R$ 500,00 aplicada, por cada funcionário da instituição, lá pelos idos dos anos 2000.

A multa, cujo valor estapafúrdio foi contestado pelos advogados da Santa Casa, representada pelo escritório Osthoff & Sant’Anna Gomes, acabou sendo excluída pela magistrada Natália Queiroz Cabral Rodrigues, sob a alegação de que era abusiva. A juíza mencionou que sequer havia o MP apresentado as memórias de cálculo, e acabou assim anulando a cobrança bilionária à instituição filantrópica que realiza o atendimento de mais de 600 pessoas por dia em seu Hospital Central, na Rua Santa Luzia, sem contar no Hospital da Gamboa, no seu Asilo de Jacarepaguá e no histórico Hospital Nossa Senhora das Dores, em Cascadura, onde suas instalações integram o projeto Seguir em Frente, da Prefeitura do Rio, que atende às populações vulneráveis.

A Crise até a aprovação do Plano de Amortização de Dívida que está salvando a Santa Casa

Durante anos, a crise impediu a entidade filantrópica de honrar a maior parte dos seus compromissos e despesas básicas, levando à abertura de centenas de ações judiciais, gerando uma ação trabalhista conjunta chamada de Regime Especial de Execução Forçada na Justiça Laboral (REEF), conduzida por mais de 1.000 ex-funcionários. No REEF, credores de processos trabalhistas já transitados em julgado, acionam a Justiça para ter acesso aos valores que lhes são devidos. A Santa Casa teve boa parte da sua renda penhorada para amortização da dívida, e há pouco mais de quatro meses três prédios residenciais de sua propriedade localizados na Praia do Flamengo 186, foram vendidos por 78 milhões de reais, que serão inteiramente revertidos para quitação destes débitos. Quase todos nos apartamentos haviam sido invadidos, e espera-se para logo o despejo dos ocupantes ilegais e a entrega dos edifícios aos compradores, que pretendem fazer o retrofit da estrutura, a ser alvo de um lançamento imobiliário.

O advento do Plano de Amortização da Dívida Trabalhista (PAD)  permitiu à Santa Casa proteger seus imóveis rendeiros, que foram isolados da execução, contra o compromisso da instituição de fazer um recorrenter pagamento mensal para atender ao conjunto de credores. Pelo PAD ficou estabelecido um regime de pagamento das dívidas que viabilizou negociações, com deságio dos créditos ali inscritos, algo impensável até aquele momento.

Com isso, ocorreu a retomada das operações das atividades paradas – a entidade já retomou os atendimentos médicos e também está trabalhando em conjunto com a Prefeitura no Projeto Seguir em Frente, que busca reabilitar moradores de rua. A instituição vem atuando para diversificar suas fontes de receitas; recuperar a capacidade de crédito e reutilizar ou liberação as fontes de rendas constringidas; aplicar novos mecanismos de governança e transparência; reduzir e mapear os excessos de passivos ajuizados; além de revisão de custos, com foco na inovação e na sustentabilidade, sem contar uma grande auditoria que vem sendo realizada na sua área imobiliária, agora a cargo do novo Mordomo dos Prédios, o empresário Cláudio André de Castro. A instituição também tem anulado penhoras na sua renda que sufocavam sua capacidade de manter-se em funcionamento.

No ano de 2024, a entidade conseguiu anular mais de 200 milhões em cobranças fraudulentas, recuperou mais de 300 milhões em ativos imobiliários, obteve a posse de dezenas de imóveis, conseguiu reorganizar sua dívida trabalhista através da venda de ativos, pagou salários atrasados e tem feito uma grande auditoria interna, tudo levado a termo pela nova administração empossada pelo Provedor Francisco Horta. “O caminho a ser percorrido é longo mas foi um ano de muitos avanços”, explica o Mordomo dos Prédios. A entidade, através do Diretor Geral André Horta, também passou a realizar constante manutenção das dependências do Hospital Geral, o que tem melhorado a sensação de quem circula no imóvel histórico, que vem ganhando pintura e reparos.

Para festejar as importantes conquistas, a Irmandade de Nossa Senhora da Misericórdia e Santa Isabel, entidade católica que fundou e dirige a Santa Casa, vai reabrir sua monumental Igreja de Nossa Senhora do Bonsucesso ao público para uma Missa Solene por ocasião de seu 443o. aniversário, em Março.

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