Após a gestão desastrosa e criminosa do ex-provedor Dahas Chade Zarur, afastado do comando da instituição pelo Ministério Público, por conta de denúncias de corrupção envolvendo desvio de patrimônio e de recursos destinados ao trabalho social da entidade de 442 anos, a Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, cujo atual provedor é Francisco Horta – juiz e ex-presidente do Fluminense conhecido por seu tom conciliatório e pelo bordão “vencer ou vencer” = passa por um processo de reestruturação que tem trazido novos tempos à irmandade católica fundada pelo padre José de Anchieta na rua Santa Luzia, no Centro da cidade.
Os problemas gerados pelo caos da gestão Zarur não foram poucos e geraram graves perdas patrimoniais e financeiras que culminaram com a suspensão da administração de grande parte dos cemitérios da cidade, que estavam a cargo da entidade desde 1850; o cancelamento de verbas governamentais destinadas às suas diversas obras sociais e o descredenciamento junto ao Sistema Único de Saúde, o que deixou na época a Santa Casa em grave aperto financeiro.
A crise impediu a entidade filantrópica de honrar a maior parte dos seus compromissos e despesas básicas, levando à abertura de centenas de ações judiciais, gerando uma ação trabalhista conjunta chamada de Regime Especial de Execução Forçada na Justiça Laboral (REEF), conduzida por mais de 1.000 ex-funcionários. No REEF, credores de processos trabalhistas já transitados em julgado, acionam a Justiça para ter acesso aos valores que lhes são devidos. A Santa Casa teve boa parte da sua renda penhorada para amortização da dívida, e há pouco mais de dois meses três prédios residenciais de sua propriedade localizados na Praia do Flamengo, na Zona Sul do Rio de Janeiro foram vendidos por 78 milhões de reais, que serão inteiramente revertidos para quitação destes débitos.
Na reestruturação que está sendo promovida pela nova administração, o andamento jurídico e a estratégia de gestão judicial está aos cuidados do advogado Maurício Osthoff, especializado em gestão de crises. Graças a este trabalho, os prédios do Flamengo não foram leiloados por um preço muito abaixo do mercado, pois seus esforços perante a Presidência do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região provaram a existência de vícios no procedimento da expropriação dos edifícios, anulando os leilões que haviam sido realizados por valores baixíssimos.
As empresas que haviam arrematado os prédios por preço vil, ligadas a um dos maiores bancos de investimentos da América Latina, entraram com um recurso junto ao Órgão Especial do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) – instância revisora dos atos da Presidência e da Corregedoria do Tribunal. Osthoff e seu time jurídico, por sua vez, recorreram à Lei de Recuperações e Falências, a partir do princípio da maximização dos ativos, conseguindo autorização para buscar no mercado uma proposta formal de aquisição pelos três prédios, em conjunto.
Foi assim que um grupo ligado à Performance Incorporadora firmou uma proposta por R$ 25 milhões a mais do que o lance dos arrematantes, servindo de base pro cancelamento do leilão. Tudo isso também serviu para se comprovar a existência de falhas processuais e a necessidade de se manter a anulação dos leilões das edificações, uma vez que o processo era altamente prejudicial ao patrimônio da Santa Casa do Rio.
Depois de confirmar a anulação dos leilões e recuperar os prédios, Osthoff deu início à elaboração do Plano de Amortização da Dívida Trabalhista (PAD) da Santa Casa, determinando como bens dados como garantia da execução, os próprios imóveis do Flamengo, mas com o preço reforçado nos R$ 25 milhões extras. “A assertiva decisão do Órgão Especial do TRT da 1ª Região, não só reconheceu os vícios perpetrados no processo expropriatório dos edifícios do Flamengo, como, finalisticamente, concedeu uma nova possibilidade de vida à Santa Casa, inaugurando o seu plano de reestruturação trabalhista, viabilizando alternativas equilibradas de pagamento do passivo, além do desestrangulamento das suas atividades operacionais”, disse o advogado à Tribuna da Imprensa.
O PAD então foi homologado, permitindo à Santa Casa proteger seus bens rendeiros, que foram isolados da execução. Pelo PAD ficou estabelecido um regime de pagamento das dívidas que viabilizou negociações, com deságio dos créditos ali inscritos, algo impensável até aquele momento.
Entre as ações previstas para o soerguimento da Santa Casa do Rio estão: a retomada das operações das atividades paradas – a entidade já retomou os atendimentos médicos e também está trabalhando em conjunto com a Prefeitura no Projeto Seguir em Frente, que busca reabilitar moradores de rua; diversificar suas fontes de receitas; recuperar a capacidade de crédito e reutilizar ou liberação as fontes de rendas constringidas; aplicar novos mecanismos de governança e transparência; reduzir e mapear os excessos de passivos ajuizados; além de revisão de custos, com foco na inovação e na sustentabilidade, sem contar uma grande auditoria que vem sendo realizada na sua área imobiliária, agora a cargo do novo Mordomo dos Prédios, o empresário Cláudio André de Castro.
Casos Célebres de lesão ao Patrimônio
Em agosto deste ano, o DIÁRIO DO RIO repercutiu que a nova administração já havia conseguido anular uma decisão judicial da 8ª Vara Cível da Capital que premiava de forma incomum o ex-advogado da casa, Alexandre Barreira de Oliveira, com R$ 127 milhões de honorários, por menos de 6 meses de serviços prestados – de advocacia de partido – à irmandade católica. O caso foi revelado pelo jornalista Ancelmo Gois. Barreira foi advogado da gestão Zarur. Em 05/04/2013, quatro meses antes da prisão e afastamento de Zarur, Alexandre Barreira foi contratado. O seu contrato foi rescindido no dia 14/10/2013, pelo seu sucessor, o provedor Luís Fernando Mendes de Almeida, que assumiu a Santa Casa no lugar de Dahas.
Com a rescisão, Barreiras acionou a Justiça reivindicando a soma dos supostos pagamentos futuros do seu contrato, que previa uma prestação de serviços por 10 anos, pelo valor aproximado de 150 mil reais mensais (levando em conta o número de processos em abril de 2013). Alexandre Barreira teve uma inesperada sentença favorável na 8ª Vara Cível da Capital, sob titularidade do juiz Paulo Roberto Correa, conhecido também por ter proferido decisões polêmicas envolvendo o Clube de Regatas Vasco da Gama, seu time do coração.
O advogado Maurício Osthoff, por sua vez, entrou com um recurso contra a decisão, obtendo o reconhecimento em segunda instância do grave prejuízo sofrido pela Santa Casa da Misericórdia pela condenação, anulando o suposto débito milionário. “Trabalhar menos de 6 meses e querer receber honorários de 10 anos cobrando pelos processos futuros como se existissem hoje, é como se as galinhas resolvessem cobrar pelos ovos que ainda não puseram”, brincou, na ocasião, o Mordomo dos Prédios – nome dado ao diretor de patrimônio da instituição quadricentenária.
“A precisa decisão dos Desembargadores do TJRJ reconheceu a ausência dos requisitos de liquidez, certeza e exigibilidade do título executado por Barreira, trazendo luz aos equívocos originários e provendo o controle jurisdicional adequado ao caso concreto“, disse Maurício Osthoff ao DIÁRIO DO RIO, na época.
Barreira saiu do episódio na pior, pois após o tribunal revogou a sentença que dava ao advogado os 127 milhões, condenando-a ainda a pagar 12,7 milhões de reais. Barreira, que é dono do sobrado número 13, na Travessa do Comércio, onde morou Carmem Miranda, que ficou célebre após desabar há alguns meses após anos de descaso – recorreu ao Superior Tribunal de Justiça para everter o fracasso. Para tanto, contratou os serviços do advogado Paulo Salomão, sobrinho do Ministro Corregedor Luís Felipe Salomão, que havia sido criticado pelo então Ministro e Presidente do Conselho Nacional de Justiça, Luís Roberto Barroso, que alegou excessos em algumas decisões contra juízes que atuaram na Lava Jato.
O novo jurídico da Santa Casa da Misericórdia entrou ainda com uma ação para anular um segundo crédito de mais 90 milhões de reais, cobrado por Barreira, por outro contrato de advocacia civil, que também teria sido prestado à gestão Zarur. O contrato também foi cancelado, e “o advogado tenta cobrar todas as prestações futuras, mesmo sem saber quais seriam os processos do futuro”, afirmou Cláudio André de Castro. Segundo informações de fontes ouvidas pelo DIÁRIO, o mesmo advogado teria ajuizado processos semelhantes contra Universidades e Clubes de Futebol, entre outras instituições. Há mais duas ações de ex-advogados da Santa Casa tentando cobrar honorários descabidos em circunstâncias bastante suspeitas, que a entidade já se move para anular.
“A nova gestão da SCMRJ tem incansavelmente buscado – além do esforço de implantação e aperfeiçoamento da governança associativa – uma série de alternativas para afastar o cenário de insustentabilidade institucional que lhe foi legado pela desastrosa gestão do Provedor Zarur”, afirmou Castro, acrescentando que o procedimento de concentração das execuções foi uma das maiores vitórias da gestão do juiz Francisco Horta, que, juntamente, com a nova diretoria da entidade que possui 181 irmãos-membros, tem reestruturado a gestão dos passivos ajuizados, e reposicionado os ativos estagnados, diversificando as fontes de receita da entidade.
Patrimônio Imobiliário sendo Recuperado
A equipe da Santa Casa do Rio está organizando o inventário do patrimônio imobiliário da instituição e revendo os contratos vigentes em todas as áreas da entidade, com o objetivo alavancar as receitas e reduzir as despesas. Há ainda diversos imóveis da Santa Casa ocupados irregularmente por invasores e criminosos, sendo emblemático o caso do Edifício Frei Miguel de Contreras, na Rua Gonçalves Dias, 82, cujos escritórios são invadidos por camelôs liderados por um ex-funcionário da entidade que chegou a ser condenado criminalmente por fraudes na gestão Zarur. Há um grande depósito de mercadoria ilegal no prédio, que fica quase na esquina da rua do Ouvidor.
Ao mesmo tempo, em poucos meses a Mordomia dos Prédios retomou dezenas de imóveis que se encontravam invadidos e em alguns casos conseguiu regularizar a situação dos ocupantes, que muitas vezes foram enganados por pessoas que se diziam donas dos imóveis, normalmente com base em documentos fraudados, na maior parte das vezes instrumentos particulares trazendo garranchos ilegíveis, e na maior parte das vezes sequer com testemunhas. Só na região da Praca XV, a equipe de Castro organizou a retomada de 6 prédios; no Largo de São Francisco, a antiga sede da Casa Cruz foi retomada e já está em obras, tendo sido alugada a uma varejista. Um edifício de 8 andares na rua do Rosário também foi retomado e já começa a ter suas salas alugadas. Há também uma vila inteira em Niterói, uma na Praça da Bandeira e outra em São Cristóvão, sem contar uma outra na rua Santa Alexandrina, que sofrem com o problema das invasões, e que estão na mira da nova administração da entidade para o ano que vem. “Nossa prioridade é pagar nossos funcionários. Iremos até a última das conseqüências para que eles recebam o que lhes é devido e para manter a obra social de São José de Anchieta”, diz Cláudio.
A Santa Casa opera ainda vários hospitais, asilos e educandários especializados em atender a população mais necessitada, com relevantes serviços à Cidade do Rio de Janeiro. A Igreja de Nossa Senhora do Bonsucesso, a mais antiga do Centro do Rio, pertence à irmandade e deve ser reaberta para uma Missa Solene em Ação de Gracas por um ano cheio de boas notícias, no próximo dia 12 de dezembro, às 11:30 da manhã.
Quem foi Dahas Chade Zarur
Dahas Zarur, controverso personagem que também atuava como advogado, assumiu o cargo de provedor do hospital, equivalente à posição de presidente, em 2004. Ele foi afastado cargo desde agosto de 2013, após ser investigado por fraudes relacionadas à venda de imóveis e sepulturas. Esses casos foram objeto de denúncias em reportagens em toda a mídia brasileira e no programa “Fantástico”, da TV Globo. Zarur fazia parte da entidade há 60 anos, tendo iniciado sua trajetória como escrevente. Em julho de 2013, foi reeleito pela irmandade, pouco antes de ser afastado por determinação judicial. Em agosto do ano anterior, a Delegacia Fazendária, em uma operação conjunta com o Ministério Público, cumpriu 16 mandados de busca e apreensão em dois imóveis de Zarur, em 13 cemitérios e na administração da Santa Casa, conforme ordem da então juíza da 20ª Vara Criminal, Maria Elisa Peixoto Lubanco.
Durante seu longo período como provedor, Zarur acumulou um patrimônio significativo, principalmente na área considerada mais nobre do Leblon, incluindo a Avenida Delfim Moreira e a Rua General Artigas, na quadra da praia. Uma análise das certidões de registro de imóveis de Zarur nos 20 anos anteriores à sua morte revelou uma quantidade significativa de imóveis vendidos por ele no Centro. Um único comprador adquiriu sete propriedades no mesmo dia: 30 de dezembro de 2008. Um exemplo é o prédio localizado no número 340 da Rua Buenos Aires, que, segundo o 6º Distribuidor, foi vendido por Zarur como se fosse de sua propriedade. Ele alegou desconhecer a negociação, afirmando que o imóvel pertencia à Santa Casa e gerava renda de aluguel. Legou farto patrimônio imobiliário aos seus herdeiros; o patrimônio do espólio de Zarur, que faleceu em novembro de 2014, é até hoje perseguido em ações judiciais diversas ajuizadas por quem acabou comprando imóveis da instituição em seu período de provedor; Zarur teria chegado a vender o mesmo imóvel para 3 pessoas. Nos processos, alegava quase sempre que as assinaturas eram falsas. A Santa Casa sofre até hoje as consequências de sua gestão, considerada desastrosa.
Tem que consultar a população porque o assunto é de interesse público pois se refere a bens da União e ao direito constitucional ao lazer.
Em tudo o que esses milicianos se metem acaba beneficiando uma meia dúzia de endinheirados que impedirá a população de ter acesso aos bens públicos para seu lazer Uma grande privatizacao que impedirá ou cobrar caro por um direito que é constitucional.
Lamentável situação do patrimônio.
Ninguém que não seja a própria Igreja, consegue erigir algo tão grandioso.
Devolvam a Igreja e passem as dívidas aos CPFs dos que criaram o problema.
Vejam como o mundo é cheio de incoerências: quando um patrimônio público é vendido a preço de banana para um investidor privado (exemplo recente do Ed. A Noite, na Praça Mauá), não se nota uma indignação tal como vista neste caso, onde imóveis privados estão sendo leiloados (obviamente por valores bem mais baixos do que os de mercado) para pagamento de dívidas, geradas por incompetência e desonestidade de seus gestores privados.
Mau gestor privado deveria ser obrigado a pagar pelos prejuízos que causa sem nenhum direito de questionar ou reclamar de nada. Já o público, tem todo o direito de protestar quando seu patrimônio é pulverizado sem sua autorização ou consentimento.