São Paulo: saneamento em favelas na encruzilhada

Emanuel Alencar fala sobre o processo de saneamento e suas falhas em comunidades de São Paulo

Advertisement
Receba notícias no WhatsApp

Sheila Mendes é uma liderança da região de Jabaquara, Zona Sul da capital paulista. Ela me recebe numa manhã abafada na sede de sua ONG. Falante e antenada, conta que atua como mediadora de políticas públicas há décadas. Num mapa pregado numa parede, Sheila me mostra a região de seu trabalho: um trecho onde vivem mais de 15 mil famílias em diferentes bairros cortados por 16 favelas e pelo Córrego Água Espraiada, um dos afluentes do famoso Rio Pinheiros, cujo projeto de despoluição foi anunciado pelo governo do estado há dois anos. O saneamento básico na região, diz ela, vive um paradoxo: se houve alguns avanços, com a instalação de redes coletoras de esgotos nas comunidades, por outro lado há uma entendimento majoritário de que episódios de enchentes se agravaram depois das intervenções. Alguns moradores, irritados, arrancaram as tubulações de esgotos, por enxergá-las vilãs – e não aliadas.

É uma situação muito difícil. Parece que os governos estão sempre enxugando gelo“, comenta Sheila. “Os governos sempre divulgam uma série de números positivos, mas a verdade é que falta continuidade aos projetos há um jogo de empurra entre prefeitura e governo sobre drenagem. Quando chove, o morador vê a água subindo pelo vaso sanitário, e tomando conta do barraco. E o que ele pensa? Que o problema é da tubulação nova. Aí ele acha que era melhor antes, quando não tinha cano e o esgoto caía direto no rio“.

Uma das favelas que receberam obras de saneamento, a Souza Dantas, onde vivem 3 mil pessoas, resume essas complexidades. O riacho Pinheirinho apresenta uma coloração cinzenta, e observa-se muito entulho de obras e resíduos plásticos. Mas o cheiro fétido dos esgotos ficou para trás desde que a Sabesp, concessionária de água e esgotos, fez uma série de obras de melhorias ambientais. Luciana de Assis, líder comunitária de lá, viu na prática as mudanças. Mas reforça que o caminho é árduo.

Antigamente eram muitas as crianças com diarréia e passando mal por causa da qualidade péssima do rio. Elas sempre nadaram aqui no rio, mesmo com quantidade enorme de esgoto. E isso melhorou bastante. Mas falta amparo e assistência ao morador. Com o tempo as tubulações entopem e os problemas vão aparecendo“, ela relata, enquanto um morador despeja urina da janela de sua casa, diretamente no curso hídrico. A educação ambiental, fica evidente, também precisa ser uma prioridade.

Cada casa da Souza Dantas paga, em média, R$ 40 mensais de água e esgoto à recém-privatizada Sabesp. As caixinhas com hidrômetros estão por todo o canto. Mas há trechos sem saneamento, e alguns moradores não parecem convencidos da necessidade em se avançar na coleta de esgotos.

Toda a região é objeto de uma operação urbana desde dezembro de 2001, na gestão da prefeita Marta Suplicy (PT). Foi a primeira Operação Urbana a utilizar os dispositivos do Estatuto da Cidade (lei Federal nº 10.257/2001). As remoções indenizadas para construção da Linha 17-Ouro (jamais concluída) deixaram feridas abertas, e as difíceis dinâmicas urbanas voltam a assombrar a metrópole. Há muita gente morando em barracos de madeira na bacia hidrográfica do Água Espraiada. Muitas comunidades sofrem de uma espécie de efeito sanfona: até deixaram de existir em algum momento, com o reassentamento de moradores, mas voltam a crescer depois de um tempo.

De 2010 a 2014, me conta Sheila, foram reassentadas 1.823 famílias da região do Água Espraiada. É quase nada diante do tamanho da região, onde moram 15 mil famílias. Estima-se que, ao longo dos anos, a Prefeitura de São Paulo tenha entregue menos de 20% das habitações de interesse social prometidas às famílias removidas com a operação urbana Água Espraiada.

A gente comemora quando alguém consegue uma moradia digna. Mas a fila é enorme. Vamos seguir na luta“, diz Sheila, antes de me mandar uma série de imagens das favelas da região pelo aplicativo do celular.

Advertisement
Receba notícias no WhatsApp
entrar grupo whatsapp São Paulo: saneamento em favelas na encruzilhada

Comente

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui