Será que os aplicativos de alimentação estão aplicando um conto do vigário ambiental?

Para Wagner Victer, a fiscalização e a pressão da sociedade civil são essenciais para que as empresas de aplicativos sejam responsabilizadas por suas práticas e sejam compelidas a operar de forma concretamente ética e sustentável.

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Foto: Rafa Pereira / Diário do Rio

As práticas voltadas à política ESG (Environmental, Social, and Governance) estão crescendo exponencialmente em corporações ao redor do mundo, abrangendo setores diversos como energia, indústria, tecnologia e serviços. Empresas de todos os portes estão se adaptando a essa nova visão, frequentemente alinhadas a protocolos internacionais, como o Acordo de Paris, que estabelece metas ambiciosas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa.

Esse fenômeno não surge espontaneamente: é uma exigência também imposta pelos principais fundos de investimento do mercado, como BlackRock, Vanguard e State Street, que juntos administram mais de US$ 15 trilhões em ativos. Esses gigantes do mercado financeiro estabelecem critérios rígidos para a participação acionária e investimentos, priorizando empresas com práticas bem definidas de ESG e compromissos sólidos de descarbonização, especialmente no caso de grupos internacionais.

Da mesma forma, influentes bancos multilaterais de fomento, como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), consideram as práticas de ESG um critério decisivo para a concessão de empréstimos e financiamentos. Eles avaliam não apenas os impactos ambientais, mas também as repercussões sociais dos projetos, como a geração de empregos, o respeito aos direitos humanos e o engajamento com as comunidades locais.

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Esse cenário tem um impacto direto nas taxas de investimento e nos critérios de seleção adotados pelas organizações. Empresas com boas práticas de ESG tendem a atrair mais capital a custos mais baixos, enquanto aquelas que negligenciam essas questões enfrentam crescente pressão dos investidores.

No setor de serviços, a situação não é diferente. Aplicativos populares, especialmente na área de alimentação, como iFood, Uber Eats e Rappi, têm trabalhado fortemente para incentivar práticas de ESG. Muitos desses aplicativos, com capital estrangeiro, buscam incorporar princípios de sustentabilidade e responsabilidade social em suas operações diárias. Essas iniciativas incluem o uso de embalagens biodegradáveis, a compensação de emissões de carbono dos motoristas e a promoção de opções de alimentação saudável e plant-based. Essas ações, quando efetivamente implementadas, não apenas contribuem para um futuro mais sustentável, mas também fortalecem a imagem e a reputação dessas empresas junto a fundos com padrões claros.

A preocupação com práticas sustentáveis e de baixa emissão de carbono está se tornando cada vez mais presente no mundo corporativo, e os aplicativos de entrega de alimentos não são exceção. No entanto, uma análise mais atenta, como usuário simples, revela discrepâncias alarmantes entre o discurso e a realidade.

Por exemplo, ao pedir comida da casa do meu filho utilizando o aplicativo iFood, identificamos que o entregador utilizaria bicicleta para realizar a entrega, o que seria bastante positivo. Contudo, ao receber o entregador, observei que ele utilizou uma motocicleta. Ao questionar meu filho, ele explicou que essa rotina é comum e que um algoritmo adotado pelo iFood eventualmente privilegia entregadores de bicicleta com corridas mais curtas, fazendo com que trabalhadores que são motoqueiros também se cadastrem como ciclistas para obter vantagens.

Essa prática, mais comum do que se imagina, levanta sérias questões sobre a veracidade das informações apresentadas pelos aplicativos a seus acionistas, investidores e ao público em geral. Se a empresa estiver divulgando dados que indicam uma operação de baixa emissão de carbono quando a realidade é diferente, isso poderia ser considerado uma forma de greenwashing, que consiste em fazer alegações ambientais enganosas ou infundadas para melhorar a imagem da empresa.

Não está claro se essa discrepância entre o prometido e o realizado é resultado de falta de supervisão, da inexistência de mecanismos de verificação, de leniência ou, em um caso extremo, de uma tentativa deliberada de maquiar a realidade. O que se sabe é que a falta de fiscalização efetiva ou regulamentação mínima sobre os aplicativos de entrega permite que práticas questionáveis se perpetuem sem maiores consequências.

Diante desse cenário, é fundamental que os usuários desses serviços estejam atentos e denunciem quaisquer irregularidades observadas. A fiscalização e a pressão da sociedade civil são essenciais para que as empresas de aplicativos sejam responsabilizadas por suas práticas e sejam compelidas a operar de forma concretamente ética e sustentável.

Este é um artigo de Opinião e não reflete, necessariamente, a opinião do DIÁRIO DO RIO.

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3 COMENTÁRIOS

  1. Sr Ilustre Colunista
    Os apps de transporte também devem ser incluídos nessa sua análise. Fazem de tudo para não pagar qualquer taxa, imposto ou tributo, subsidiam as tarifas cobradas dos passageiros em detrimento do transporte público, sobretaxam os motoristas, impõem tarifas baixíssimas na corridas por elas propostas, de certa forma prejudicam o meio ambiente ao alocar um carro por corrida, congestionam bairros ou regiões, concorrem com o transporte público, tem a questão desemprego x oportunidade, e etc…

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