Em 2022, o Papa Francisco expressou duas vontades muito pessoais em testamento: o local onde deseja ser sepultado — a Basílica de Santa Maria Maior, em Roma — e a forma como gostaria de ser enterrado. Embora venha de uma das figuras mais emblemáticas da Igreja Católica, o gesto do pontífice é acessível a qualquer pessoa: todos podem registrar legalmente seus desejos, sejam eles patrimoniais ou não.
Mais do que um instrumento reservado a quem possui grandes fortunas, o testamento é uma ferramenta de organização e prevenção. Pode ser usado, por exemplo, por casais com filhos menores que desejam nomear tutores em caso de ausência simultânea, ou por quem quer indicar um responsável específico para cuidar de determinado bem ou causa. Trata-se de um documento personalíssimo, com validade somente após a morte do testador e que não pode ser feito por procuração.
Segundo Fernanda Leitão, tabeliã titular do 15º Ofício de Notas do Rio de Janeiro, a partir dos 16 anos já é possível fazer um testamento sem a necessidade de autorização dos pais, desde que a pessoa esteja em plena capacidade intelectual. “Desde 2020, é possível lavrar o testamento também de forma eletrônica, com certificado digital notarizado emitido gratuitamente pelos cartórios credenciados”, destaca.
O procedimento é mais simples do que muitos imaginam: basta comparecer a um cartório de notas com identidade e CPF. Os custos variam conforme o estado e o valor dos bens envolvidos, mas especialistas recomendam que o documento seja sempre feito com apoio jurídico e de forma formal, especialmente para evitar questionamentos futuros. O testamento público, lavrado por tabelião, possui presunção de veracidade e tem força probatória plena.
A importância do planejamento: o caso Zagallo
No Brasil, a ausência de testamentos ou documentos mal elaborados tem sido a origem de longas disputas judiciais entre herdeiros — algumas, bastante públicas. Um dos casos mais comentados recentemente envolveu o ex-jogador e técnico Zagallo, que deixou registrada em testamento sua “profunda decepção” com três de seus quatro filhos e destinou a maior parte de seu patrimônio, estimado em R$ 13 milhões, ao caçula, Mário César.
A legislação brasileira determina que metade dos bens seja obrigatoriamente destinada aos herdeiros necessários (filhos, cônjuges ou pais), mas permite liberdade na destinação da outra metade. No caso de Zagallo, a parte disponível foi integralmente transferida ao filho caçula, que acabou ficando com 62,5% do total, enquanto os demais irmãos receberam 12,5% cada um. “Essa divisão está plenamente dentro da legalidade”, explica Fernanda Leitão.
Casos como o do Papa e de Zagallo ilustram a importância de se pensar o testamento não como um assunto distante ou reservado a ricos e famosos, mas como uma forma legítima de garantir que vontades pessoais sejam respeitadas e que, acima de tudo, se evitem disputas familiares desnecessárias em momentos de luto.