Wagner Victer: O cocô virou lodo, que virou adubo e virou prêmio internacional

Ex-presidente da CEDAE fala sobre projeto que está disputando importante prêmio de sustentabilidade

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Foto de Leon Macapagal no Pexels

Muitos anos atrás, ainda como Presidente da CEDAE, participei de uma conversa com nossas equipes com a ideia de transformar o resíduo do lodo, que saía das estações de tratamento de esgotos, após seu sistema de secagem em adubo e, com isso, produzir uma série de  patogênicos.

A pergunta que alguns faziam era: Ué!!! Vocês querem transformar o cocô em adubo?

Mas por que não? Era a resposta muito clara que dávamos em forma interrogativa!

Em pesquisas que fizemos, vimos que alguns países já adotavam esses chamados biosólidos em atividades produtivas, porém, aqui ainda havia um grande preconceito no país com a utilização de um resíduo que possui nutrientes importantes como o Nitrogênio (N), Fósforo (P) e Potássio (K), que forma a tradicional simbolos “NPK”, retirados da Tabela Periódica que aprendemos em Química no ensino médio e elencados sequencialmente pelo número atômico, e que marca os sistemas de fertilizantes. Aliás, esse resíduo de tratamento, além de conter cerca de 50% de matéria orgânica e micronutrientes tem presença de N (3%), P (1,5%) e K (0,5%).

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Chego a recordar que, nos períodos de final de ano, até para quebrar o preconceito, pedia a meu assessor, Alcione Duarte, um lutador do tema, para botar aquele adubo, ou seja, o chamado “cocô seco”, em pequenos saquinhos e os mandava como brinde juntamente com uma muda de árvore da mata atlântica, em especial os Ipês, para harmonizar o gesto sustentável e não parecer um ato escatológico.

No Brasil, nos grandes centros urbanos, temos uma produção significativa de matéria orgânica, derivada do lodo como resíduo do tratamento de esgoto, apesar de bastante rico em nutrientes, o que se desperdiçava em aterros. Aliás, o aproveitamento desse resíduo sólido urbano (RSU) também tem grande potencial energético.

O tema de fertilizantes voltou à tona no país com o conflito Rússia / Ucrânia, logicamente em produção para grande escala em função a fragilidade que temos já que mais de 80% do  consumo nacional ainda é importado.

A produção de lodo de estações de tratamento, que historicamente era levada para aterros sanitários, gerando custos e principalmente emitindo CO2 , portanto, sem qualquer aproveitamento, começou a ganhar força dentro da CEDAE e a partir desse processo conseguimos transformá-lo em um potente adubo orgânico. Já em 2012, devido às principais pesquisas, conseguimos classificá-los como tal dentro dos padrões nacionais estabelecidos pelo CONAMA.

O potencial da produção de lodo somente no Rio de Janeiro, supera 140 mil toneladas anuais de lodo de esgoto, o que traz um grande potencial para utilização como fertilizante, no estado. Temos estações de tratamento como: Alegria (Caju), Sarapuí (Belford Roxo), Pavuna, Barra da Tijuca, Penha e Ilha do Governador, essa última muito utilizada para retirar o lodo que é estabilizado em leitos de secagem e obviamente no bairro onde moro e podia visitar com frequência e acompanhar a retirada para uso.

A Aplicação do lodo de esgoto, devidamente tratado tem uma série de utilizações, não só na questão do reflorestamento, especialmente na agricultura familiar, cresce com grande potencial, por ser um resíduo com grande concentração em regiões metropolitanas, além de ser uma ação totalmente adequada aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), estabelecidos pela ONU. Objetivo 11 – Cidades e Comunidades Sustentáveis.

Um detalhe que favorece é que, devida à baixa contribuição, na região metropolitana do Rio de Janeiro, de esgotos de origem Industrial, temos uma característica diferenciada para o nosso tipo de esgoto, em presença de relação aos metais pesados com uma baixa concentração.

O sistema para esse uso já tem regulação Nacional, e a própria Resolução CONAMA 498 de 2020 tem definido critérios e procedimentos para aplicação desses materiais no solo, e tem tido uma contribuição muito importante nas diversas possibilidades do uso. Com esse processo que implantamos na CEDAE virou uma grande referência no país, e espero que não seja descontinuado, pois a maioria dessas estações de tratamento de esgotos foram para as concessionárias privadas (Águas do Rio e Iguá).

Aquela medida então arrojada, até pouco compreendida, ganhou com tempo visibilidade, e está como finalista do “Prêmios Verdes”, a maior premiação ambiental Ibero-Americana, desenvolvida pelo PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, que esse ano contou com mais de 2.500 inscrições. É tipo um Oscar Ambiental.

Para receber esse reconhecimento internacional, uma chamada foi aberta no ano passado, e foram selecionadas as 500 melhores iniciativas socioambientais, entre as quais está o Projeto da Produção de Esgoto para Reciclagem Florestal, desenvolvido pela CEDAE, que está concorrendo entre os três melhores na categoria reciclagem.

Independentemente do resultado final, no próximo dia 24 de abril, no ARSHT CENTER, em Miami, o Brasil e a CEDAE estarão de parabéns, e eu especialmente muito orgulhoso.

Este é um artigo de Opinião e não reflete, necessariamente, a opinião do DIÁRIO DO RIO.

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