Com os termômetros da cidade marcando altas temperaturas neste verão, o carioca tem enfrentado situações desafiadoras, sobretudo quando a previsão é de que essa onda de calor se mantenha por mais tempo e se torne cada vez mais frequente. É o reflexo das mudanças climáticas e precisamos urgentemente repensar os modelos de infraestrutura urbana e os serviços públicos prestados, incorporando os riscos climáticos no planejamento.
O grande desafio está em preparar a cidade para lidar com os eventos dessa natureza, que são cada vez mais frequentes. Seja com o calor extremo ou com as chuvas torrenciais que acompanham os dias quentes, a população, principalmente a mais pobre, acaba ficando completamente vulnerável a esses fenômenos climáticos.
Diante das altas temperaturas, os trabalhadores precisam encarar uma jornada exaustiva, muitas vezes sob o sol e sem pontos de hidratação adequados. O sofrimento começa já no transporte público. A viagem até o trabalho é feita em ônibus sem ar-condicionado, e os que têm, mas estão quebrados, não permitem nem mesmo abrir a janela para ajudar na circulação do ar, tornando o trajeto um verdadeiro desafio para passageiros e motoristas.
Em janeiro, o Procon-RJ e o SEDCON fiscalizaram o terminal Procópio Ferreira, localizado na Central do Brasil. Durante a operação, dos 50 ônibus verificados, dez estavam sem ar-condicionado. A fiscalização foi motivada não apenas por denúncias, mas também após um episódio em que uma passageira da linha 388 desmaiou devido ao calor.
Vale ressaltar que esse terminal atende muitas linhas que vão para a zona sul da cidade. Se por lá a situação já é difícil, piora no subúrbio, historicamente a região que mais sofre com a precarização do transporte público.
Em 2021, nosso mandato elaborou um relatório sobre as condições do transporte público na periferia, apontando as linhas com problemas, incluindo as relacionadas à climatização. Continuamos recebendo relatos sobre linhas sem ar-condicionado, como as linhas 770 (Campo Grande x Coelho Neto), 790 (Campo Grande x Cascadura), 309 (Central x Alvorada) e 608 (Grajaú). É importante lembrar que o carioca gasta, em média, duas horas no trajeto casa-trabalho, e enfrentar essas condições desgastantes impacta diretamente na sua qualidade de vida.
E os problemas não estão apenas no transporte público. Nas escolas da rede, as “saunas” de aula dificultam a concentração e afetam o bem-estar de alunos e educadores. Em nosso segundo relatório de Educação, elaborado após diversas fiscalizações ao longo do ano de 2023, constatamos que muitas escolas necessitavam de melhorias urgentes em relação à infraestrutura. Inclusive, 43% das escolas visitadas não tinham climatização adequada nem uma rede elétrica segura para o ambiente escolar.
Mesmo com nossas cobranças, o retorno às aulas deste ano foi marcado pelos mesmos problemas. Segundo relatos de responsáveis e educadores, muitas escolas continuam com os aparelhos de ar-condicionado fora de funcionamento. Se a situação nas salas de aula já é difícil, imagine para as cozinheiras escolares. Já pensou em cozinhar para centenas de crianças em uma cozinha quente, perto do fogo, com temperaturas passando dos 40ºC?
Além disso, muitas unidades escolares enfrentam problemas com os bebedouros. Com as altas temperaturas e maior necessidade de hidratação, os equipamentos não conseguem dar vazão. Vale lembrar que uma das principais recomendações do Centro de Operações durante o Nível de Calor 3 (NC3) é beber muita água. Portanto, é urgente garantir acesso à água de qualidade nas escolas.
Ainda assim, contrariando a própria realidade, o prefeito Eduardo Paes declarou que apenas 15 das mais de 1.500 escolas não têm ar-condicionado, o que representa apenas 1% do total. Porém, fica a pergunta: será que todos esses aparelhos funcionam, prefeito? Pelas denúncias que constantemente chegam ao nosso gabinete, a situação parece ser bem diferente.
De fato, muitas escolas até possuem ar-condicionado, mas isso não significa que a climatização seja eficaz. Além dos problemas com o roubo de cabos, a rede elétrica das unidades escolares não suporta a carga de vários aparelhos ligados ao mesmo tempo, e a falta de manutenção reduz sua vida útil. Essa negligência da prefeitura dificulta o processo de ensino e aprendizagem.
Os desafios que a população enfrenta durante as ondas de calor já seriam mais do que suficientes, não é mesmo? Mas a realidade é ainda mais cruel. Do lado de fora, é como se cada dia fosse uma fase de um jogo de sobrevivência, em que é preciso driblar o calor extremo nas ruas, no transporte lotado, nas escolas e até na busca por uma sombra. Só que, ao voltar para casa, em vez de encontrar um respiro, muitas famílias encaram mais um obstáculo: a torneira seca, o chuveiro sem água, eletrodomésticos desligados e a dificuldade de realizar tarefas básicas. No Rio de Janeiro, sobreviver ao calor não termina na porta de casa.
O Procon Carioca registrou um aumento de 59% nas reclamações de falta de água e 16% nas queixas de falta de luz nos últimos dois anos. Esses números mostram como o carioca está cada vez mais vulnerável às mudanças climáticas. Em meio ao calor extremo, famílias ficam sem água e sem luz por horas, às vezes até dias. Portanto, o problema vai muito além do clima, pois a falta de infraestrutura urbana e as falhas graves das concessionárias responsáveis pelo fornecimento de água e energia elétrica agravam ainda mais essa situação, com serviços essenciais interrompidos justamente quando a população mais precisa.
Somado a isso, é importante destacar o impacto da privatização da CEDAE. Anos após a concessão dos serviços de distribuição de água, coleta e tratamento de esgoto, a Águas do Rio, maior vencedora do leilão, assumiu a responsabilidade de atender mais de 10 milhões de pessoas. Você provavelmente já ouviu aquele velho discurso: “privatiza que melhora”. Mas, na prática, o que se vê é bem diferente. Embora a empresa tenha acumulado lucros milionários em poucos anos, também coleciona uma enxurrada de reclamações: aumentos abusivos nas tarifas, cobranças indevidas, interrupções não programadas no fornecimento de água e a falta de compromisso com a universalização do serviço nas favelas. Em apenas dois anos, a concessionária lucrou R$ 1,2 bilhão. O problema é que esses lucros não se traduzem em melhorias reais para a população.
Todos os problemas apresentados revelam uma realidade alarmante de descompasso entre o crescimento urbano e a capacidade de atender às necessidades da população. Por isso, fica claro que os cariocas não podem continuar sendo deixados à mercê da falta de preparo da cidade para lidar com eventos climáticos extremos. Desde o início do meu mandato, reforço a necessidade de pensarmos em políticas públicas que avancem na adaptação climática da nossa cidade, garantindo, sobretudo, justiça socioambiental. Por isso, apresentei diversos projetos e instalei uma Comissão Especial para discutir a Emergência Climática na Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro, que estão alinhados com esse objetivo.
É fundamental cobrar melhorias das empresas responsáveis e intensificar a fiscalização e o monitoramento. A promessa de uma cidade resiliente não pode ser apenas um discurso, deve se concretizar em ações que garantam à população não apenas serviços básicos, mas qualidade de vida. Até quando vamos normalizar as ondas de calor e culpar o clima pelos seus impactos?