William Siri: Trabalho bom é trabalho com dignidade

Fazer com que situação análoga à escravidão fique no passado deve ser um pacto coletivo entre as instituições e a socieade

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Foto: Minstério do Trabalho/Divulgação

Quem acompanhou o noticiário nas últimas semanas se deparou com uma realidade lamentável: na prática, ainda não abolimos a escravidão. Foram várias as denúncias e flagras que deixaram isso claro. Casos de pessoas trabalhando em situação deplorável, sendo mantidas em cárcere privado enquanto sofriam tortura, sem receber o pagamento devido e tendo de se alimentar de restos estamparam os jornais. Assim, vimos de empresas que prestam serviço às vinícolas gaúchas de renome nacional a grande festival internacional de música se aproveitarem da vulnerabilidade de muitos para impor o trabalho análogo à escravidão, inclusive de modo reincidente. Episódios como esses ajudam a jogar luz sobre uma falácia conhecida, a de que coisas assim só ocorrem nos rincões do Brasil. Muito pelo contrário: eles ocorrem mais perto do que se imagina e com maior frequência do que gostaríamos de admitir. E, por isso, precisam ser combatidos com atenção e rigor.  

Sendo o Rio de Janeiro uma cidade que apresenta taxas de desemprego, informalidade e desalento acima da média nacional, a vigilância por aqui tem que ser maior e mais constante. Antes mesmo da pandemia da COVID-19 nos atingir em cheio, nosso cenário econômico já era instável. A insegurança ou falta de infraestrutura nas principais vias de escoamento de produção e de prestação de serviços, conjugada ao duro Regime de Recuperação Fiscal adotado pelo Estado, fizeram do cenário carioca algo longe do animador.

Como sabemos, essa espiral de eventos adversos que leva a uma economia enfraquecida é extremamente propícia para a precarização do trabalho. Uma realidade muito palpável para o carioca, já familiarizado com o aumento da informalidade e a carência de condições dignas de empregabilidade. Se hoje temos um mundo de trabalho cada vez mais conectado e diverso em soluções tecnológicas, mostra-se  curiosa a dificuldade em resolver o grande nó da relação de trabalho entre os prestadores de serviços e empresas de aplicativo para os quais trabalham. Por que não conseguimos avançar, a nível nacional, na regulamentação justa para que se proteja esses trabalhadores?

A resposta está justamente no fato que dá origem a esse artigo. Autoproclamando-se a vanguarda, Pessoas Físicas e Jurídicas mal intencionadas usam os avanços tecnológicos para aumentar suas margens de lucro e também a violação dos direitos dos cidadãos. É assim que o avanço se transforma em retrocesso que parece condenar gerações inteiras ao empobrecimento e adoecimento. Felizmente, os mal intencionados não são maioria, mas precisamos expandir nosso entendimento sobre a precarização para exterminar o trabalho análogo à escravidão para sempre. Um feito que só será possível a partir da mobilização coletiva de uma sociedade civil atuante, que saiba denunciar aos órgãos competentes os desmandos e absurdos. Lado a lado, cidadãos e Ministério Público do Trabalho (MPT) são os defensores de direitos coletivos dos trabalhadores quando os governantes falham. Portanto, cabe aqui a dica da denúncia de forma anônima ao órgão através link https://peticionamento.prt1.mpt.mp.br/denuncia no combate aos crimes que ferem a dignidade humana. 

Segundo dados do MPT, o total de denúncias de trabalho análogo à escravidão no Brasil alcançou em 2022 o maior número desde 2012. Foram recebidos no ano passado 1973 registros do tipo, patamar que supera em 39,1% a marca de 2021, que contabilizou 1418 denúncias. Ainda assim, muitos casos podem estar fora do radar.

É necessário estar disposto a combater os abusos cometidos contra os empregadores que se aproveitam do desespero alheio para subjugar vidas. Com esse pensamento, coloco-me sempre a disposição para fiscalizar e encaminhar os desmandos encontrados na nossa cidade. Mais  uma vez na condição de presidente da Comissão de Trabalho e Emprego da Câmara do Rio, pautar a questão se torna iniciativa obrigatória, seja nas reuniões ordinárias ou na elaboração de Pareceres aos Projetos de Lei via Comissão. Fomentar as discussões que coloquem nossa cidade na vanguarda dos debates sobre trabalho e emprego é uma missão da qual nenhum legislador deve se esquivar. 

Nas audiências públicas que organizamos em prol da retomada do pagamento aos trabalhadores terceirizados em empresas contratadas pela Prefeitura, por exemplo, nossa posição foi ao lado da ponta mais frágil. Fizemos ecoar a voz de pais e mães de família que em 2021 ficaram meses a fio sem receber salários enquanto ocorria a revisão dos contratos. Da mesma forma, defendemos em audiência pública os entregadores e motoristas de aplicativos em reunião que tratou sobre as condições de trabalho no dia a dia. Outra articulação da qual muito me orgulho foi aquela em que lideramos a remissão tributária dos ambulantes cadastrados do pagamento das Taxas de Uso de Área Pública (TUAPs) referente aos anos de 2020 e 2021, auge da pandemia.

O combate ao trabalho análogo à escravidão começa na luta contra a precarização do trabalho e vai além. Não se pode naturalizar o desrespeito sistemático aos direitos de quem dá duro para levar seu ganha-pão para casa. Ser capaz de observar o mundo ao nosso redor com ouvidos e olhos bem abertos é estar verdadeiramente a serviço da população mais vulnerável. Afinal, onde menos se imagina pode surgir uma ação contundente contra quem fere a dignidade humana. Convido a você ao mesmo entendimento por mais denúncias e mais vidas protegidas.

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