William Siri: Um Rio de racismo e xenofobia

Sigo na luta para a construção de uma cidade mais justa, com mais políticas públicas para os que mais precisam

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Quiosque em que Moïse trabalhava Divulgação/ Rio de Paz

O brutal assassinato do refugiado[1] congolês Moïse Kabamgabe, de 25 anos, na Barra da Tijuca, revela a face mais cruel do racismo e da xenofobia na sociedade brasileira. Não há sequer uma semana que não tenhamos que ler ou ouvir uma notícia sobre falas e práticas racistas. Seja numa grande e rica loja de roupas ou em um programa de TV, até supermercados.Falas preconceituosas circulam nas redes sociais, vindas de influenciadores, famosos e do próprio presidente da república. Como vereador branco da Zona Oeste do Rio reconheço que tenho privilégios e sei como a vida para a população negra é marcada por exclusões ainda maiores, desde o acesso aos serviços públicos mais básicos até as oportunidades de emprego formais. Por isso, sigo na luta para a construção de uma cidade mais justa, com mais políticas públicas para os que mais precisam.

No entanto, um outro tipo de preconceito e discriminação se soma a estrutura social racista brasileira e precisamos falar mais sobre ele: a xenofobia. Essa forma de disriminação se prolifera em um ambiente já marcado pelo racismo e se desenvolve em parcelas da população brasileira escondida atrás de comentários nacionalistas ou de autoproteção econômica e social. A palavra xenofobia não está no cotidiano da população e as explicações e debates sobre seus danos à sociedade não estão acessíveis a todos. Para você, leitor e leitora que nunca foi apresentado a este termo, xenofobia é facilmente definida como o preconceito contra estrangeiros, antipatia ou aversão a culturas e etnias diferentes.

Na maioria das vezes que vemos a mídia comentar casos de xenofobia, nos deparamos com acontecimentos na Europa e nos Estados Unidos, analisados dentro do contexto da crise de imigração iniciada em 2011. Desde então, uma grande quantidade de refugiados de países África e do Oriente Médio tem enfrentado o mar mediterrâneo, em fronteiras fechadas e militarizadas. Muitos morreram na travessia e aos que sobrevivem resta apenas a tentativa de reconstruir suas vidas longe da pobreza, opressão e das diversas formas de violência.

Mas você pode me perguntar: o que isso tem a ver com o Brasil e com o Rio de Janeiro? Você lembra que ao longo da última década o Brasil recebeu muitos haitianos? Isso aconteceu logo após o terremoto que arrasou o Haiti, país que já era o mais pobre da América. Também vieram para cá muitos venezuelanos depois do colapso social e econômico daquele país, além de refugiados de nações africanas como o Congo, país de Moïse. A maior parcela dessas populações se desloca ou tem a intenção de se deslocar para o Sudeste do Brasil, no eixo Rio – São Paulo e, na maioria dos casos, mesmo aqueles com mais capacitação profissional arrumam empregos no setor terciário informal (comércio ou serviços sem contrato ou carteira assinada).

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Segundo o Alto Comissariado da Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) e o Comitê Nacional para Refugiados (CONARE), até o final de 2020 haviam 57.099 pessoas refugiadas reconhecidas pelo Brasil. A nacionalidade com maior número de pessoas refugiadas reconhecidas, entre 2011 e 2020, é a venezuelana (46.412), seguida dos sírios (3.594) e congoleses (1.050)[2]. O número de imigrantes e refugiados no país aumentou muito durante o ciclo de crescimento Brasileiro de 2004 a 2013 e com isso também cresceu os relatos de xenofobia com agressões verbais e físicas. Em 2015, segundo o Jornal O Globo, as denúncias de xenofobia aumentaram 633%, sendo registradas 330 denúncias contra 45 do ano anterior.

Uma rápida pesquisa no Google sobre casos de xenofobia no Brasil nos mostra uma infinidade de reportagens, que vão desde agressões verbais até violência física e assassinatos, majoritariamente realizados contra imigrantes e refugiados negros. O homicídio do jovem Moïse não é um caso isolado! O rapaz, que chegou ao Brasil ainda criança, fugiu com sua família da guerra civil do Congo. Reconhecido como refugiado, cresceu aqui e só queria construir sua vida longe de tanto horror, mas teve sua vida e seus sonhos impedidos por cobrar de seu patrão as diárias merecidas por seu trabalho. Foi espancado com pedaços de madeira e um taco de beisebol e seu corpo, com mãos e pés amarrados, foi descartado em uma escada.

Não podemos normalizar essa brutalidade! Passamos da hora de clamar e lutar por justiça para Moïse Kabamgabe e todos aqueles que foram esmagados pelo racismo e pela xenofobia da sociedade brasileira. Como cristão, fico com o ensinamento de Jesus, que disse que acolher aos estrangeiros e aos pobres era acolher ao próprio Cristo (Mateus 25: 43-45). Somos todos iguais, independentemente das fronteiras que nos separam.


[1] É muito importante utilizar os termos corretamente e algumas confusões são feitas ao comentar sobre refugiados e migrantes. Segundo o ACNUR: Os refugiados são pessoas que escaparam de conflitos armados ou perseguições. Com frequência, sua situação é tão perigosa e intolerável que devem cruzar fronteiras internacionais para buscar segurança nos países mais próximos, e então se tornarem um ‘refugiado’ reconhecido internacionalmente, com o acesso à assistência dos Estados, do ACNUR e de outras organizações. São reconhecidos como tal, precisamente porque é muito perigoso para eles voltar ao seu país e necessitam de um asilo em algum outro lugar. Para estas pessoas, a negação de um asilo pode ter consequências vitais. Os migrantes escolhem se deslocar não por causa de uma ameaça direta de perseguição ou morte, mas principalmente para melhorar sua vida em busca de trabalho ou educação, por reunião familiar ou por outras razões. À diferença dos refugiados, que não podem voltar ao seu país, os migrantes continuam recebendo a proteção do seu governo.

[2] Para mais informações vale a leitura da 6 edição do relatório Refúgio em Números do CONARE.

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