Na semana passada, meu tema foi a crise de identidade do carioca, provocada pela resistência em aceitar como definitivas a transferência da Capital da República para Brasília e depois, a fusão da Guanabara com o estado do Rio de Janeiro. A relutância ficou evidenciada pelos movimentos da sociedade na tentativa de retorno.
Isso verificado, quando se olha os costumes dos cariocas se vê um povo que levou tempo para aceitar o presente, por saudade do passado e referência em Paris.
Antes de tratar da crise de identidade, e de outras crises, tomei o cuidado de alertar que o Rio, por suas belezas naturais e de sua cultura, não justifica lamentações. A cidade tem problemas, como todas têm.
A questão grave, contudo, é que alguns se estendem no tempo, porque, por crise de identidade, os administradores da cidade e do estado onde ela está, não se empenham nas soluções. Eis o motivo de nossa agenda nas campanhas eleitorais ser quase a mesma ao longo do tempo.
Comecemos pelo passado mais distante para citar uma situação que, com certeza, dificultou a arrancada da construção administrativa do Rio. De 1840, tempo do Império até dezembro de 1960, com a transferência da Capital da República para Brasília, a cidade foi governada por 56 homens. Um período médio de 2 anos e sendo que, nessa contagem estão Henrique Dodsworth, nomeado por Getúlio Vargas e que governou por 8 anos e Sette Câmara, no período tampão de 21 de abril a 5 de dezembro de 1960, quando Carlos Lacerda assumiu o governo da Guanabara.
Ora, para um povo que tem como cultura trocar todos os que obedecem toda vez que troca quem manda, é fácil imaginar as implicações disso na administração de uma cidade que nascia.
Para a próxima semana, terei Carlos Lacerda, o brilhante governador que administrou a cidade com os olhos na cadeira de Presidente da República. Será o primeiro caso de crise de identidade a ser mostrado aqui, na série de artigos que preparei para contar a história política do Rio. Quando eu entrar em 1982, daí para frente, o que direi terá o condão da minha condição de um expectador privilegiado – alguém que viveu os bastidores da história.
Mas, como o primeiro passo será a crise de identidade dos governantes, deixo aqui, a título de abertura, a indicação de conto de Machado de Assis, que de outra coisa não trata a não ser a crise de identidade de um compositor de polcas, que gostaria de ter sido Mozart, o carioca famoso e rico, Senhor Pestana. Se vocês já leram, releiam vale a pena. Caso não, fica o convite para que leiam: “Um homem célebre”.
Este é um artigo de Opinião e não reflete, necessariamente, a opinião do DIÁRIO DO RIO.