As grandes tragédias deixam as cicatrizes. Podem ser indeléveis, finas, desaparecerem. Podem ser enormes, grossas, coçarem. As mágoas são enormes em qualquer circunstância. Miriam Halfim escreve sobre encontros prováveis, jamais acontecidos, mas que fazem sentido. Freud e Mahler nos fala das angustias do escrito. Agora, com O Homem do Planeta Auschwitz, promove a reunião do escritor judeu polonês Yehiel De-Nur (1909–2001) e a filósofa judia alemã Hannah Arendt (1906–1975).
Com quatro indicações para o Prêmio Cesgranrio, melhor cenografia, iluminação, texto e ator, o confronto entre Hannah, interpretada por Susanna Kruger e Yehiel por Mario Borges, encontra na direção de Ary Coslov o perfeito equilíbrio entre posições diferenciadas. Susanna faz uma Hannah com uma entonação e um movimento de mãos que já expressa a sua posição : a criadora do conceito A Banalidade do Mal, explica a sua posição, sem ficar se justificando. Há o necessário sentimento na atuação primorosa.
Mario faz o escritor angustiado, que se desespera com as lembranças, que tinha certeza que poderia escapar do mal. A peça começa com Yehiel gritando com Daniela, possivelmente a filha pequena, para fugir dos nazistas que estão na escola. Dela. E termina com ele gritando com a filha para não ir à excursão da escola. Instala-se em uma profissional arquitetura de texto dramático, o tempo mítico, o eterno retorno dos heróis para os quais não há salvação.
A metonímia dos campos de concentração está na peça- instalação do cenário de Marcos Flaksman. A grade, um pedaço, retorcido, como uma sobra da destruição, está lá presente para lembrar que os campos não acabaram. A iluminação de Aurélio de Simoni realiza um desenho de luz. Claro e escuro funcionam para evidenciar a sombra da lembrança e a luz de quem traz a lembrança do mundo dde Hades. E é do mundo dos mortos, da dor, do subterrâneo que O Homem do Planeta Auschwitz é uma bela proposição para falarmos: quem viver não verá mais.
Serviço:
Teatro Laura Alvim
Sexta e sábado às 20h/ Domingo às 19h