Quem chega na tradicional rua do Ouvidor pelo boulevard Olímpico começa a ter impressão de que o polo gastronômico da região está renascendo aos poucos. Sempre cheio nas tardes de quarta a sábado, o trecho que começa com o decano restaurante Rio Minho, no número 10, e termina na rua Primeiro de Março volta a fervilhar com restaurantes, que também vêm reabrindo nas ruas do Rosário e do Mercado. O Bar Capitu, sobrado restauradíssimo sempre cheio, com comida brasileira, assim como o Al Khayam, árabe concorrido, o Cais do Oriente e o Sobrado da Cidade se destacam em meio a casas com comida mais em conta como o 20×20, o Spetinho da Ouvidor e o Plus Restaurante. A Ouvidor, fechada a automóveis neste trecho, se transforma em um movimentado e alegre restaurante a céu aberto.
Mas ao se dirigir em direção à primeiro de Março, a gente começa a olhar pra cima e notar que estamos andando no meio de ruínas, que parecem prestes a cair em nossas cabeças. É assim com a tradicional Igreja de Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores; de propriedade de uma ordem religiosa praticamente falida de mesmo nome, a linda Igreja tem sua fachada na esquina da Travessa do Comércio caindo aos pedaços. Blocos de pedra e tijolos já caíram, e o templo, que é famoso por ter recebido uma bala de canhão na Revolta da Armada, já chegou a ser interditada pela Defesa Civil, como mostramos aqui. A Ordem da Lapa dos Mercadores também é proprietária de um pequeno prédio na rua Sete de Setembro.
Só que a igrejinha caindo aos pedaços acaba sendo a menor das preocupações dos transeuntes. Os prédios 24, 26 e 28 da rua do Ouvidor são verdadeiras ruínas. Suas fachadas caindo aos pedaços são o reflexo de mais de 20 anos sem nenhum tipo de cuidado ou ocupação. Plantas nascem pelas paredes, destruindo e soltando afrescos do início do século XX. Janelas caindo, telhado esburacado, reboco soltando. Os pedaços vinham caindo nas ruas até que sua proprietária, a Irmandade da Santa Cruz dos Militares, acabou tendo que instalar um imenso apara-lixo com andaimes para evitar que alguém acabasse atingido pela destruição total dos edifícios, que vem sendo levada a termo nos últimos anos, apesar de tratar-se de uma instituição que, segundo informações do mercado imobiliário, teria mais de 300 imóveis, incluindo um quarteirão inteiro no bairro de Botafogo. O apara-lixo, pavorosa armação de metal, se confunde com as pichações nas cantarias centenárias, numa região que é protegida pelos principais órgãos de Patrimônio. O conjunto arquitetônico da região é tombado pelo Iphan, por exemplo.
“Realmente é um lugar cujo desenvolvimento acaba pausado por que estes imóveis destruídos estão aqui parados há mais de 20 anos. Assustam as pessoas, são focos de mosquitos, o reboco vive caindo, além do aspecto de sujeira e mau trato. Um vizinho assim a gente só torce pra tomar jeito um dia”, disse Domingos Antunes, administrador de um imóvel na Travessa do Comércio, que não consegue alugar há mais de 4 anos. Para Francielly Silvino, que disse costumar almoçar no local toda semana, as ruínas da Irmandade causam preocupação: “Eu só sento bem longe, já vi cacos caírem lá de cima em dia de vento”, reclama.
Os sobrados 26 e 28 receberam na última semana uma rede para impedir as dezenas de pedras que vinham se desprendendo de atingir pedestres. O 24 continua com a fachada destruída, mas sem apara-lixo e sem a rede. Uma rápida busca no site do TJ-RJ mostra que os problemas dos prédios acabaram ocasionando mais problemas: um vizinho processa a Irmandade por danos causados a seu prédio, na Travessa dos Mercadores. O prédio teria sido danificado do 4o. andar até o térreo, e ele pleiteia indenização. Estivemos no local e a situação dos prédios realmente parece feia (fotos).
A região vem recebendo atenção da Secretaria de Conservação, que fez consertos em calçadas, nas ruas e também refez todo o sistema pluvial da região do Arco do Teles até a Praça XV. Mas o problema das ruínas das propriedades das Ordens Religiosas só se agrava há anos, na região. Segundo informações, todos os imóveis do lado par da rua do Ouvidor entre a Primeiro de Março e a rua do Mercado pertencem à tal Irmandade dos Militares, incluindo as ruínas 24, 26 e 28. Do chão, é possível ver que o telhado está rompido, e que chove dentro dos imóveis, além das fachadas que estão se despedaçando, das cantarias tomadas de pichações e do imenso andaime que circunda os imóveis, dificultando o fluxo de pessoas e a mobilidade na rua do Ouvidor e na Travessa dos Mercadores.
Um arquiteto especializado em imóveis históricos consultado pelo DIÁRIO deu conta de que o Iphan tenta há anos solucionar o problema, e que há a possibilidade de os imóveis receberem multas milionárias pelo descumprimento de sucessivas notificações. Segundo ele, os imóveis já foram vistoriados e há risco de desabamento da parte interna; os imóveis ainda têm estrutura de madeira, e a chuva constante pode ter causado problemas estruturais graves. Ainda segundo a fonte, as fachadas com os belos detalhes são de custosa reconstituição, e os órgãos de patrimônio exigem que sejam refeitas exatamente como eram. Os imóveis são isentos de IPTU por pertencerem a instituições filantrópicas.
Os imóveis não tem uso religioso; sempre foram alugados para comerciantes, e a renda é recebida pelas irmandades. Os imóveis 26 e 28 estão arruinados há décadas e ficam bem na esquina da Ouvidor com a Mercadores. O 24, na Ouvidor, estava alugado a um restaurante, mas agora está para alugar, apesar de sua fachada caindo aos pedaços. As irmandades são ordens religiosas leigas, que, apesar de professarem a fé católica, são independentes da Igreja e não estão sob o comando da Arquidiocese do Rio. São como associações de pessoas que não são padres nem freiras mas que mantinham igrejas particulares. Teoricamente, a Arquidiocese poderia interferir e intervir nas ordens ou irmandades que se encontram em dificuldades ou que enfrentam administrações danosas a seu patrimônio, porém ao fazê-lo a Igreja arrisca ter responsabilidade sobre suas dívidas, inclusive trabalhistas.
Enquanto isso, o Centro do Rio sofre por conta da má administração destas instituições.
Há dias, li uma reportagem que a alerj quer comprar um prédio que já foi do Eike, e transformar em residência social….mais uma favela no coracao do RJ….os políticos não estão preocupados com manutenção de nada, só querem é meios para continuar sugando os recursos públicos.
É a inoperância do Estado que provoca isso. Quando o custo de deixar ruir é menor que o de conservar, isso vai continuar acontecendo. Preferem pagar as multas do que restaurar. O que devia acontecer é a prefeitura desapropriar e leiloar para algum grupo que tivesse um projeto e recursos para a restauração. O que não dá é ficar esperando uma tragédia anunciada acontecer.
Ué mas essa é a realidade de toda a cidade, praticamente. Tudo é feio, cinza, acabado. Estava vendo o documentário da Flor De Liz na HBO e como tem vários trechos com imagens de drones pelo Rio e Niterói, dá pra ver não só a favelização desse lugar horroroso, bem como a degradação dos prédios e suas arquiteturas obsoletas. O Rio é TODO uma casa abandonada. Todos esses prefeitos e governadores que passaram por aqui, bem com essa desgraça de tráfico, milícia e tudo que há de sórdido e imundo nessa sociedade deveria ser jogado numa ilha para conviver entre eles até morrerem. Desgraçados.