No ano passado, a Prefeitura do Rio anunciou um novo e grande projeto para a cidade, denominado Anel Viário de Campo Grande, em evento para empresários do maior bairro do Brasil. A apresentação o colocava como a grande intervenção para melhorar o trânsito caótico de uma região que não aguenta mais lidar com os engarrafamentos diários.
Pelo projeto, será criada uma ligação entre a Estrada da Caroba e a Estrada da Posse, com a implantação de um túnel sob o Morro Luiz Bom e um mergulhão na interseção da Estrada do Monteiro com a Avenida Cesário de Melo, dentre outras modificações locais. Algo deste tamanho, como era de se esperar, acendeu algumas discussões sobre as consequências e os benefícios da obra milionária.
De cara, os moradores passaram a questionar a falta de diálogo com a Prefeitura, já que as áreas envolvidas são residenciais e sofrerão grande impacto. Desapropriações serão necessárias e atingirão, principalmente, os bairros de Vasconcelos e Campo Grande, nos sub-bairros Adriana e Timbaúba. No entanto, não foram informados quais imóveis serão removidos para tal.
É fundamental que todos os impactados recebam informações claras e precisas sobre as alterações no território, para que possam visualizar as melhorias e sugerir ajustes. Mas o que temos visto é a falta de transparência. Um tema delicado como este, por mexer com a vida de tantas pessoas e o sentimento coletivo de pertencimento, não pode ser tratado sem o devido cuidado e respeito.
Toda a apreensão gerada na população pode ser notada na declaração de uma moradora antiga do sub-bairro Adriana, que preferiu não ser identificada neste artigo. “Sou uma das primeiras moradoras daqui e estou aqui há 43 anos. Trata-se de um local residencial, um dos nobres de Campo Grande, com muitos idosos e que paga caro o seu IPTU. A minha casa vai ficar ao lado do viaduto. Entendo que não faz sentido esta grande obra aqui já que o tráfego realmente ruim está do outro lado do bairro”, argumenta ela.
Ela ainda acrescenta: “o que notamos é que essa obra vai desapropriar muita gente sem melhorar o trânsito. Ali no Park shopping ele piorou muito. Nesta semana mesmo, fiquei empacada no engarrafamento quando cheguei no viaduto novo que liga a Cesário de Melo com a Estrada da Caroba. Tudo parado. Qual o sentido de fazer um túnel para sair próximo àquela altura do bairro, sempre ruim?”.
Outro ponto de atenção diz respeito à falta de estudos de impacto. O plano do Anel Viário possui um orçamento no valor de R$ 289.441.389,10, cuja licitação foi aberta e programada para o dia 29 agora. Mas ele acontecerá sem a apresentação de estudos de tráfego viário atual, de impacto ambiental e de impacto de vizinhança. Para alarde ainda maior, verificou-se que o contrato para elaboração do projeto básico da obra, que teve custo de R$ 1.998.908,70, sofreu acréscimo de R$ 1.262.447,81, o que representa mais de 60% da quantia inicial. Pior: a empresa responsável pela elaboração dele conseguiu uma extensão de prazo para a entrega da proposta final até o início do mês de março de 2023. Ou seja, dois meses depois de feita a licitação da obra. É algo completamente absurdo.
O projeto do Poder Executivo é embasado num levantamento de 18 anos atrás, do longínquo ano de 2004, o Estudo de Intervenções Viárias nas Regiões de Bangu e Campo Grande. Isso, pelo menos, é o que diz a Prefeitura, já que o nosso mandato nunca conseguiu encontrá-lo e não possui informações sobre quem o produziu, quais foram as metodologias utilizadas e quais dados foram sistematizados. Trata-se de um documento que não está disponível publicamente, o que é um grande problema, sobretudo quando ele remonta de 2004 e orienta intervenções urbanas de grande complexidade em 2022. Quem mora aqui sabe que, ao longo de tantos anos, a região passou por intensas transformações, com um grande aumento populacional e uma expansão vertiginosa da malha urbana.
Tentando sanar tantas dúvidas, participamos no último dia 6 de uma reunião na qual o prefeito Eduardo Paes prometeu apresentar todos os dados que darão o embasamento definitivo para as obras. Ele, porém, deixou claro que isso só acontecerá no dia 4 de janeiro, data posterior à licitação do dia 29. Tentamos antecipar o acesso às informações para dezembro, mas a Prefeitura não concordou.
Tal decisão compromete muito a transparência, pois incapacita a participação da sociedade civil e limita a atuação do Poder Legislativo, cujo papel é o de fiscalizar as ações da Prefeitura. Tem sido impossível não perceber a condução dos processos atrelados à construção do Anel Viário de Campo Grande como algo feito a toque de caixa.
Por isso, seguiremos acompanhando com muita atenção todo o projeto. Gera-nos preocupação que uma intervenção tão grande não seja munida de estudos mínimos por melhorias reais ao trânsito de Campo Grande e bairros vizinhos. Precisamos, com grande urgência, de soluções para o problema dos engarrafamentos que atingem a Zona Oeste.
Somos a favor de investimentos na mobilidade urbana para a redução dos congestionamentos, mas de forma responsável e eficaz. Não há como fazer isso sem o uso de meios de transporte sustentáveis, que desafogam o tráfego sem gerar poluição. Assim, também causa apreensão ver um projeto deste porte não englobar a criação de ciclovias e a requalificação das calçadas.
Não teremos uma solução, de fato, para o problema do trânsito sem um planejamento participativo e efetivo para toda a região. É preciso investimento pesado no transporte público e nos transportes ativos, assim como travar diálogo com a população.
Os congestionamentos e a emissão de gases poluentes seguirão aumentando se a Prefeitura não garantir mais meios para que a população possa se deslocar, com segurança, conforto e agilidade, em bicicletas, ônibus, metrô, trem, VLT e a pé.
Seguiremos acompanhando e lutando pela garantia do direito à cidade para tornar a Zona Oeste um lugar mais justo e com melhor qualidade de vida aos moradores.
Primeira vez que vejo o vereador tratar de um assunto de vereador. Que bom! Finalmente acertou!!