Mais um verão acabou com os cariocas tendo a prova de que a cidade segue longe de estar preparada para enfrentar as chuvas, cada vez mais frequentes e violentas. Nos três primeiros meses de 2023, o Rio fez jus ao nome ao entrar várias vezes em estágio de mobilização por conta das diversas enchentes e alagamentos que levaram bens e vidas de seus moradores. Coube a quem escapou do pior varrer a casa inundada e a dor dos prejuízos e das mortes evitáveis. Desta vez, enterramos na estação mais quente do ano uma criança de dois anos e um idoso vítimas das catástrofes anunciadas pelos fenômenos intensos.
Sempre me causa espanto a facilidade de alguns em normalizar esse ciclo de perda que, apesar de ser resultado de um acontecimento meteorológico, está longe de ser natural. As mudanças climáticas e suas consequências são fruto da ação do homem e da falta de resposta ágil, ativa e interessada das autoridades. Todos somos contribuintes do caos quando nada é feito, principalmente quem está à frente do Poder Público, que possui a maior dose de responsabilidade por não promover as devidas correções. Ver tamanha passividade levou nosso mandato a criar a lei que declara Emergência Climática no Rio e ir ainda mais além. Mais uma vez, fizemos algo que se espera que o Poder Executivo faça ao elaborar um levantamento para embasar as ações da Prefeitura. Assim nasceu o relatório “As condições dos rios da Zona Oeste”, a maior área da cidade que também é a que mais sofre com as enchentes.
Antes de entrar nos pormenores do documento, temos de ressaltar que as fortes chuvas têm direta relação com o aquecimento do planeta, mas responsabilizar o meio ambiente pela destruição é um enorme equívoco. Fevereiro não me deixa mentir: o mês da folia viu o resultado do somatório de negligências que atingem mais fortemente a população pobre, periférica e preta, como de costume. Isso não é uma coincidência. Afinal, como defender que a Prefeitura foi pega de surpresa se as fortes chuvas acontecem todos os anos? Surpresa é aquilo que não dá para incluir no calendário e nem adivinhar onde irá ocorrer. Jardim Maravilha, em Guaratiba, por exemplo, é ponto certo do rastro da destruição e segue pedindo socorro.
Não é apenas lá que mora o problema. Indo direto ao cerne do nosso relatório, todos nós sabemos que o sistema de drenagem da cidade está em situação lastimável e boa parte disso está associado à gestão dos rios. Sem receber a devida atenção e cuidado, os corpos d’água transbordam a cada chuva extrema. Como morador da região que mais sofre com o problema, nosso time foi às ruas para ver a situação deles. Ao todo, nosso mandato visitou 86 trechos de 62 rios da Zona Oeste e diagnosticou que a maioria está assoreada (80%), repleta de lixo e apresenta forte odor de esgoto e coloração escura. Na análise das margens, pouca ou nenhuma mata ciliar e algumas construções no lugar onde deveria haver só verde.
Entre os exemplos de locais com águas extremamente poluídas, podemos citar o Rio do Anil, onde há o descarte de esgoto industrial de acordo com as denúncias dos moradores, o Rio das Pedras, com suas ligações clandestinas de esgoto doméstico, e o Rio das Tintas, em Bangu, que sofre com o lixo e o entulho, mesmo problema do Cação Vermelho, que atravessa Santa Cruz, Paciência e Cosmos.
Tudo que foi visto “in loco” é resultado direto do que também foi verificado no orçamento. Ao olharmos com lupa os investimentos da Prefeitura ano após ano, constatamos que a Rio-Águas recebe mais repasses de verba apenas nos meses em que mais chove e por isso não trabalha verdadeiramente na prevenção. No ano passado, o orçamento da fundação foi de R$ 64,3 milhões, dos quais R$ 61,5 milhões foram concentrados nos meses de janeiro a abril. É uma estratégia que só remedia os estragos.
Na Zona Oeste, toda chuva é vista com temor e por isso bairros inteiros precisam elevar suas casas ou construir muros nas portas como obstáculos para as águas. Citando novamente o Jardim Maravilha, caso emblemático, vale lembrar que o planejamento da Prefeitura lista o local como uma das grandes obras a serem custeadas com recursos da CEDAE. A promessa foi lançada ainda em 2021 no Plano Rio Futuro pelo ex-secretário de Fazenda Pedro Paulo sob o investimento de R$ 300 milhões. Mas a obra foi dividida em várias fases, a primeira delas no valor de R$ 40,9 milhões e só terminará em setembro de 2024, próximo ao fim do mandato de Paes. Ou seja: o prefeito admite na surdina que não vai resolver o problema.
Soma-se a esta devastadora realidade a decisão da Prefeitura de reduzir o orçamento do Programa Controle de Enchentes, executado pela Fundação Rio-Águas. Se em 2013, durante a construção dos grandes reservatórios de águas pluviais na Tijuca, as despesas com o programa foram superiores aos R$ 600 milhões (em valores já corrigidos pela inflação), em 2022 corresponderam a meros R$ 70 milhões. Para piorar, o programa foi extinto no Plano Plurianual de 2022-2025. As ações de combate aos alagamentos foram alocadas no programa de saneamento básico e gestão de resíduos, onde fica mais difícil entender o que foi investido de fato a este fim.
O nosso levantamento completo, que traça com riqueza de detalhes os problemas dos locais visitados, foi feito no dia 22 de março, o Dia Mundial da Água instituído pela ONU. O documento deixa evidente a má gestão dos nossos recursos hídricos e serve de alerta para a necessidade de uma mudança urgente nas prioridades do Poder Executivo. De nada adianta o Rio de Janeiro ser lindo no cartão postal se para os seus moradores ele não garante a disponibilidade e manejo sustentável da água e o saneamento para todos.
Entregue para a Secretaria do Meio Ambiente, o relatório oferece a chance de orientar ações que atuem na regeneração dos nossos mananciais e que, em conjunto com a Secretaria de Habitação, pensem em soluções eficazes para garantir um programa de moradia popular sustentável. Afinal, condições de moradia dignas e o acesso à água são pontos intimamente ligados.