Você gosta de carnaval? Sentado naquele banco, vendo o bloco passar, ele ouviu a pergunta banal, vinda de um folião, que junto com um grupo de amigos, havia se sentado ao seu lado.
Você gosta de ver os jovens alucinar, né? Lembrado de que não era mais jovem, ele respondeu que sim, que amava o carnaval. Mais não disse. No entanto, ali entre desconhecidos, vendo um bloco que não o empolgava, se viu como uma figura estranha à paisagem.
Pensou que, de alguma forma, aquela não era mais a sua cidade. Os edifícios, apesar de tanta destruição e especulação, ainda eram reconhecíveis. As ruas e as praças idem. Mas as pessoas em volta lhe eram totalmente desconhecidas. Não havia chance, como em outros tempos, de encontrar um amigo, um conhecido, um colega de trabalho. Outras gerações haviam chegado. Deviam ser os netos, ou filhos, daqueles com quem um dia havia brincado.
O que sentia não era agradável. Isolado na multidão, pensou onde andariam os seus, mesmo aqueles de quem tinha uma vaga lembrança de já ter encontrado. No Facebook havia as suas fotos e, de quando em vez, uma postagem ou uma reação ao que escrevia. Mas lá estava também cheio de fotos daqueles que se foram. Memórias fixadas, que ano a ano têm os seus aniversários lembrados. E até alguns parabéns oferecidos por parte de algum desavisado. Um mundo de amigos e conhecidos em profusão, mas menos real do que o peso do isolamento naquele bloco de carnaval.
A pergunta do folião distraído o havia jogado direto na quarta-feira de cinzas. Num lugar de melancolia. Num limbo reservado aos que insistem em permanecer por esse mundo além da juventude e do vigor físico.
Era preciso reagir, voltar à folia. O uísque na garrafinha de metal ajudaria. Tomou logo dois grandes goles. Andou para mais perto dos instrumentos. O som da bateria sempre ajudava. Olhou em volta, viu pessoas bonitas por perto, meninos alegres se beijando, meninas desinibidas da geração do não é não. Sentiu que dava para entrar no ritmo, e se foi, anônimo na multidão, buscando também alucinar.