Texto de Atílio Flegner, especialista em transportes
Perante aos últimos acontecimentos no Rio de Janeiro, ficam as seguintes reflexões abaixo. No mais, teremos em agosto a primeira linha de metrô do mundo inaugurada sem o tempo necessário para os testes. É também a primeira linha de metrô do mundo que custa quase 10 bilhões de reais e não possui piloto automático, me refiro ao prolongamento da Linha 1 (chamado de “linha 4”). No passado o Rio já foi pioneiro, porém éramos pioneiros em bons exemplos, hoje mostramos ao mundo como não se deve fazer.
Não faz muito sentido, ou melhor, não faz sentido algum usarmos o apelido de “Cidade Maravilhosa” hoje em dia. Esse termo cidade maravilhosa surgiu no início do século XX, com as reformas urbanas de Pereira Passos, lá nos anos 1900, quando as ruas eram repletas de bondes e o Leblon era um bairro muito longe e de difícil acesso, cheio de mato e poucas casas. A área urbana do Rio se limitava entre Ipanema e a região do Maracanã. Bairros como Deodoro e Ilha do Governador eram extremamente longes, a Ilha era atingida apenas pelas barcas a vapor da Companhia Cantareira.
O Rio de Janeiro possuía raros carros, as ruas eram tomadas de pedestres, muito bem vestidos por sinal. A capital do Brasil possuia 870 mil habitantes em 1910. Naqueles tempos a taxa de homicídio girava em torno dos 5 assassinatos para 100 mil habitantes, aquela era a Cidade Maravilhosa.
Chamar o Rio de Janeiro de cidade maravilhosa em pleno 2016 chega a ser um ato de coragem. Que maravilhas temos numa cidade onde tudo parece dar errado? Hoje possuímos 6,6 milhões de habitantes, os bondes quase sumiram nos anos 1960 e os homicídios agora estão na faixa dos 18,6 para 100 mil. Mesmo tendo ponte e estrada, sair da Ilha do Governador é mais difícil do que nos tempos da Cantareira, aliás, parece que tudo ficou mais difícil, mesmo com os avanços do século XXI.
A cidade cresceu, se uniu as suas vizinhas e já não mais constitui em uma pequena área urbana, mas sim uma grande metrópole de mais de 12 milhões de habitantes. Mesmo assim nossos governantes ainda estão vendo a cidade como “cidade maravilhosa”, pensamento de 100 anos atrás. Ora, se está maravilhosa então o que mudar? Pois bem, quem não reconhece o erro não pode ser capaz de trazer melhorias, afinal está tudo bom, não é?
O Rio de Janeiro sofreu nos últimos anos uma espécie de abismo de responsabilidades. É como se os gestores da cidade sofressem de um colapso. O bom senso foi extinto. Se chamar o Rio de Janeiro de “cidade maravilhosa” depois dos anos 1960 seria uma infantilidade, usar esse apelido hoje em dia beira a estupidez. Como pode ser maravilhosa uma cidade onde se leva 3 horas para percorrer 20 Km?
Para algo mudar a primeira coisa é reconhecer o erro. Primeiro reconheçamos que nossa cidade não é mais uma cidade, é uma metrópole, para isso deve ser tratada como tal. Temos 6,6 milhões de habitantes somente no Rio, porém todos os dias quase 2 milhões de pessoas, provenientes das cidades vizinhas (Niterói, São Gonçalo, Nova Iguaçu, Duque de Caxias, Magé etc) se transportam até a capital do estado para trabalhar, estudar, visitar parentes ou ser atendido em (precários) hospitais. Como essas pessoas se deslocam? Muitas levam mais de 3 horas se deslocando de suas cidades até o Centro do Rio.
A metrópole que queremos deve ser integrada. Estamos em 2016 e ainda não temos um simples mapa dos transportes metropolitanos, um papel com um desenho colocando um esquema com todos os modais juntos, por incrível que parece, perdemos a capacidade técnico administrativa para isso.
O que aconteceu com aquele Rio de Janeiro que foi a segunda cidade no mundo a ter telefone, em 1876? O que aconteceu com aquele Rio que em 1859 inaugurou o sistema de bondes, antes mesmo de algumas capitais europeias. O que aconteceu com o Rio de Janeiro que em 1979 inaugurou o metrô mais moderno do mundo e em 1983 já ultrapassava a marca dos 16 Km de metrô operacional? Se tivéssemos mantido o mesmo ritmo de construção dos anos 1970, teríamos hoje mais de 80 Km de metrô, e não os ridículos e ineficientes 40 Km atuais.
Com certeza o Rio de Janeiro do futuro não poderá repetir os mesmos erros que os últimos 10 anos de gestão carioca e fluminense. As metrópoles bem-sucedidas do século XXI devem colocar o interesse público em primeiro lugar. O bem-estar, a qualidade de vida e a facilidade ao cidadão devem estar acima de interesses de conglomerados de empresas ou amiguinhos do político X, Y, EP ou SC.
Nesses anos todos acompanhando o setor de mobilidade urbana e assistindo de camarote o sistema de transporte público no Rio sendo destroçado, além de me sentir impotente, mesmo com todos os esforços empenhados na causa por uma mobilidade mais eficiente, pude observar que as questões políticas e os interesses sujos estavam sempre se sobressaindo as questões técnicas.
Por mais que a área técnica mostrava que concluir a Linha 2 do Estácio a Praça XV iria mais que dobrar a capacidade do metrô, foi escolhido fazer a Linha 1-A, congelando o metrô a 800 mil passageiros/dia, quando sua capacidade poderia chegar a 1,5 milhão de passageiros/dia nos mesmos 40 Km de linhas. Por mais que os técnicos mostrassem que o traçado original da Linha 4 iria ligar Carioca ao Alvorada em 30 min e atenderia mais bairros (Jd. Botanico- Humaitá- Botafogo – Laranjeiras- Centro), foi escolhido pelo governo um traçado que estica a Linha 1 para somente até o Jardim Oceânico e superlota ainda mais o metrô, que virou uma tripa, ao invés de operar em rede.
Mesmo os livros e mapas de planejamento mostrando que a ligação Alvorada- Madureira- Aeroporto Galeão já possuía demanda de metrô desde os anos 1990, mesmo os técnicos, grupo que me incluo, tendo exaustivamente por meio de entrevistas e artigos, recomendado o modal sobre trilhos, foi escolhido o modal de baixa capacidade (ônibus BRT) para ser instalado em um corredor que já era para ser metrô a mais de 20 anos atrás.
Difícil falar do futuro com um passado recente e um presente tão nefastos. Como falar de futuro se acabamos de perder uma oportunidade (Olimpíadas) que não teremos nas próximas décadas? Vi com meus próprios olhos a qualidade de vida cair assustadoramente no Rio de Janeiro. Nem mais podemos brincar com nossos amigos paulistas, pois o que era inacreditável nos anos 1990 aconteceu. O Rio tem índices de engarrafamentos piores do que os de São Paulo, que sempre foi conhecida mundialmente pelas centenas de Km de engarrafamentos diários.
Creio ser mais fácil aprendermos com o nosso próprio passado e com nossos amigos paulistas do que tentarmos ver o Rio com os olhos dos gestores atuais. Enquanto nos últimos 10 anos o Rio tem se preparado para o espetáculo, com reformas bilionárias no Maracanã, obras para Pan americano,Copa e Olimpíadas, São Paulo escolheu a racionalidade. Lembram da historinha da cigarra e da formiga? SP é a formiga e o Rio infelizmente é a cigarra. Sim, aquela metrópole de 20 milhões de habitantes possui muitos problemas, mas ao menos estão tentando resolver e não apenas escondendo os desafios em cortinas como Olimpíadas e apelidos bobos como “cidade maravilhosa”. São Paulo está construindo 7 linhas de metrô ao mesmo tempo! Em poucos anos o número de ciclovias dobrou, enquanto as nossas ciclovias cariocas estão caindo.
Essa imagem acima é uma fotografia em Magé. Trata-se da primeira ferrovia do Brasil, inaugurada em 1854 e já diretamente integrada a estação de barcas de Guia de Pacobaíba. Os passageiros saltavam da barca e em dois passos já estavam na plataforma onde parava os trens que ligavam Magé a Petrópolis. Viram o ano? 1854! Nós estamos em 2016, mais de 150 anos depois e nosso metrô passa a 1 Km das barcas, isso na Praça XV, em pleno Centro do Rio. Os fluminenses do passado integravam trem e barcas em Magé! Em 1854!
Quem olhava essa imagem do Metrô Rio, devia se encher de esperanças. De fato o metrô do Rio era o mais moderno do mundo, até hoje possuímos peculiaridades que fazem nosso metrô ser superior em muitos pontos aos e Londres, Paris ou Nova York. Nossos trens possuem portas de 1,90m de vão, nenhum outro metrô possui portas tão largas, nossos carros metroviários possuem 3,17m de largura, raros metrôs do mundo chegam aos 3m de largura em carros de metrô. Mas não adianta nada eu me ater as questões técnicas. Isso não é levado em conta na ex – cidade maravilhosa.
Mas quando você vai falar de futuro? Não precisa! Apenas desejo que o nosso futuro tenha a sabedoria que já tivemos no passado, com a inovação tecnologia que o século XXI nos apresenta, porém para que saiamos desse fundo de poço que a metrópole do Rio de Janeiro se encontra, precisamos primeiro de gestores que trabalhem como formigas e não fiquem de ladainha e desvios como a cigarra. Talvez assim, após termos uma administração que tenha como objetivo a qualidade de vida e a visão integrada da metrópole, poderemos não apenas dizer cidade maravilhosa, mas sim região metropolitana maravilhosa.
Atilio Flegner
Arquitetura e Urbanismo PUC-RIO
História UNIRIO
Fórum de Mobilidade Urbana -RJ
Sócio do Clube de Engenharia
Adm. Movimento O METRÔ QUE O RIO PRECISA
Adm. Pagina HISTÓRIA DAS BARCAS RJ