O século XXI é um paradoxo. Apesar dos avanços tecnológicos e do acesso sem precedentes à informação, vivemos em uma era marcada pela valorização da ignorância e pela proliferação de desinformação. Nesse contexto, o termo agnotologia — com sua etimologia peculiar — surge como um conceito fundamental para compreender como a ignorância pode ser intencionalmente produzida e utilizada.
A palavra agnotologia deriva da junção do prefixo grego “agnosis” (ignorância) e o sufixo “logia” (estudo), formando o conceito de “estudo da ignorância”. Criado pelo historiador Robert N. Proctor na década de 1990, o termo descreve a análise de como a ignorância é fabricada, mantida e explorada de maneira deliberada.
Ao contrário do que se poderia pensar, ignorância não é apenas a ausência de conhecimento, mas pode ser uma construção estratégica. A agnotologia revela como certos setores — políticos, econômicos ou sociais — produzem desinformação para confundir, desviar o foco ou manipular populações. O caso antigo mais emblemático é o da indústria do tabaco, que na década de 1960 criou campanhas para semear dúvidas sobre os malefícios do cigarro, mesmo diante de evidências científicas robustas.
A ignorância fabricada atende a interesses específicos. Controle político, por exemplo, é uma das principais motivações. Populações desinformadas são mais suscetíveis à manipulação, permitindo que líderes populistas ou ideologias anticientíficas ganhem terreno ao desacreditar especialistas e instituições. Além disso, a ignorância é uma ferramenta poderosa para desviar a atenção. Espalhar teorias conspiratórias ou debates irrelevantes ajuda a esconder questões estruturais, como desigualdades sociais ou crises ambientais. Outra aplicação comum da ignorância fabricada está na preservação de privilégios econômicos. Empresas e grupos de interesse lucram ao desacreditar avanços que comprometam suas atividades, como regulamentações ambientais ou trabalhistas.
Em 1996, quando Carl Sagan publicou seu excelente livro “O Mundo Assombrado pelos Demônios, A ciência vista como uma vela no Escuro”, ele já nos alertava do risco da valorização da ignorância.
Sagan foi professor de astronomia e ciências espaciais na Universidade Cornell. Autor de dezenas de estudos da área, foi agraciado com várias medalhas e prêmios por suas contribuições ao desenvolvimento e à divulgação da ciência.
Naquela época, os telefones celulares eram usados apenas para ligações, a internet ainda engatinhava, e os meios de comunicação eram dominados pela televisão. No entanto, Sagan já alertava sobre os riscos de uma sociedade alheia ao conhecimento científico:
“Vivemos numa era complexa, em que muitos dos problemas que enfrentamos, quaisquer que sejam suas origens, só têm resoluções que implicam uma profunda compreensão da ciência e tecnologia. A sociedade moderna precisa desesperadamente das inteligências mais capazes para delinear as resoluções desses problemas. Não acho que muitos jovens bem-dotados serão estimulados a seguir uma carreira na área de ciência ou engenharia vendo televisão nas manhãs de sábados — ou grande parte do resto da programação norte-americana de TV.”
Hoje, em vez da televisão, redes sociais como TikTok, YouTube, Kwai, Instagram, Facebook e assemelhados ocupam esse espaço, e o impacto é ainda mais profundo. Essas plataformas, com seus algoritmos projetados para capturar atenção e maximizar engajamento, priorizam conteúdos rápidos, simplistas e sensacionalistas, promovendo desinformação e dificultando o debate crítico.
A agnotologia nos desafia a identificar e resistir às estratégias de manipulação da ignorância. Para isso, é essencial investir em educação crítica, ensinando habilidades de análise como identificar fontes confiáveis, interpretar dados e compreender a ciência. Além disso, é urgente a regulação do ambiente digital, com políticas públicas que abordem a disseminação de conteúdos falsos ou manipuladores nas redes sociais. Também é fundamental promover o saber científico, reforçando a confiança em especialistas e no método científico, que são indispensáveis para enfrentar problemas globais como mudanças climáticas e pandemias.
A agnotologia reflete um conceito poderoso: a ignorância não é apenas um estado passivo, mas uma construção ativa que pode ser utilizada para atender a interesses políticos, econômicos e sociais. Reconhecer essa realidade é o primeiro passo para combatê-la.
Estamos em um século que deveria ser marcado pelo conhecimento, mas que frequentemente flerta com a alienação. Enfrentar a ignorância fabricada exige um compromisso com a ciência, a educação e o pensamento crítico. Afinal, como já foi dito, “vivemos em uma sociedade profundamente dependente da ciência e da tecnologia, mas onde quase ninguém entende ciência e tecnologia”. O futuro não pode ser guiado pela escuridão da desinformação, mas pela luz do saber.