Art. 1° do PLC nº 186, de 2024: Prefeito e Comissões da CMRJ Tentam Golpe Administrativo Inconstitucional

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O Projeto de Lei Complementar (PLC) nº 186, de 2024, que modifica dispositivos do Estatuto dos Servidores, conhecido como “Pacote de Maldades” do senhor Prefeito Eduardo “Mãos de Tesoura” Paes, possui alguns dispositivos inconstitucionais.

Neste artigo, vou tratar de um deles, que é flagrantemente inconstitucional. O PLC possui o seguinte dispositivo:

“Art. 1º O artigo 3º da Lei Municipal nº 94, de 14 de março de 1979, passa a vigorar acrescido dos seguintes parágrafos:

“Art. 3º (…)

(…)

§4º A atualização das atividades do cargo ou emprego público ocupado pelo funcionário, por meio de regulamento, não constitui desvio de função.”

Veja no seguinte site o texto desse PLC:

 https://drive.google.com/file/d/1EgJHaCGjzSJHcn1zGNXJyASpjvyvOXgJ/view

Olhe só a maldade do Prefeito naquela proposta. De forma subreptícia, o Prefeito “Mãos de Tesoura” quer que a Câmara Municipal do Rio de Janeiro (CMRJ), que lhe é submissa, autorize que ele “atualize” a seu bel-prazer as funções e atribuições dos cargos públicos por meio de Decreto e não por meio de lei, como determina a Constituição Federal.

Essa modificação permitirá que o Executivo altere as atribuições dos cargos públicos por meio de regulamentos, sem a necessidade de aprovação legislativa. Tal medida contraria frontalmente o princípio da legalidade, que exige que as funções e atribuições dos cargos públicos sejam definidas por lei formal.

A Constituição Federal é clara: as funções e atribuições dos cargos públicos devem ser definidas por lei, em respeito ao princípio da legalidade.

A partir do art. 37 da Constituição Federal e do princípio da legalidade, que não por acaso é o primeiro dos princípios regentes de toda a atividade administrativa, pois a legalidade é a chave de ignição de toda a máquina administrativa, é possível concluir que, efetivamente, sem lei, não pode haver mudança nas atribuições que nasceram com o cargo e para cujo desempenho se deu o concurso público.

Por definição legal, cargo público é “o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor”; e só se cria, extingue ou modifica cargo público por lei. Logo, não se pode cogitar a possibilidade de alteração dessas atribuições por outro meio que não lei formal.

Essa premissa, já amplamente discutida e reafirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), enfrenta um novo e preocupante desafio com o PLC nº 186, de 2024, apresentado à CMRJ.

O STF, em reiterados julgamentos, estabeleceu que a alteração de atribuições de cargos públicos não pode ocorrer por meio de regulamentos ou atos administrativos infralegais.

Um exemplo paradigmático é o julgamento do Mandado de Segurança (MS) nº 26955, no qual ficou decidido que mudanças nas atribuições de cargos públicos, se realizadas sem respaldo legislativo, configuram flagrante desvio de função e violam a ordem constitucional. Exatamente o contrário do que o Prefeito pretende fazer com aquele dispositivo.

Veja abaixo a ementa do Acórdão daquele MS:

“MANDADO DE SEGURANÇA 26.955 DISTRITO FEDERAL

RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIA

IMPTE. (s): LUCIANO VIDAL E SILVA E OUTRO(A/S)

ADV. (A/s): MIRTES LINO DE OLIVEIRA

IMPDO. (A/s): PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

 

EMENTA: CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO DO PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA.

PORTARIA N. 286/2007. ALTERAÇÃO DAS ATRIBUIÇÕES DE CARGO

PÚBLICO POR MEIO DE PORTARIA. IMPOSSIBILIDADE.

PRECEDENTES. SEGURANÇA CONCEDIDA.

?1.?Contraria direito líquido e certo do servidor público a alteração, por meio de portaria, das atribuições do cargo que ocupa.

?2.?A inexistência de direito adquirido a regime jurídico não autoriza a reestruturação de cargos públicos por outra via que não lei formal.

?3.?Segurança concedida.”

 

Segundo essa decisão, a alteração de atribuições de cargo público somente pode ocorrer por intermédio de lei formal.

 

Veja a íntegra desse Acórdão no seguinte site:

https://drive.google.com/file/d/1OLpDWwEHhxAUJs52XOu-7Qx0pLChR3iU/view?usp=drivesdk 

Antes que o Prefeito venha com a desculpa esfarrapada de que ele pode legislar nesse caso por decreto, tendo em vista o disposto no inciso VI, a, do art. 84 da Constituição Federal, informo que o julgamento daquele MS foi em 1º/12/2010. Ou seja, dez anos depois da Emenda Constitucional nº 32, de 2001, que determinou o seguinte:

“Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

 

(…)

 

VI – dispor, mediante decreto, sobre:

 

a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos;”

 

Logo, o que o Prefeito pretende fazer não é permitido pelo dispositivo constitucional acima.

 

E o que é mais incrível, mas que é algo que já não mais nos surpreende, tal o grau de submissão da CMRJ, que já é chamada nas redes dos servidores, infelizmente, de “puxadinho do Gabinete do Prefeito”, é ver que as Comissões Permanentes da CMRJ, para as quais esse PLC foi despachado, dentre elas a Comissão de Justiça e Redação, que deveria pugnar pelo respeito à Constituição Federal, pediram a coautoria desse PLC, concordando, portanto, com suas inconstitucionalidades e, em particular, com a inconstitucionalidade acima apontada.

 

Esse pedido de coautoria foi uma tática legislativa do Prefeito e seus vereadores aliados para agilizar a votação desse PLC.

 

Assim sendo, para atender à “ordem” do Prefeito de “Lealdade e Celeridade” na votação daquele PLC, as Comissões pediram a coautoria, o que permitiu, como se noticia, que sua primeira discussão/votaçãojá possa ocorrer no dia 26 de novembro. E, como estamos diante de um PLC, que sua segunda e última discussão seja no dia 28 de novembro, pois tem-se que, regimentalmente, respeitar o interstício de 48 horas entre as duas votações.

 

Destaco que será difícil apresentar emendas a esse PLC de interesse dos servidores, pois, para estas serem apresentadas, são necessários 17 vereadores as apoiando. E, tendo em vista o domínio que o senhor Prefeito Eduardo “Mãos de Tesoura” tem sobre a Câmara, não será uma tarefa fácil conseguir esses 17 apoiamentos.

 

Quanto às emendas, lembro que, se forem aditivas ou modificativas e forem só de iniciativa dos vereadores, sem a coautoria do Poder Executivo, elas serão inconstitucionais, por vício de iniciativa, e, caso aprovadas, serão derrubadas facilmente na Justiça a pedido do Prefeito ou de um partido político.

 

Mas vale destacar que, se as emendas forem modificativas e forem vetadas, estes vetos não restabelecerão a redação proposta pelo PLC. Ficará valendo a redação anterior da Lei, que o Prefeito está tentando modificar.

 

E, se forem emendas supressivas, o Prefeito nada poderá fazer contra elas. Ficará valendo também a redação original da lei que ele tentou modificar.

 

Lembro que, como se trata de PLC, são necessários 26 votos “sim” (maioria absoluta) ao PLC e a suas emendas para que elas sejam aprovadas. Com o domínio que o Prefeito tem na CMRJ, esse quórum não será difícil de ser alcançado.

 

Se a CMRJ não fosse submissa ao Prefeito e respeitasse os servidores, ela convocaria uma audiência pública para a discussão desse PLC antes de o votar a “toque de caixa”, mas…

 

Ao querer legislar por Decreto, como no caso ora analisado, o Prefeito age como se fosse um ditadorzinho de uma “republiqueta das bananas”, e não o governante de uma dita Capital do G20. Mas isso já não nos surpreende mais, pois o Prefeito é useiro e vezeiro em legislar, através de decretos, matérias que deveriam ser aprovadas por Lei.

 

Um exemplo candente dessa usurpação do poder da CMRJ é a criação e a extinção de Secretarias Municipais por decretos e não por lei, como determina a Constituição Federal, que é algo comum neste governo para atender os interesses individuais e eleitorais do Prefeito.

 

Infelizmente, a Câmara Municipal e o Tribunal de Contas do Município têm se omitido no combate a essa inconstitucionalidade. A Assembleia Legislativa, por outro lado, que não é submissa ao Governador, já anulou judicialmente diversos decretos do Governador que tentaram fazer o mesmo, demonstrando assim mais autonomia e atuação e respeito a sua competência constitucional.

 

Em diversos artigos do Diário do Rio, critiquei essas práticas inconstitucionais do Prefeito, que parecem passar despercebidas também pelo Ministério Público e pelo Partido Político que tem como praxe questionar na justiça a inconstitucionalidade de algumas leis municipais.

 

Com certeza, no dia 1º de janeiro do ano que vem, deveremos ter a publicação de um inconstitucional Decreto criando e extinguindo Secretarias, pois o senhor Prefeito deverá, mais uma vez, para cumprir seus acordos políticos eleitorais, beneficiar quem o apoiou na eleição deste ano, usando e abusando, para tal mister, da estrutura da Prefeitura, que é custeada com o suor diário dos contribuintes monetizado nos impostos que eles pagam e não com o bolso do Prefeito.

 

A aprovação das inconstitucionalidades do PLC nº 186, de 2024 representará um grave retrocesso no ordenamento jurídico municipal, permitindo, por exemplo, como demonstrado acima, que o Prefeito altere unilateralmente as atribuições dos cargos públicos, sem a necessária aprovação legislativa. É imperativo que a sociedade esteja atenta a mais essa tentativa de concentração de poder e tente pressionar os Vereadores para preservar os princípios constitucionais que regem a administração pública.

 

Com a discussão e a votação do PLC sob análise, a semana de 25 a 29 de novembro será muito tensa para os funcionários municipais.

 

Boa luta para os colegas.

 

Mas uma coisa é certa, depois da aprovação desse PLC, o Prefeito vai aproveitar e tentará aprovar na Câmara outras maldades contra os servidores. Ele vai passar o rodo nos direitos dos servidores.

 

Quem sobreviver, verá.

 

Por Antônio Sá

Fiscal de Rendas aposentado do Município do Rio de Janeiro. Ex-Subsecretário de Assuntos Legislativos e Parlamentares do Município do Rio de Janeiro. Bacharel em Direito e Economia.

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