Já é Natal na Leader Magazine, dizia a propaganda que povoava o imaginário popular; hoje, a antiga gigante do varejo agoniza, em meio a pedidos insistentes de falência. A rede de lojas fundada em Miracema entrou no segundo semestre cheia de esperanças; vendida aos empresários Renato Vaz Heringer e seu sócio e CFO Márcio Margreife Lima, alugou uma nova sede no luxuoso e histórico Edifício Sulamérica, na rua da Quitanda 86, e lá se instalou sob os auspícios do controlador da fintech Mauá Bank, prometendo equacionar problemas com os proprietários, fornecedores e empregados, e chegando até a alugar uma nova loja.
O mercado se encheu de esperanças. Ato contínuo à posse dos novos diretores, a empresa celebrou acordos com funcionários, proprietários e até mesmo com condomínios, além de ter se comprometido a pagar milhões de reais em IPTUs atrasados que suas lojas devem ao município do Rio. As lojas, que estavam às moscas, quase sem estoque, voltaram a se encher de mercadorias. As escadas rolantes da loja da Uruguaiana, uma das maiores áreas de venda do Centro – com quase 5.000m2 – voltaram a girar, após meses travadas e com defeito.
Em Setembro, leitores do DIÁRIO festejaram a abertura de uma nova loja da varejista em Bonsucesso. O público tem afeto pela empresa, e quer confiar na habilidade de Heringer – um agradável e bonachão morador de Copacabana – de reerguer uma das mais queridas marcas do estado. Porém, a coisa parece não estar indo bem. Apesar de ter assumido a empresa prometendo solução gradual e reerguimento da marca, Heringer firmou acordos que parou de cumprir, e a empresa voltou a estar inadimplente com um sem número de fornecedores. A empresa alega que não estaria cumprindo os acordos firmados por conta de sucessivos bloqueios nas contas da companhia. Especialistas no mercado empresarial dizem, porém, que Heringer e Lima são escolados investidores em empresas em dificuldades; desde postos de gasolinas falidos até empresas de laticínios, estariam habituados a realizar este tipo de negócio.
Procurada pela reportagem, a Sergio Castro Imóveis, responsável pela loja da Rua Uruguaiana, preferiu não se pronunciar.
Histórico
A Leader ainda é uma das mais queridas marcas do Rio, com uma história que remonta à sua fundação em 1951. Inicialmente, a empresa operava como uma pequena loja de roupas, mas ao longo das décadas, expandiu-se significativamente, tornando-se uma marca reconhecida nacionalmente. A Leader, fundada pela família Gouveia, oferecia uma ampla gama de produtos, incluindo roupas, calçados, acessórios, eletrodomésticos e muito mais. Sua trajetória chegou a ser marcada por um crescimento constante, adaptação às tendências de mercado.
Depois, a empresa foi vendida ao BTG Pactual, e se expandiu mais ainda, com a aquisição da Seller, da família Furlan, de São Paulo. Uma fusão considerada mal calculada, que acabou enterrando a empresa em problemas que vive até hoje. Em 2016, o BTG vendeu a empresa por 1 real e seu comando passou às mãos de Fábio Carvalho, que controlava também a Editora Abril. Em 2020, a companhia mudou de dono de novo, passando para André Peixoto. Na ocasião a loja de departamentos tinha 90 lojas espalhadas por 9 estados do país.
Peixoto resolveu entrar com pedido de recuperação judicial, para tentar equacionar mais de R$ 1,2 bilhões de reais em dívidas que a companhia tinha. Numa recuperação judicial, a empresa equaciona sua dívida antiga mediante a apresentação de um plano para pagamento dos débitos, mas deve passar a pagar suas contas em dia a partir dali. No seu plano de Recuperação, a Leader propunha pagar as dívidas maiores que 60 mil reais só dali a 4 anos, da seguinte forma: 10% de sinal e o resto em 12 parcelas anuais se a empresa faturar mais de 1,3bi por ano; se não, não paga nada. Trocando em miúdos, se a Leader me devesse 60 mil, pagaria 6 mil reais só daqui a 4 anos, e o resto em DOZE ANOS, pagando 4,5 mil POR ANO, mas se seu faturamento for 1,29 bi, não recebo as parcelas.
Em 2020, a Leader negociou um plano de recuperação judicial com seus credores para lidar com sua dívida. Dois anos depois, a Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro (PGE-RJ) estabeleceu um acordo para amortizar 810 milhões de reais da dívida ativa da empresa ao longo de 180 meses.
Ocorre que, segundo informações obtidas pela reportagem, a Leader não só nunca pagou seus débitos anteriores à recuperação judicial, como estaria devendo novamente milhões em aluguéis e outros custos de ocupação de diversas de suas lojas; inclusive suas lojas do Centro do Rio de Janeiro, na Rua do Riachuelo e na Uruguaiana, estariam dentre as devedoras. Obtivemos acesso a certidões de pagamento de IPTUs de duas lojas – é um documento público – e a empresa simplesmente deve milhões de reais em IPTU, além de condomínio e – claro – alugueis. Os donos da loja da rua do Riachuelo já ingressaram com ação de despejo por falta de pagamento. Não estariam cumprindo acordos trabalhistas, segundo o G1 e o Relatório Reservado. O DIÁRIO averiguou que a empresa também está descumprindo acordos firmados com Condomínios e Proprietários. Estima-se que a dívida só com um único proprietário já seja da ordem de 6 milhões de reais, sem contar fornecedores e débitos de outros tipos. Foi assim que em 2023 a empresa foi vendida de novo, e depois revendida, agora em 2024, ao grupo proprietário do Mauá Bank, tendo voltado a acumular dívidas, embora mesmo assim tenha inaugurado uma nova loja, em Bonsucesso.
Procurada pelo DIÁRIO, a Leader encaminhou a seguinte nota, que publicamos, na íntegra:
“As Lojas Leader vem informar que, devido ao alto número de ações trabalhistas enfrentadas, tanto individuais quanto coletivas e outros acordos também firmados com fornecedores, a manutenção dos salários e benefícios em dia dos funcionários ativos, o fluxo de caixa da empresa foi afetado nos últimos 60 dias devido a bloqueios judiciais bancários de valores milionários. Bloqueios estes, que atrasaram alguns cumprimentos de acordos já firmados. Estamos trabalhando árdua e continuamente para solucionarmos essas pendências ainda durante a primeira quinzena do mês de novembro. Sobre a abertura da loja em Bonsucesso, essa em questão, já existia em um ponto ao lado e foi remanejada justamente por custos menores. Entendemos também que trabalhando em conjunto a manutenção e a expansão, conseguiremos um maior fluxo de receitas para sanar as questões acima citadas”