Se você é fã de quadrinhos, já deve ter notado que o dia 30 de janeiro é uma data especial para os amantes da nona arte no Brasil. Mas você sabe exatamente por quê? Muita gente se confunde e chama esse dia de “Dia Nacional dos Quadrinhos”, mas a data correta é Dia do Quadrinho Nacional, uma celebração exclusivamente voltada para a produção brasileira.
A origem dessa comemoração remonta a 1984, quando a Associação dos Quadrinhistas e Caricaturistas do Estado de São Paulo (AQC-ESP) decidiu instituir o dia 30 de janeiro como um marco para celebrar o trabalho dos artistas nacionais. A escolha da data foi uma homenagem a Angelo Agostini, que, no dia 30 de janeiro de 1869, publicou “As Aventuras de Nhô-Quim ou Impressões de uma Viagem à Corte”, considerada por muitos a primeira história em quadrinhos genuinamente brasileira.
Sobre a questão da primeira História em Quadrinhos (HQ) brasileira, recomendo a leitura do artigo abaixo:
”Sisson x Agostini: Quem Criou a Primeira HQ do Brasil?”
Angelo Agostini, italiano radicado no Brasil, foi uma figura essencial na história da imprensa ilustrada do país. Seu personagem Nhô-Quim era um caipira ingênuo que enfrentava desafios na corte do Rio de Janeiro, em uma história que misturava humor e crítica social. Publicada em capítulos no jornal Vida Fluminense, a HQ de Agostini possuía uma narrativa sequencial e um protagonista fixo, características essenciais dos quadrinhos modernos.
O curioso é que essa publicação antecede em mais de 25 anos o famoso The Yellow Kid, de Richard Outcault, lançado em 1895 nos Estados Unidos, que frequentemente é citado como a “primeira HQ da história”.
O Yellow Kid, criado por Richard Felton Outcault em 1895, é frequentemente citado como a primeira história em quadrinhos porque reuniu elementos que passaram a definir o formato moderno das HQs. No entanto, esse título é alvo de debates, já que quadrinhos existiam antes dele, incluindo As Aventuras de Nhô-Quim (1869), de Angelo Agostini, no Brasil.
Mas por que Yellow Kid é considerado a primeira HQ?
1. Uso de personagens fixos e histórias sequenciais.
O Yellow Kid fazia parte da tira Hogan’s Alley, publicada inicialmente no New York World, de Joseph Pulitzer.
O protagonista, um menino de rua com uma camisola amarela, aparecia em diferentes situações, tornando-se um personagem recorrente.
2. Inovação no uso de balões de fala
Embora os quadrinhos anteriores utilizassem texto abaixo das imagens, Yellow Kid foi um dos primeiros a trazer as falas dentro da arte, inicialmente escritas na própria camisola do personagem.
Pouco depois, Outcault passou a usar balões de fala, consolidando o formato visual das HQs como conhecemos hoje.
3. Popularização do formato nos jornais
O Yellow Kid foi publicado em um momento em que os jornais começavam a usar ilustrações como forma de atrair leitores, tornando-se um grande sucesso popular.
Sua disputa entre os jornais New York World (Pulitzer) e New York Journal (Hearst) deu origem à “Guerra dos Jornais Amarelos”, que popularizou o termo “jornalismo amarelo” para descrever reportagens sensacionalistas.
Mas Yellow Kid foi realmente a primeira HQ?
Na verdade, histórias em quadrinhos já existiam antes, apenas não com o mesmo formato que Yellow Kid ajudou a padronizar. Alguns exemplos:
“As Aventuras de Nhô-Quim” (1869) – Angelo Agostini (Brasil)
Publicada na revista Vida Fluminense, era uma história ilustrada sequencial sem balões de fala, mas com narrativa visual clara.
É considerada a primeira HQ brasileira e possivelmente uma das primeiras do mundo.
“Histoire de M. Jabot” (1833) – Rodolphe Töpffer (Suíça)
Uma história contada com ilustrações e legendas, sendo um dos primeiros exemplos daquilo que viria a ser chamado de quadrinhos.
“Max und Moritz” (1865) – Wilhelm Busch (Alemanha)
Narrava as aventuras de dois garotos travessos em um formato de história sequencial.
Logo, Yellow Kid não foi a primeira HQ da história, mas foi um dos primeiros a consolidar o formato moderno com personagens fixos, balões de fala e publicação em jornais. Seu impacto na indústria foi imenso, ajudando a definir o que entendemos hoje como “história em quadrinhos”.
No entanto, é importante reconhecer o trabalho de pioneiros como Angelo Agostini, Rodolphe Töpffer e Wilhelm Busch, que já experimentavam com narrativa gráfica antes do sucesso de Yellow Kid.
Se quiser conferir As Aventuras de Nhô-Quim e outra obra importante de Agostini, Zé Caipora, pode acessar o acervo digital do Senado no sítio:
Apesar do pioneirismo de Angelo Agostini, os quadrinhos brasileiros passaram por altos e baixos. Se no início do século XX as HQs nacionais tinham um espaço garantido em jornais e revistas, o cenário começou a mudar com a chegada das publicações norte-americanas. A partir da década de 1930, personagens como Flash Gordon e Fantasma passaram a dominar os suplementos de quadrinhos no Brasil.
Mas os artistas brasileiros resistiram e construíram uma identidade própria. Em 1960, Ziraldo criou A Turma do Pererê, a primeira HQ colorida totalmente brasileira, trazendo personagens inspirados no folclore nacional.
E claro, não podemos esquecer de Mauricio de Sousa, que, no mesmo período, começou a publicar as tiras que dariam origem à Turma da Mônica, hoje um fenômeno internacional traduzido para mais de 40 países.
O reconhecimento do talento brasileiro no mundo dos quadrinhos veio com força no século XXI. Atualmente, artistas como Marcelo Quintanilha, Marcelo D’Salete, Lourenço Mutarelli, Fábio Moon e Gabriel Bá, Rafael Grampá, Laerte, entre tantos outros, têm conquistado prêmios internacionais e levado o quadrinho brasileiro a novos patamares.
Entre os destaques da nova geração de quadrinistas brasileiros, Marcelo Quintanilha se consolidou como um dos grandes nomes do quadrinho internacional. Seu trabalho tem sido amplamente reconhecido na Europa, especialmente na França, onde suas obras são publicadas e premiadas.
Sua graphic novel “Escuta, Formosa Márcia” venceu o Prêmio Fauve d’Or, principal categoria do Festival de Angoulême 2022, o mais prestigiado festival de quadrinhos do mundo. O livro, que aborda o cotidiano e as tensões sociais no Brasil, é uma prova de como os quadrinhos podem ser um meio poderoso de crítica social e representação cultural.
Outras obras de Quintanilha, como “Tungstênio”, “Talco de Vidro” e “Luzes de Niterói”, mostram sua habilidade em contar histórias com uma profundidade narrativa única, explorando dramas humanos, violência urbana e a complexidade da sociedade brasileira. Sua trajetória internacional comprova que os quadrinhos brasileiros são respeitados e admirados além de nossas fronteiras.
Outro grande nome do quadrinho nacional com reconhecimento internacional é Marcelo D’Salete, autor de obras que exploram a resistência negra no Brasil, como “Angola Janga” e “Cumbe”. Seu trabalho já foi premiado no exterior e traduzido para diversas línguas, sendo uma referência na abordagem da história afro-brasileira e dos impactos do colonialismo.
Em 2023, D’Salete foi um dos homenageados do Festival Internacional de Banda Desenhada de Amadora, em Portugal, um dos maiores eventos de quadrinhos da Europa. A homenagem reforça o impacto global de sua obra e a importância dos quadrinhos brasileiros na cena mundial.
Sobre a presença de D’Salete no Festival de Amadora, leia o seguinte artigo:
“Quadrinho brasileiro fazendo sucesso na Europa: Marcelo D’Salete no Festival de Amadora”
A presença de D’Salete no festival é um marco para a valorização da produção nacional, destacando como a HQ pode ser um meio de reflexão e resgate histórico. Seu trabalho não apenas eleva o quadrinho brasileiro, mas também dá visibilidade à luta e à cultura afrodescendente, mostrando que a nona arte pode ser um espaço poderoso de resistência e educação.
É importante frisar que o Dia do Quadrinho Nacional não é o mesmo que o Dia Nacional dos Quadrinhos, como alguns falam.”.
O Dia do Quadrinho Nacional (30 de janeiro) celebra as produções brasileiras, valorizando os artistas e as obras feitas no Brasil.
Já o Dia Nacional das Histórias em Quadrinhos (14 de março), instituído pela Academia Brasileira de Letras (ABL) e pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI), foi criado para homenagear o cinquentenário do Suplemento Juvenil (inicialmente Suplemento Infantil) lançado por Adolfo no Aizen em 1934. Esse Suplemento, no entanto, trazia majoritariamente HQs estrangeiras.
Portanto, ao celebrarmos o Dia do Quadrinho Nacional, no dia 30 de janeiro, estamos destacando a produção brasileira, mostrando que temos sim uma história rica e uma legião de talentosos artistas.
Parabéns aos quadrinistas brasileiros!
Os quadrinhos brasileiros são muito mais do que um nicho da cultura pop. São um reflexo da nossa sociedade, da nossa criatividade e da nossa capacidade de contar histórias únicas.
Seja nos clássicos de Angelo Agostini, nas aventuras de Mauricio de Sousa, nos quadrinhos de Laerte, ou nas graphic novels premiadas de Marcelo Quintanilha e Marcelo D’Salete, há sempre algo para descobrir e valorizar.
Então, no dia 30 de janeiro, que tal prestigiar um quadrinista brasileiro? Leia um quadrinho nacional, apoie um artista independente e, acima de tudo, espalhe essa paixão pela nona arte!
Viva o quadrinho nacional! Viva os artistas brasileiros!