Dias difíceis de isolamento social. Tudo que não é mais vivido lá fora é vivido em dobro dentro de casa. Isso pode significar desgastes em dobro, picuinhas antigas relembradas e intimidade renovada em seu último grau.
E claro, pandemia pode ser, sim, a superação disso tudo e a renovação de um afeto que beira a eternidade. Mas não era o que Joana percebia ou vivia.
Joana se sentia derrotada pela quarentena interminável. Parecia uma armadilha que ela não poderia supor nem em seu pior pesadelo. Mas a quarentena estava ali, beliscando Joana o tempo todo.
Há alguns dias atrás, essa bela moça, casada e mãe de duas crianças saudáveis e bonitas, percebeu-se sem chão ao flagrar sem qualquer intenção, seu marido Fábio no celular recebendo fotos sensuais de outra mulher.
A princípio é só uma fantasia virtual – uma mulher que já figurava entre seus amigos no Facebook e que, após o confinamento geral, adicionou-o no Linkedin.
Linkedin!! Quem imaginaria? Linkedin sempre foi uma espécie de escudo protetor das famílias e dos bons costumes: “Ah, ele tá no Linkedin fazendo business. Ainda bem, se fosse Instagram eu ficava preocupada.”
Já era. A mulher se aproximou de Fábio pelo aparentemente inofensivo linkedin.
Essa é a versão oficial confessada pelo Fábio. A verdade é que Joana, neste momento de sua vida, precisa acreditar nisso.
E além de ter aceitado a versão de seu marido como verdadeira, Joana exigiu ter a senha de seu celular.
Ele negou.
Ela insistiu.
Ele negou, alegando que com esse tipo de falta de privacidade ele não consegue conviver. Mesmo disposto a provar seu amor por Joana e seus filhos, ele veementemente negou.
Joana pediu a senha do Instagram e do Facebook. E, claro, pediu pra acessar o linkedin dele também. Ou seja, Joana queria auditar a vida social de seu marido na pandemia.
Fábio concordou. A verdade é que Facebook não é mais lugar de tanta traição. E Instagram pode ter sempre suas mensagens apagadas, numa rotina quase religiosa. Linkedin? Ah, deixa ela ver, só tem contatos profissionais. Quer dizer, 95% é isso. E os outro 5% já desapareceram.
Joana pediu a chave de sua própria prisão. Fuxicar, hackear, invadir, espiar, seja lá como for chamado, é também um vício. Tudo que ela achar será visto com seus olhos magoados.
Joana viu papinho, elogio, simpatia exagerada, curtidas suspeitas, mas nada além disso. E quem não?
Àquela altura Joana havia perdido a confiança em Fábio e nada que ele fizesse passaria em branco.
Joana iniciou um processo de cultivo de raiva – processo comum entre pessoas feridas. Ela queria achar coisas que a fizessem manter a raiva de Fábio. E acharia sempre que quisesse.
Privacidade invadida transforma humanos comuns em monstros do Lago Ness.
E era isso que Fábio temia.
– Amiga, baixei o aplicativo que você me recomendou. E agora?
– Pagou, Jô?
– Não…tem que pagar?
– Ué, você deve ser prime sempre. Óbvio que tem que pagar. Ou você quer um aplicativo popular?
– Ok, ok. Vou pagar e tentar entender como usar, já te conto.
– Vai lá. Você tá melhor? Entrou no Linkedin dele?
– Não…nem quero… ele já deve ter apagado tudo. Comecei a mexer no Instagram, vi que tava limpo e concluí que eu sou uma otária. Ele jamais deixaria nada lá.
– Não deixaria ou não tem nada, né, Jô? Bem, o que importa é você ficar melhor e com a autoestima em dia! Depois me atualiza de tudo.
Joana, pagou por 30 dias e começou a preencher o perfil no aplicativo de paquera. Escolheu fotos antigas mas se viu no dever de colocar uma recente De repente teve medo de ser reconhecida por alguém.
“E se algum amigo solteiro me vir aqui? Ah! Que se dane! Que vejam. Se eu estou sendo humilhada dentro da minha própria casa, isso é o mínimo que o Fábio deve receber em troca.”
Joana se libertou de ditados, regras e aparências: criou o perfil e se jogou na brincadeira nem-tão-brincadeira-assim.
E começou então a dança do dedo indicador pra lá e pra cá selecionando quem agrada e quem não agrada (com cuidado de checar de onde vem e com que trabalha).
Dormiu.
Há quase uma semana do flagra na loura de lingerie, Fábio dormia no escritório. As crianças nada percebiam, pois dormiam antes deles e acordaram depois. E a vida em famîlia seguiu por fora – só Deus sabe como ficou por dentro.
Acordou e tocou o dia no modo automático: café da manhã, troca de roupa, arruma camas, aulas online das crianças, lava roupa, lava louça, adianta almoço, faz calls, checa emails, abre planilhas, e muito mais.
E mais um dia perdido na quarentena passa. Mais um dia igual.
“Márcia tem razão. A vida tá bem chata. As fugidas da realidade podem acontecer mesmo…” . Joana põe as crianças pra dormir e vai pro quarto. Tranca a porta pra não correr risco com o Fábio (dizem por aí que mulher é mais esperta que homem) e, finalmente deitada em sua cama, abre o que viria a ser um parque de diversões – o aplicativo de paquera.
– Márcia, tá aí?
– Oi, amiga, tô sim!
– Meu Deus! São muitos matches! Nunca imaginei algo assim.
– Aê, Jô! Arrasou!
– Você que sabe. Qualquer coisa, tô aqui e sou toda ouvidos.
Joana jurou que não abriria as mensagens no aplicativo. Mas de repente achou que só espiar não teria nada demais. Entre muitas mensagens, algumas realmente toscas, ela avista a seguinte: “Me lembro de você da escola. Só que eu era um pouco mais novo e você nem me dava bola. Como você tá? Solteira? Soube que você tava casada, com filhos. Se estiver solteira, sorte minha. Tenho uma menina de 5 anos que mora em São Paulo, cidade onde morei por mais de dez anos por motivo de trabalho.
Hoje estou separado e voltei pro Rio para assumir a operação da empresa aqui. Vamos pro Whatsapp? Quero saber de você!”
Por mais difícil que seja para Joana admitir, seus olhos ganharam brilho novo. Seu coração bateu diferente, com mais vigor. Aquele cara bonitão dizendo que tinha um crush nela, solteiro no Rio? Nossa! Parece um video game onde ela ganhara uns 8 anos de vida. Pra trás, claro. Sentiu-se mais nova, renovada.
Mas logo veio a tão-famosa culpa.
“Não devo responder. Vou sair do aplicativo. Não é porque o Fábio agiu assim que eu agirei também. Ele é meu marido e pai dos meus filhos. Vou apagar meu perfil e sumir.”
Decidida, Joana pegou seu celular, abriu o app e foi com o dedo diretamente no LOG OUT.
Mas seu dedo teimoso clicou 2 vezes em outro lugar.
– Oie. Que legal você estar pelo Rio! Outra hora te explico porque estou aqui nesse aplicativo. Segue meu número.